Na mídia: Caixa diz que governo não fará populismo com juros

Em entrevista, o vice-presidente Márcio Percival diz que a queda dos juros indica a consolidação de nova estrutura do sistema financeiro.

Em entrevista ao Brasilianas.org., vice-presidente de Finanças da Caixa, Márcio Percival, diz que redução das taxas de juros promovidas por bancos públicos não pode ser taxada de populista. “Faz parte do nosso programa de elevar o crédito também a contribuição para a educação financeira; ninguém tem interesse de ampliar o endividamento das famílias sem que elas tenham consciência do que elas estão fazendo”, afirmou.

Veja abaixo a entrevista completa:

“Não faremos populismo com taxa de juros”, diz Caixa

A redução das taxas de juros anunciada pela Caixa Econômica Federal em abril indica a consolidação de nova estrutura do sistema financeiro brasileiro e a desobstrução de uma agenda competitiva que estava emperrada. E apesar dos cortes nos juros, que atingiram, até o momento, 25 milhões de clientes, a decisão não deve ser interpretada como “populista”. “Não faremos populismo com taxa de juros e crédito”, enfatizou o vice-presidente de Finanças da Caixa, Márcio Percival, em entrevista ao Brasilianas.org. “Faz parte do nosso programa de elevar o crédito também a contribuição para a educação financeira; ninguém tem interesse de ampliar o endividamento das famílias sem que elas tenham consciência do que elas estão fazendo”.

Os resultados medidos nos últimos 15 dias revelam o tamanho do impacto da medida. Segundo informações do banco, a média diária de contratações da linha de crédito Giro CAIXA Fácil, por exemplo, saiu de R$ 5,3 milhões na primeira semana de abril para R$ 39,2 milhões e já foram contratados R$ 196 milhões na linha de crédito para as Micro e Pequenas Empresas, uma evolução de 891% em relação ao mesmo período de março. Além disso, nesta semana, foi anunciada redução dos juros imobiliários em até 21%.

“A inadimplência – num ambiente de juros menor, e no qual o emprego continua crescendo, com economia crescendo 3%, 4% ao ano – não há porque acreditar que irá crescer”, disse Percival, completando que o banco tem taxa de inadimplência de apenas 2,1%. A seguir, a entrevista na íntegra.

 

Brasilianas.org – O movimento de queda da Selic e das taxas de juros da Caixa Econômica, Banco do Brasil e agora também dos principais bancos privados sinaliza, de fato, um novo cenário da competição bancária no país?

Márcio Percival – Temos sim uma mudança muito importante no cenário. No cenário internacional, estamos com uma perspectiva, principalmente na Europa, de uma recessão mais prolongada. Nos Estados Unidos, os dados são melhores, mas a expectativa de crescimento no curto prazo também é bastante limitado. Internamente, estamos numa situação muito confortável, porque nossas macrovariáveis são bastante em linha; a política fiscal tem sido bastante exitosa, e alguns indicadores estão sinalizando que estamos chegando numa estrutura de sistema financeiro com novo padrão de juros, menor.

 

Quais os fatores dessa sinalização?

As curvas de DI futuro (contrato futuro) estão cada vez mais sinalizando, tanto os papéis de curto prazo, como janeiro, que estão mais ou menos em 8,3% projetando para o final do ano. A política de financiamento da dívida interna, creio que temos só um terço dessa dívida sendo financiada com títulos indexados à Selic. O custo de financiamento tem caído, pelos dados do Banco Central, a inflação está convergindo para o patamar de 5%, com tendência de diminuição até o final de 2013. Acho que a política de crédito, o mercado de crédito vem crescendo de uma maneira muito sustentada, sem criar bolhas. O prazo do financiamento tem se alongado; estamos num ambiente onde podemos dizer, com certa tranquilidade, que o novo padrão de taxas de juros veio para ficar nos próximos anos. Não tem nada que esteja pressionando elevação da taxa de juros. Claro, no ano que vem pode, eventualmente, dar um suspiro, mas de uma maneira estrutural estamos em outro ambiente.

 

E qual o real significado para o país, no geral?

Isso significa que podemos acreditar que hoje a gente tem condições, mais do que tivemos no passado, para desobstruir uma agenda, que estava emperrada, e que diz respeito ao financiamento da economia no longo prazo, com taxas menores. Esse processo que vivemos hoje, no mercado financeiro, com discussão sobre o spread [bancário], entra exatamente nesse contexto. Baseado numa avaliação técnica sobre esse cenário, resolvemos trabalhar com nossas taxas de juros.

 

Quais são os resultados mais notórios obtidos até agora? Foram, até o momento, 25 milhões de clientes beneficiados, certo?

Os 25 milhões é o público que estamos atingindo diretamente, no imediato. Agora, esperamos [com essa política], e já está acontecendo, ampliar nossa base de clientes e, ao mesmo tempo, ampliar a cesta de negócios com os clientes já existentes. Os dados estão mostrando que nos últimos 15 dias, desde quando lançamos o programa de crédito, a procura nas agências aumentou, tem aumentado a análise de avaliação dos clientes, tanto pessoa física, quanto pessoa jurídica. Com isso, pretendemos transferir os ganhos de produtividade, os ganhos de rendimento da nossa atividade, compartilhando com nossos clientes.

O senhor tem afirmado que a inadimplência não é alta na Caixa. Mas com esse processo de redução dos juros transbordando para os bancos privados, e com o consequente aumento do crédito, não podemos entrar numa situação de inadimplência em cadeia muito maior no país?

Pelo contrário, porque na hora que o sistema todo abaixa o padrão da taxa de juros, a inadimplência vai cair. Uma parte da nossa estratégia é canalizada para você reciclar a dívida das famílias, que podem tocar suas dívidas, e alongá-las, com o prazo menor. É só ir até uma agência da Caixa e discutir a dívida com nossos gerentes. Pretendemos, portanto, mudar esse quadro. A inadimplência – num ambiente de juros menor, e no qual o emprego continua crescendo, com economia crescendo 3%, 4% ao ano – não há porque acreditar que irá crescer. Você pode, sim, ter inadimplência no financiamento de alguns produtos específicos, como, por exemplo, no caso de veículos. Uma faixa de veículos de um período está dando inadimplência maior do que o conjunto das outras linhas de financiamento. Mas tenho impressão de que são coisas pontuais.

 

Vamos levar em conta que uma grande parcela de novos clientes veio de outros bancos, mas há também aquele grupo dos desbancarizados, que nunca teve conta em banco ou crédito. Para este grupo, qual a estratégia que a Caixa montou, no sentido de educação financeira básica, controle etc.?

Essa pergunta é muito importante. Primeiro, os nossos modelos de risco estão muito atentos a qualquer variação de comportamento nos índices de inadimplência. Não daríamos crédito a qualquer custo. Não faremos populismo com a taxa de juros e crédito. Agora, faz parte do nosso programa de elevar o crédito também a contribuição para a educação financeira; ninguém tem interesse de ampliar o endividamento das famílias sem que elas tenham consciência do que elas estão fazendo, do risco que elas estão fazendo com o planejamento financeiro da família. Por isso é muito importante essa questão, cuja solução não é de uma única instituição, mas do conjunto dos agentes do setor financeiro. O Banco Central tem tido uma postura muito positiva com relação a isso; os bancos tem tido preocupação com isso, e a Caixa está contribuindo com esse tipo de coisa.

Tanto que faremos um mutirão, no próximo dia 12 de maio, exatamente para discutir com as famílias essa questão do endividamento, pois não estamos afim de aumentar o crédito a qualquer custo e de uma maneira irresponsável para a instituição ou para as famílias. Temos crescer com consciência, e tomar crédito numa sociedade capitalista é fundamental, toda economia capitalista funciona na base do crédito de endividamento. Mas queremos fazer isso com certa responsabilidade, inclusive do órgão que tem o papel de serem fiscalizadores, para não acontecer o que ocorreu com a economia dos Estados Unidos, quando o crédito foi dado de maneira irresponsável e de forma desorganizada, resultando na crise de 2008 e 2009. Não podemos repetir isso.

 

Em 2008 o mercado foi travado, e os bancos públicos tomaram a frente nos empréstimos. Quais os fatores que o senhor aponta que diferem o momento de ampliação do crédito dos bancos públicos hoje, daquele período da crise de 2008?

São dois cenários muito diferentes. A única coisa igual é que são dois momentos da mesma crise externa. Mas internamente, num primeiro momento, estávamos numa situação de bastante crescimento, e a gente interferiu com uma política em que o crédito assume um papel anti-cíclico. O consumo das famílias estava crescendo bastante, o crédito estava num patamar de 30% e tinha mais para crescer. Hoje, estamos com uma situação um pouco diferente; o ciclo de crescimento dos duráveis arrefeceu, as famílias estão mais endividadas e o crescimento do crédito vai se dar de uma maneira mais devagar, mas haverá crescimento. O que muda é o destino do financiamento. Acho que hoje há uma preocupação muito maior em financiar a economia para o longo prazo, para as empresas e infraestrutura, além de capital de giro. Com relação às famílias, o consumo continua crescendo.

A demanda por crédito continua crescendo também, mas é importante ver, nesse momento, que a reciclagem da dívida das famílias é fundamental. Em média, as famílias hoje estão comprometidas em 20% ou 22% do seu orçamento, não é nenhum sinal vermelho – estudos do BC indicam que até 30% é uma linha muito tranquila para a economia. Então, as diferenças de 2008 para agora são grandes, mas tem uma que é muito importante: nesse cenário atual, podemos construir um novo parâmetro de taxa de juros, coisa que não conseguimos fazer em 2008. A discussão do spread foi colocada naquele momento, mas só agora ela está sendo tratada de uma maneira prioritária.

 

Temos, por parte dos bancos, a redução dos juros. Na sua avaliação, quais os próximos passos que devem ser dados pelo Banco Central em relação ao câmbio?

Não saberia avaliar isso, mas sei que, dentro do sistema financeiro, no ambiente de hoje, a condição para diminuição da taxa de juros para Micro e Pequenas Empresas está melhorando. A concorrência, que está tomando uma caracteristica diferente, em que os preços tem um papel importante, é o fato mais importante.

Mas pensando num processo, para tornar nossa indústria mais competitiva para o exportador, temos uma etapa – a da queda dos juros – sendo cumprida. A próxima etapa, portanto, seria a questão do câmbio.

A questão do câmbio é complexa, não se resolve de imediato. Estamos com a expectativa do câmbio fechar, até o final do ano, a uma taxa – segundo previsão da Caixa – de mais ou menos R$ 1,90. A situação é difícil, mas está sendo bem administrada pelo BC e Ministério da Fazenda.

 

Atualmente, o crédito imobiliário responde a 4% do PIB. No caso da Caixa, os financiamentos saíram de 5 bilhões de reais concedidos entre 2003 e 2004, para 77 bilhões em 2010, sendo que a meta atual é de 90 bilhões. Agora, reduziu os juros para o financiamento imobiliário para até 21%. Qual a perspectiva que o senhor faz para esse financiamento imobiliário daqui para frente? Como arrumar os fundings, diante da possível redução da poupança?

A rentabilidade da poupança [em 6% ao ano mais Taxa Referencial] é boa, e acho que as famílias sabem da importância dela e, por isso, vão continuar na poupança. Essa discussão que a sociedade esta fazendo [sobre a possível alteração na caderneta de poupança] é importante, mas acredito que a poupança é importante como instrumento de valorização da renda. Agora, é verdade que o sistema habitacional está crescendo a uma taxa muito acelerada; saímos de um pouco mais de 2,5% do PIB e estamos chegando a 4,5%, com perspectiva de nos próximos três anos chegar a 8% do PIB. É claro que, para esse nível de crescimento, é preciso, também, olhar o funding, e acho que isso estamos fazendo.

Nosso funding, além da poupança e do fundo de garantia, estamos trabalhando incentivando o mercado de securitização. Neste ano, pretendemos fazer de R$ 3 bi a R$ 4 bi de securitização. Em segundo lugar, a colocação de LCI (Letras de Crédito Imobiliário); na medida em que o direcionamento básico vai permitindo, a gente vai colocando mais LCI na economia, pois isso é uma fonte de financiamento muito importante. Vamos sofisticando nossas captações para alavancar as operações de financiamento de habitação. Estamos também com um processo andando, de captação internacional, de um bilhão e meio de dólares, que pretendemos fazer até julho ou agosto.

 

Mas com uma Selic a 8,5%, como se espera ainda este ano, não há a ameaça da poupança perder contas para outros tipos de investimentos?

A discussão da poupança está na agenda do dia, e o governo federal, no momento certo, será colocado na discussão.

 

Por Bruno de Pierro, no Brasilianas.org

Da Agência Dinheiro Vivo

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