Para Edinho Silva, um partido que se eterniza no poder não ajuda a democracia
O presidente do PT-São Paulo, Edinho Silva, falou à revista Época neste final de semana. Defendeu claramente a alternância de poder e disse que, em 2018, o partido deve apoiar um candidato de outra legenda, “porque não é bom para a democracia que um só partido exerça o papel de governo”.
Para ele, as manifestações que se alastraram pelo País deixaram um recado importante: o PT precisa se reaproximar das ruas e criar uma agenda de futuro. “O PT precisa ser o líder de uma coalizão que entenda a necessidade de uma reforma do Estado e que esteja mais próxima e disposta a ouvir a sociedade”, disse.
Veja abaixo a íntegra da entrevista:
“Não é bom para a democracia só o PT exercer o papel de governo”
O presidente do Partido dos Trabalhadores em São Paulo diz que a legenda não pode se eternizar no poder – e acena com um apoio a um candidato de outra sigla em 2018
O presidente do PT paulista, o deputado estadual Edinho Silva, afirma que as recentes manifestações que levaram multidões às ruas do Brasil precisam obrigar o partido a criar uma “agenda de futuro intensa”, que inclua até o apoio a um candidato de outro partido em 2018. “O grande desafio que o PT terá de enfrentar será entender que ele não pode ser o PRI mexicano (o Partido Revolucionário Institucional ficou no poder de 1929 a 2000 no México)”, afirma Edinho. “Ele não pode querer se eternizar no exercício do governo. Em algum momento, o PT terá de entender que a consolidação desse projeto iniciado pelo ex-presidente Lula terá de ser desenvolvida por uma coalizão”, diz Edinho. Sociólogo, ele foi prefeito de Araraquara e entrou para a política nas pastorais da Igreja Católica. Sua afirmação ocorre num momento em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula Silva tenta convencer o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), a apoiar a reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014. Em troca, o PT apoiaria uma candidatura de Campos em 2018.
Época – Em 2011, num artigo sobre a Primavera Árabe, o senhor alertava para os novos movimentos sociais e dizia que a sociedade civil queria “sair da arquibancada para entrar no jogo”. É possível dizer que o PT foi surpreendido pelas manifestações de junho? O partido se afastou da sociedade ao chegar ao poder?
Edinho Silva – Digamos que o PT não priorizou a relação com os movimentos sociais. Isso foi um erro de interpretação, acreditar que somente as relações institucionais dariam conta da realidade. As manifestações de junho mostraram que isso não é verdade. O PT cometeu outro grave erro por não ter sabido olhar o que acontecia no mundo: a Primavera Árabe, o Ocupy Wall Street, os Indignados da Europa… Há uma nova característica de movimentos sociais surgindo no mundo. O Brasil não é uma ilha.
Eles são antidemocráticos?
É um discurso quase antidemocrático. A característica comum a todos esses movimentos é o questionamento ao modelo de Estado. Aqui no Brasil, gente importante do PT errou na leitura, porque vivíamos um momento de crescimento e achávamos que a sociedade percebia essas vitórias. Porém, a juventude que foi para as ruas é pós-governo Lula. Ela não viveu o processo inflacionário, o desemprego estrutural, o achatamento da renda. E essa juventude disse: “Nós queremos muito mais”. Muita gente que foi para a rua nunca pisou num ônibus. Há um sentimento de mudança, de transformação, de reforma de Estado. E isso não acabou, está latente e pode voltar para as ruas a qualquer momento.
O que o governo e o PT precisam fazer para não errar de novo, para não ser surpreendidos outra vez?
O PT precisa ser o líder de uma coalizão que entenda a necessidade de uma reforma do Estado e que esteja mais próxima e disposta a ouvir a sociedade. O PT tem grandes desafios. Um partido envelhece quando suas bandeiras envelhecem. Para expressar os anseios da sociedade contemporânea, o PT precisa de uma agenda de futuro intensa e precisa fazer da reforma política seu mantra. Primeiro, precisamos entender a agenda colocada pelos protestos de junho deste ano. Precisamos criar um diálogo com esses movimentos sem necessariamente ocupar um espaço de liderança neste momento.
Outro desafio é repensar as políticas públicas. O grande desafio que o PT terá de enfrentar, não tenho dúvidas, será entender que ele não pode ser o PRI mexicano. Ele não pode querer se eternizar no exercício do governo. Em algum momento, o PT terá de entender que a consolidação desse projeto iniciado pelo ex-presidente Lula terá de ser desenvolvida por uma coalizão.
O senhor está dizendo que no pós-Dilma, a partir de 2018, o PT deverá apoiar um candidato de outro partido?
A tarefa do PT cada vez mais terá de ser pensar o papel do Brasil na América Latina e no mundo. O Brasil como um país que consiga irradiar novas políticas. E isso não se faz sozinho, se faz com uma coalizão. Só o PT governará o Brasil? Não é bom para a democracia, num projeto de longo prazo, só o PT exercer e desempenhar o papel de governo. Por que o PT não pode ajudar a dar sustentação a um projeto conduzido por um aliado de uma coalizão? Se o PT se recusar a aceitar isso, sem dúvida será derrotado no futuro.
Para o senhor, o “volta Lula” não existe para 2014?
Nossa prioridade zero deve ser a recondução da presidente Dilma, assim como foi a do Lula em 2006. Dilma é a consolidação do nosso projeto, a primeira mulher a presidir o Brasil. É assim que se muda a história. O “volta Lula” não existe. Existem lideranças no PT que se manifestam no momento errado, que pensam em voz alta. Só a história registrará a dimensão do que representou e representa a Dilma para o Brasil. O que me preocupa mesmo é o pós-Dilma.
Qual é a importância do diretório que o senhor preside na reeleição da Dilma?
São Paulo é o grande desafio do PT. A formação socioeconômica de São Paulo é historicamente inóspita às forças de centro-esquerda e progressistas. Temos de fazer um giro da esquerda para o centro para quebrar a hegemonia conservadora, hoje liderada pelo PSDB. Temos de buscar setores da classe média, dialogar com os setores médios da sociedade paulista e construir uma política ampla de alianças. Se não deslocarmos a oposição em São Paulo, o Estado sempre será uma trincheira contra nós. Em 2014, precisamos deslocar essas forças. Seria muito importante que Dilma obtivesse uma vitória em São Paulo. Para isso, o palanque do Alexandre Padilha (ministro da Saúde e pré-candidato do PT ao governo paulista) será o mais importante.
As evidências de que um cartel de empresas operou nas obras dos trens e do metrô de São Paulo, com suspeitas de corrupção de agentes públicos, fragiliza o PSDB para 2014?
Posso até ser mal interpretado, mas não sou dos que soltaram fogos com essas denúncias. Neste momento da política brasileira, toda denúncia envolvendo os políticos e a política é ruim. Deveríamos estar no momento construindo uma agenda de restabelecimento da política como reconstrução do consenso. Agora, é uma denúncia grave, feita por gente que tem nome, RG e CPF. Então, a única forma de evitarmos que a política como um todo sofra ainda mais é apurar. A denúncia é muito grave. O PSDB e o governo deveriam liderar a criação de uma CPI na Assembleia Legislativa. Em algum momento, a Assembleia terá de investigar, pela gravidade da situação. A não ser que queiram destruir a legitimidade da Assembleia para salvar um governo.
O senhor deixará a presidência do PT paulista no fim deste ano. Como vê sua atuação no período?
Um partido é uma construção coletiva, tanto os acertos como os erros. Fui eleito presidente num momento muito difícil da vida do PT, após a crise de 2005 e o caso dos aloprados, na eleição de 2006. Naquele momento, o partido estava fragmentado. Um dos maiores méritos da minha gestão foi pacificar o PT. Era prefeito de Araraquara (São Paulo) quando assumi o cargo. Quando você é prefeito, chama um secretário e diz “mude esta xícara de lugar”, e ele muda. No PT, você primeiro tem de fazer várias reuniões para convencer a todos que a xícara precisa mudar de lugar. E bem mais complicado. Outro mérito da minha gestão foi aproximar o partido dos movimentos sociais.