Parlamentares e representantes de entidades ligadas ao movimento negro e à defesa dos povos tradicionais participaram de debate no Senado, nesta quinta-feira (10), para discutir direitos da população remanescente dos quilombos e se manifestaram favoráveis à manutenção do Decreto nº 4887/2003, editado pelo presidente Lula, que regulamenta o processo de identificação e titulação das terras quilombolas. O debate aconteceu na Comissão de Direitos Humanos (CDH), por iniciativa da senadora Fátima Bezerra (PT-RN).
Está sendo analisada pelo Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) nº 3.239 de 2004, apresentada pelo partido Democratas (DEM), que pede a revogação do Decreto 4.887/2003 por considerar que só deveriam ser tituladas terras que já estivessem em posse de indígenas e quilombolas na época da promulgação da Constituição de 1988. O processo ficou parado por mais de oito anos no Supremo e somente em 2012 foi iniciado o julgamento. De lá para cá, dois pedidos de vista voltaram a atrasar o andamento da Adin.
O processo deverá ser apreciado pela Corte, no próximo dia 16 de agosto. Se for aprovada, a ação pode paralisar o andamento dos processos de titulação de terras, além de ameaçar os já titulados. “As comunidades não estão só lutando pela regularização de suas terras, esse é apenas um eixo do decreto. Elas estão lutando também por outras políticas sociais, como saúde, educação e moradia. Se o decreto se tornar inconstitucional, todas essas políticas deixarão de existir”, alertou a representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ, Givânia Maria da Silva.
Por sugestão das senadoras Fátima Bezerra (PT-RN) e Regina Sousa (PT-PI), na próxima terça-feira, 15, um grupo de parlamentares vai conversar com os ministros do Supremo, a fim de convencê-los sobre a gravidade do problema enfrentado pelos quilombolas. “Repudiamos as tentativas de revogação do decreto, que buscam desconstruir a Constituição brasileira e a legislação que garante os direitos territoriais das comunidades quilombolas. Confiamos que o STF conduzirá o julgamento no sentido de reconhecer a constitucionalidade do Decreto”, afirmou a parlamentar.
Quilombos
As terras remanescentes de quilombos são territórios tradicionais étnicos, ocupados historicamente pela população negra. Na época da escravidão, os quilombos recebiam escravos africanos e afrodescendentes fugidos ou libertos e resgatavam as identidades dos povos, perdida com a escravização. Hoje, esses espaços são usados para manifestações religiosas e lúdicas dos povos tradicionais, como a música e a dança, além de serem locais de produção de e comércio de produtos da agricultura familiar.
“No Brasil, a terra passou a ser mercadoria, moeda de troca, para latifundiários cometerem todos os tipos de crimes ambientais. Para nós, quilombolas e indígenas, a terra não é isso. Somos nós quem defendemos o meio ambiente. Somos nós quem cumprimos a função social da propriedade. Somos nós que produzimos de forma sustentável e estamos há séculos nessas terras. Estamos aqui para lutar por nossos direitos”, afirmou a quilombola Lidiane Apolinário, da comunidade de Acauã, no Rio Grande do Norte. “Desde a emissão da posse da terra, nós conseguimos 50 casas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. Estamos criando também caprinos, através do Pronaf, e produzindo mandioca, milho e feijão”, completou.
O direito dos remanescentes de quilombos à terra está garantido na Constituição Federal. No entanto, a titularidade só pôde ser repassada às comunidades a partir do decreto editado pelo presidente Lula, que regulamentou o dispositivo constitucional.
De acordo com Fundação Cultural Palmares, ao longo desses quase 15 anos de vigência do Decreto 4887/03 foram certificadas 2.997 comunidades, beneficiando mais de 16 milhões de pessoas. Além disso, 1692 processos de regularização fundiária foram abertos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e 219 títulos foram emitidos pelo órgão.
Políticas sociais
As ações afirmativas para os negros ganharam força a partir de 2003. Nos 13 anos do governo do Partido dos Trabalhadores, o País implantou uma série de medidas de combate ao racismo. Foram aprovados, por exemplo, o Estatuto da Igualdade Racial e a Lei de Cotas nas Universidades e foi oficializado o Dia da Consciência Negra. Também foi instituída a obrigatoriedade do ensino de História da África e das culturas africana e afro-brasileira no currículo da educação básica e criada a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab).
Além de Fátima, participaram da audiência pública as senadoras Regina Sousa (PT-PI), presidente da CDH, e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) , o senador Humberto Costa (PT-PE) e o deputado estadual do Rio Grande do Norte, Fernando Mineiro (PT).
Os debates contaram ainda com a participação do coordenador-geral de Regularização de Territórios Quilombolas substituto do Incra, José Henrique Sampaio Pereira; do defensor público federal José Roberto Fani Tambasco; do secretário Executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil ( CNBB), Carlos Alves Moura; do coordenador do Fórum Nacional Popular de Educação, Heleno Araújo Filho; do procurador da República na 3ª Região Walter Claudius Rothenburg, do Conselheiro do Conselho Federal de Psicologia Paulo Roberto Martins Maldos; da secretária de Combate ao Racismo da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Iêda Leal; da representante do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Carolina Nascimento; e do conselheiro nacional dos Direitos Humanos Gilberto Vieira.