“Recebi uma bomba de Horishima dentro de mim”. Com este título, o jornal de maior circulação do Brasil traz hoje o primeiro encontro do ex-presidente Lula com a imprensa brasileira após receber a notícia dos médicos do Hospital Sírio-Libanês de que o câncer de laringe, detectado há cerca de cinco meses, teve remissão completa.
Na entrevista exclusiva, concedida às repórteres Cláudia Colucci e Mônica Bergamo, Lula revela o impacto que sentiu quando soube do câncer – após 40 dias de uma dor de garganta renitente, apesar das pastilhas que ganhou no período. A reportagem diz ainda que o ex-presidente afirmou ter-se lembrado muitas vezes do ex-vice presidente da República, José Alencar, falecido no ano passado – e que se emocionou ao citar o companheiro de oito anos no comando do Brasil.
“Hoje é que eu tenho noção do que o Zé Alencar passou. [Fica com a voz embargada e os olhos marejados]. Eu, que convivi com ele tanto tempo, não tinha noção do que ele passou. A gente não sabe o que é pior, se a quimioterapia ou a radioterapia. Uns dizem que é a químio, outros que é a rádio. Para mim, os dois são um desastre. Um é uma bomba de Hiroshima e, o outro, eu nem sei que bomba é. Os dois são arrasadores”.
Lula ainda sente dor na garganta e deverá continuar com as sessões de fonoaudiologia para recuperar totalmente a voz, ainda afetada pelo tratamento médico. Daqui pra frente, disse, “tenho de manter a disciplina no tratamento, cumprir as normas que tem que cumprir, fazer as coisas corretamente, são condições básicas para a gente poder curar o câncer”.
Diante da pergunta se teve medo, Lula respondeu:
“A palavra correta não é medo. É um processo difícil de evitar, não tem uma única causa. As pessoas falam que é o cigarro [que causa a doença], falam que é um monte de coisa que dá, mas tá cheio de criancinha que nasce com câncer e não fuma.”
“Qual é a palavra correta?”, insistiu a reportagem.
“A palavra correta… É uma doença que eu acho que é a mais delicada de todas. É avassaladora. Eu vim aqui com um tumor de 3 cm e de repente estava recebendo uma Hiroshima dentro de mim. [Em alguns momentos] Eu preferiria entrar em coma.
Kalil [interrompendo] – Pelo amor de Deus, presidente!
Em coma?
Eu falei para o Kalil: eu preferiria me trancar num freezer como um carpaccio. Sabe como se faz carpaccio? Você pega o contrafilé, tira a gordura, enrola a carne, amarra o barbante e coloca o contrafilé no freezer e, quando ele está congelado, você corta e faz o carpaccio. A minha vontade era me trancar no freezer e ficar congelado até…”
O maior medo do ex-presidente não foi exatamente o de morrer, mas de perder a voz.
“Eu tinha mais preocupação de perder a voz do que de morrer. Se eu perdesse a voz, estaria morto. Tem gente que fala que não tem medo de morrer, mas eu tenho. Se eu souber que a morte está na China, eu vou para a Bolívia.
A reportagem também trata da conhecida espiritualidade de Lula:
“O sr. acredita que existe alguma coisa depois da morte?
Eu acredito. Eu acredito que entre a vida que a gente conhece [e a morte] há muita coisa que ainda não compreendemos. Sou um homem que acredita que existam outras coisas que determinam a passagem nossa pela Terra. Sou um homem que acredita, que tem muita fé.
Mesmo assim, teve um medo grande?
Medo, medo, eu vivo com medo. Eu sou um medroso. Não venha me dizer: “Não tenha medo da morte”. Porque eu me quero vivo. Uma vez ouvi meu amigo [o escritor] Ariano Suassuna dizer que ele chama a morte de Caetana e que, quando vê a Caetana, ele corre dela. Eu não quero ver a Caetana nem…
Sobre política, diz que o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, candidato à Prefeitura de São Paulo pelo PT, “é o melhor candidato” e representa a oportunidade para a maior cidade do País evoluir. “São Paulo não pode continuar na mesmice de tantas e tantas décadas. Eu acho que ele vai surpreender muita gente. E desse negócio de surpreender muita gente eu sei. Muita gente dizia que a Dilma era um poste, que eu estava louco, que eu não entendia de política. Com o Fernando Haddad será a mesma coisa”.
“E em 2014? O senhor volta a disputar a Presidência?, pergunta uma das repórteres:
“Para mim não tem 2014, 2018, 2022. Deixa eu contar uma coisa para vocês: eu acabei de deixar a Presidência da República, tem apenas um ano e quatro meses que eu deixei a Presidência. Poucos brasileiros tiveram a sorte de passar pela Presidência da forma exitosa com que eu passei. E repetir o que eu fiz não será tarefa fácil. Eu sempre terei como adversário eu mesmo. Para que é que eu vou procurar sarna para me coçar se eu posso ajudar outras pessoas, posso trabalhar para outras pessoas? E depois é o seguinte: você precisa esperar o tempo passar. Essas coisas você não decide agora. Um belo dia você não quer uma coisa, de repente se apresenta uma chance, você participa.
Mas a minha vontade agora é ajudar a minha companheira a ser a melhor presidenta, a trabalhar a reeleição dela. Eu digo sempre o seguinte: a Dilma só não será candidata à reeleição se ela não quiser. É direito dela, constitucional, de ser candidata a presidente da República. E eu terei imenso prazer de ser cabo eleitoral.