O relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Cachoeira, deputado Odair Cunha (PT-MG), comenta, na edição desta sexta-feira (03/08) da Folha de São Paulo, suas expectativas sobre os rumos e resultados da investigação. “Não tenho dúvida de que ao final dos trabalhos a verdade será revelada”,diz, categórico, referindo-se à intrincada rede de relações de um contraventor que se infiltrou pelos mais diversos canais de poder do País.
Ele alerta para um desdobramento da investigação que talvez ainda não tenha sido percebido pelos brasileiros: em anos eleitorais, as movimentações financeiras das empresas – fantasmas ou não – ligadas à organização aumentavam muito. “Isso é motivo suficiente para que o Brasil adote o financiamento público de campanhas”, conclui, deixando claro que essa pode ser uma grande contribuição que a CPMI poderá dar ao País.
Atacado pela oposição por, supostamente, ser condescendente com os petistas e duro com os tucanos, Odair Cunha reforça sua postura republicana na condução dos trabalhos e lembra que sua função exige discrição e não “a estridência dos alto-falantes de que as “cigarras” dispõem no debate político-midiático”. E conclui: “A verdade, quando brilha, ofusca mesmo a mentira mais engenhosamente construída. Aos poucos, ela vai se tornando evidente para todos, independentemente de opiniões individuais. Essa é a missão da CPMI: deixar a verdade vir à tona, deixá-la brilhar”.
Veja a íntegra do texto do deputado Odair Cunha:
Tendências/Debates: CPMI sem segredos
Desde a sua criação na Inglaterra do século 17, comissões parlamentares de inquérito exercem, em diversos países, a sua principal função: investigar fatos que suscitaram o clamor da população.
Tal função por vezes se sobrepõe até à função de legislar. O primeiro-ministro britânico William Pitt chegou a definir o parlamento como o “grande inquiridor da nação”.
No Brasil, não é diferente. A função essencial das CPIs e CPMIs, definida na Constituição, é investigar fatos de interesse público. Assim, a população legitimamente espera que CPIs revelem a verdade sobre os fatos que motivaram sua existência.
Pelo mesmo motivo, a população também tem a expectativa de que as CPIs se comportem de forma republicana, e que a busca da verdade seja feita de modo a não proteger ou perseguir ninguém.
Aos poucos, mas de forma segura e bem embasada, a CPMI vai desvendando a intrincada e complexa rede de conexões financeiras e políticas que envolvem a organização criminosa chefiada por Carlos Cachoeira. Não tenho dúvida de que ao final dos trabalhos a verdade será revelada.
Dados preliminares mostram que as empresas fantasmas da organização criminosa aumentavam muito as movimentações financeiras em anos eleitorais. É motivo suficiente para que o Brasil adote o financiamento público de campanhas.
Essa é uma contribuição que a CPMI poderá dar ao país, além de outras advindas do desvendamento do modus operandi da quadrilha de Cachoeira com o poder público, por exemplo. Nesse sentido, os trabalhos têm buscado, com rigor, desvendar os vínculos da organização criminosa com agentes políticos.
Como relator, tenho obviamente de me concentrar na tarefa árdua e discreta de investigar, denunciar as incongruências das versões, procurar os fatos em meio à teia de hipóteses e lançar a luz da verdade naquele debate muitas vezes confuso.
Trata-se, portanto, de uma função eminentemente republicana, que demanda isenção, objetividade, empenho obsessivo e sobretudo foco nos objetivos definidos pela CPMI. É, por assim dizer, um trabalho de “formiga”, que por sua discrição e caráter técnico contrasta com a estridência dos alto-falantes de que as “cigarras” dispõem no debate político-midiático. Trata-se, da mesma forma, de um trabalho que tem exigências e tempos distintos daqueles demandados por esse debate.
As investigações, embora difíceis e inexoravelmente lentas, já apresentam resultados bastante significativos. Resultados que são baseados na análise da vasta documentação que chega diariamente aos cofres da CPMI, não em um suposto direcionamento político oportunista ou aventureiro. Já chegaram à CPI dados bancários e fiscais de mais de 40 pessoas ou empresas que o colegiado entende como suspeitas.
Esses dados são representados em 516 contas distribuídas por 21 bancos. Estamos trabalhando com uma base de dados cujo volume financeiro passa de R$ 18 bilhões. Vamos seguir a movimentação financeira até o exterior. O trabalho hercúleo será revelador. Estamos também nos debruçando sobre milhares de horas de gravações da Polícia Federal. Além disso, muitas oitivas da CPMI lançaram luz sobre as conexões políticas da organização criminosa.
A verdade, quando brilha, ofusca mesmo a mentira mais engenhosamente construída. Aos poucos, ela vai se tornando evidente para todos, independentemente de opiniões individuais. Essa é a missão da CPMI: deixar a verdade vir à tona, deixá-la brilhar.
ODAIR CUNHA, 36, advogado, é deputado federal pelo PT-MG
Artigo originalmente publicado na Folha de S Paulo