O relatório final da CPI da pandemia da Covid-19, elaborado pelo Senado Federal, conclui que o perfil de mortos e infectados pelo Coronavírus no Brasil não é aleatório. O documento de 1.180 páginas será apreciado na próxima quarta-feira, dia 27, e aponta que as mulheres, a população negra e os quilombolas são os que mais sofrem pelas condições socioeconômicas.
Mais vulneráveis, comunidades desfavorecidas e grupos étnicos ou raciais marginalizados como indígenas e negros têm mais probabilidades de contraírem o vírus.
As condições de trabalho, como a exposição a ambientes com maior aglomeração e a necessidade de utilizar o transporte público, também favorecem que os mais pobres sejam mais contaminados, aponta o relatório.
Para a comissão, a desigualdade se torna uma comorbidade, pois a insegurança alimentar, a falta de condições dignas de moradia e de acesso ao saneamento faz com que essas pessoas fiquem mais suscetíveis ao contágio.
“O que houve, de fato, foi a naturalização das desigualdades que, na pandemia, colocam alguns grupos em situação de maior vulnerabilidade do que outros. Essas diferenças justificariam a adoção de políticas públicas compensatórias, mas foram desprezadas pelo governo. Como resultado, o impacto da pandemia foi desigualmente sentido na população”, consta o documento.
Mulheres
A Covid-19 atingiu mais mulheres do que homens. No caso das mulheres, não há dados agregados em âmbito nacional, mas o que os boletins epidemiológicos mostram é que em todos os estados, com exceção de Pernambuco, as mulheres são pouco mais de 50% das pessoas infectadas pelo vírus, estando um pouco acima da sua participação na população.
Isso mostra que as mulheres são mais expostas à doença, o que talvez seja reflexo de sua maior participação em profissões ligadas ao cuidado e à limpeza.
Conforme o relatório da CPI, as primeiras mortes pela doença no Brasil foram das trabalhadoras domésticas Rosana Aparecida Urbano, de 57 anos, de São Paulo, e Cleonice Gonçalves, de 63 anos, moradora do Rio de Janeiro. Duas mulheres negras, provavelmente contaminadas no local de trabalho.
A comissão ressalta ainda sobre o alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em maio de 2020, afirmou que pelo menos 322 países precisavam organizar políticas de mitigação dos efeitos da pandemia de covid-19 especialmente voltadas para mulheres e meninas, considerando os impactos sofridos em razão apenas do gênero.
Retrocesso de dez anos
A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) calculou que a pandemia provocou um retrocesso de dez anos nas condições econômicas das mulheres.
Elas foram gravemente prejudicadas por ocuparem as posições mais precarizadas do ponto de vista trabalhista. Portanto, sem a possibilidade de migrar para o home office, perderam logo o emprego e, muitas vezes, não contavam com nenhuma proteção previdenciária, constata a CPI.
A análise é de que mesmo as empregadas estavam nos postos mais vulneráveis dentre aqueles serviços considerados essenciais, que estão na linha de frente do enfrentamento à doença, como as auxiliares de limpeza nos hospitais, as que atuam no atendimento, caixas de supermercado e balconistas de farmácias.
Gênero e raça
A pandemia agravou as desigualdades entre gênero e raça no país. Um exemplo é a destinação de uma parcela da renda básica de R$1.200,00 para as famílias chefiadas por mulheres sem cônjuge e com filhos se baseia no fato de que essa composição familiar é extremamente vulnerável à situação de pobreza.
O relatório aponta que esse modelo é composto por maioria absoluta de mulheres. Em 2018, 12,755 milhões de pessoas viviam em arranjos familiares formados por responsável, sem cônjuge e com filhos até 14 anos, compreendendo 7,4% da população. Desse total, em 90,3% dos domicílios a responsável era mulher. Dentre estas, 67,5% eram pretas ou pardas e 31,2% brancas.