Os dois últimos compromissos de Lula durante sua visita à Bahia não poderiam ser mais representativos do país que o ex-presidente defende e convida os brasileiros a construir: um país soberano e verdadeiramente democrático. Após se reunir, na noite de quinta-feira (26), com lideranças do movimento negro (veja aqui como foi), na sede do grupo afro Ilê Aiyê, em Salvador, Lula foi, na manhã desta sexta-feira (27), ao complexo industrial Senai Cimatec Park, em Camaçari. A passagem pela Bahia encerrou a viagem que ele e lideranças do PT fizeram pelo Nordeste.
O Cimatec Park é um imenso ecossistema de inovação erguido em uma área de 4 milhões de quilômetros quadrados e composto por três centros: um científico, que abriga projetos de universidades e centros de pesquisa; um tecnológico, que conta com a presença de empresas como Petrobras e Ford; e outro de geração de negócios e empresas.
Nos 11 galpões já construídos, são criadas desde novas tecnologias que permitirão a extração de petróleo das áreas mais profundas do pré-sal até vacinas de última geração para doenças como a zika e o HPV, passando pela produção de energias limpas, como o hidrogênio verde, e de inovações automotivas. Segundo o governador da Bahia, Rui Costa, o complexo, inaugurado em novembro de 2019 e que contou com investimentos de US$ 20 bilhões em parceria com a iniciativa privada, “é a pura demonstração do país que é possível”.
Lula concordou. “Quem conhecer a Simatec jamais vai fazer um discurso de que está muito difícil, de que não dá para fazer. Aqui está uma demonstração de que não tem problema sem solução. Basta querer e investir para que a gente dê um salto de qualidade na capacidade industrial do Brasil”, afirmou o ex-presidente, para quem o Brasil só será soberano se deixar de ser mero fornecedor de recursos minerais e produtos agrícolas e se transformar em uma nação industrializada e competitiva globalmente.
“Hoje, muita gente fala que a indústria já correspondeu a 30% do PIB nacional, mas pouca gente apresenta uma solução de como voltar aos 30%. E aqui temos um modelo disso. A gente tem que acreditar muito no investimento em ciência e tecnologia e acreditar que podemos ser competitivos no mundo inteiro”, defendeu Lula.
Caras pretas no poder
Esse Brasil competitivo e soberano, no entanto, não se viabilizará se a maioria de sua população continuar privada de oportunidades. Uma nação desenvolvida só se constrói utilizando todo seu potencial, que, por sua vez, só se revela quando a educação e o mercado de trabalho se abrem para todos. Em outras palavras, quando essa nação se torna verdadeiramente democrática. E, no Brasil, a democracia só será alcançada com o combate sincero e efetivo ao racismo.
É como muito bem resumiu Ângela Guimarães, presidenta da União de Negros pela Igualdade (Unegro), no encontro com Lula na quinta-feira à noite: “Não tem projeto de construção nacional ou de democracia alijando a maioria que constrói este país, mas não se vê representada nos espaços de poder”. O mesmo cobrou Antônio Carlos dos Santos, presidente do Ilê Aiyê. “Temos que ter políticas antirracistas. Chegou a hora do povo negro efetivamente participar do poder. Queremos mais caras pretas no poder.”
Lula assegurou que todas as propostas entregues a ele pelas entidades presentes ao encontro ajudarão a compor o programa de governo que o Partido dos Trabalhadores apresentará ao Brasil em 2022. “Não pensem nunca que eu me ofendo quando as pessoas cobram de mim o que deve ser feito. A obrigação do povo é cobrar, a do governo é atender. Sobretudo um partido como o PT, que tem a obrigação de fazer aquilo que a elite brasileira jamais vai fazer”, disse o ex-presidente.
“Se eu soubesse, 20 anos atrás, o que eu sei hoje, certamente teríamos feito muito mais para reparar o prejuízo que o povo negro teve acumulado neste país. Não dá mais para a gente discutir política neste país sem colocar na pauta a questão do povo negro, do jovem negro, da mulher negra. E a dos índios, das mulheres, dos LGBTs. Temos de mudar a forma de enxergar as soluções do Brasil”, comprometeu-se Lula.