“Muitos estudantes têm que escolher entre fazer o Enem ou a saúde de suas famílias”

Prova está marcada para o próximo domingo (17), em plena ascensão dos números de casos e mortes por Covid-19 no Brasil; entidades acionam a Justiça exigindo o adiamento do exame e apontam irresponsabilidade do governo
“Muitos estudantes têm que escolher entre fazer o Enem ou a saúde de suas famílias”

A situação é tensa para estudantes de todo o país. O governo de Jair Bolsonaro, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), decidiu manter para próximo domingo (17) a primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mesmo diante do fato de que o Brasil se encontra em um dos momentos mais críticos da pandemia do coronavírus.

O país vem batendo novos recordes no número de casos de pessoas infectadas e mortes em decorrência da Covid-19 e, neste domingo (10), a exatamente uma semana para a data da prova do Enem, a média móvel de mortes diárias superou a marca de mil óbitos após cinco meses. A realização do exame, portanto, que tem 5,78 milhões de candidatos inscritos, é vista como insegura no ponto de vista do contágio por especialistas.

Por este motivo, entidades ligadas à Educação e à Saúde vêm se mobilizando em prol do adiamento da prova, até que a situação da pandemia no Brasil se estabilize. O Enem 2020, inicialmente marcado para novembro, já havia sido adiado para janeiro mas, para essas entidades, a nova onda da Covid exige um novo adiamento.
As bancadas do PT no Senado e na Câmara dos Deputados também se posicionaram em prol do adiamento do Enem. “Como o Enem é a principal porta de acesso ao ensino superior e o Governo Federal não implementou nenhuma política consistente para assegurar o acesso dos estudantes das escolas públicas a atividades pedagógicas não presenciais, a realização do Enem neste momento aprofundará as desigualdades educacionais, desestimulando estudantes e projetos de vida”, diz nota divulgada pelos parlamentares.

O Inep, responsável pela aplicação das provas, entretanto, alega que a redução do número de candidatos por sala de aula, o uso obrigatório de máscara e álcool em gel e o distanciamento garantirão a segurança do exame. Além disso, o órgão argumenta que “reorganizar um calendário a nível de Enem é fragilizar e colocar em risco políticas públicas dele decorrentes como sistema de cotas, financiamento estudantil, instrumentos que por sua vez são as chaves para minorar as desigualdades sociais tão alarmantes hoje no nosso país”.

“A realização do Enem neste final de janeiro coincide com a segunda onda da pandemia e com o impacto das aglomerações e contaminações das ‘festas de final de ano’. Ou seja, no momento de pico, em que diversas cidades não têm mais leitos de UTI, caixões ou covas – como é o caso de Manaus, por exemplo -, se opta por ignorar todo o cenário de saúde pública e realizar uma prova para quase 6 milhões de estudantes. Mesmo com protocolos, é muito arriscado, são 5:30h de prova a cada dia, em que estudantes estarão convivendo no mesmo espaço. Ainda, estudantes são jovens, muitos são assintomáticos, e sequer medir temperatura é eficaz. Do local de prova para fora, veremos transporte público lotado, aglomerações nas portas dos locais de provas, hospedagens recebendo estudantes de outras cidades… Todas situações descabidas para este momento de pico, em que tudo deveria estar sendo fechado e decretada quarentena”, disse Andressa em entrevista à Fórum.

“Em nenhum comunicado, seja administrativo seja jurídico, o governo respondeu como irá garantir que não haja contaminação em massa mantendo-se na agenda de fazer o Enem para 5,8 milhões de estudantes no pico da pandemia”, completou Andressa, que também é membra da Campanha Global pela Educação.

Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), também vai na mesma linha ao defender o adiamento da prova. “As provas do Enem não deveriam nem ter sido marcadas. Por diversos motivos. A pandemia que começou em março, fechou as escolas, dificultou os alunos que estavam terminando o Ensino Médio em 2020 de continuar seus estudos de forma adequada. A pandemia continua, estamos em um momento em que aumentaram os números e não há condições de garantir a segurança sanitária nesse país continental em todos os lugares em que serão realizadas as provas presenciais. O número reduzido por turmas continua sendo grande para o momento que estamos vivendo, e as salas não têm ambientes adequados para toda a demanda”, declarou, também em entrevista à Fórum.

Desigualdade

Além do risco de contágio, Araújo argumenta ainda que a realização do Enem agora culminará em uma desigualdade ainda maior no acesso universitário, visto que os estudantes mais pobres foram especialmente prejudicados pela pandemia.

“Há uma desigualdade na preparação dos estudantes para a prova que, de forma incoerente, incorreta, o Inep mantém para esse meio de janeiro. O Inep ligado a um governo negacionista, que nega a doença, que nega a vacina, que não tem interesse em cuidar da educação e que tampouco se importa com as desigualdades educacionais provocadas pela pandemia. O afastamento da sala de aula. Não podemos negar que essa falta das aulas presenciais trouxe desigualdades educacionais terríveis, principalmente para os mais pobres, que não têm equipamentos, não têm condições Não adianta colocar o esforço de uns e de outros em matérias jornalísticas para dizer que quando a pessoa quer ela consegue. Muitos querem e não têm condições nenhuma. Essa é uma maldade, um crime que se comete . Não podemos concordar”, pontuou.

Para Andressa Pellanda, a pandemia aprofundou as desigualdades educacionais que já existiam no país e a manutenção da data da prova do Enem em janeiro vai escancarar este fato.

“Esse processo aconteceu especialmente pela construção de políticas emergenciais descoladas da realidade dos estudantes, sem dar condições de acesso, permanência e qualidade para todos com equidade. Por conta disso, esse Enem será um reflexo dessa exclusão e marginalização dos grupos em maior situação de vulnerabilidade. Isso só mostra como as avaliações precisam estar pautadas nas políticas educacionais anteriores a ela e não o contrário, como muito se prega e se exerce equivocadamente”, explicou.

Emocional abalado

À Fórum, tanto o presidente da CNTE quanto a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação ainda chamaram a atenção para o aspecto emocional dos estudantes que, além das condições restritas com as quais se prepararam para a prova, também sofrem com a preocupação e a ansiedade que as mortes por Covid-19 provocam em qualquer pessoa.

“Voltamos a passar das mil mortes por dia, muitas dessas mortes são de jovens. Quando não são eles são pessoas próximas, parentes. Essa situação afeta emocionalmente os estudantes. E há, sim, receio de contaminar, morrer por conta do vírus, de levar o vírus para dentro de casa e contaminar familiares. Se esse governo inoperante mantiver as provas certamente haverá a ausência de muitos por conta da situação que está vivendo o país”, advertiu Heleno Araújo.

“Os estudantes estão já pressionados pelo momento de realização de vestibular, em situação dura de saúde mental por conta do ano que passou, e com medo de se contaminarem e levarem o vírus para familiares. Muitos estão tendo que escolher entre fazer o Enem ou a saúde de suas famílias. Os direitos humanos são indivisíveis e não podem competir entre si e as decisões profundamente equivocadas do governo estão fazendo milhões escolherem entre direito à educação e à saúde”, atestou Andressa Pellanda.

Nas redes sociais, cresce a campanha pelo adiamento da prova, através da hashtag #AdiaEnem, em que estudantes, professores, personalidades e artistas expressam preocupação com a manutenção da data da prova em janeiro.

Por hora, a realização do exame presencial permanece nos dias 17 e 24 de janeiro. A versão online da prova, que será feita por, no máximo, 50 mil candidatos, está marcada para os dias 31 de janeiro e 7 de fevereiro.

Fonte: https://revistaforum.com.br

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