Valor Econômico – 16/12/2011
Por Chico Santos e Rafael Rosas | Do Rio
A amazonense Wasmália Bivar, primeira mulher a presidir o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) está engajada em várias mudanças nas pesquisas feitas pelo instituto. Nos próximos anos, pelo menos quatro pesquisas passarão a ser mais abrangentes – seja pelo ponto de vista territorial, seja pela frequência.
A intenção é tanto ter uma estatística de empregos de âmbito nacional (a atual é restrita às regiões metropolitanas de seis capitais), como ampliar a coleta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), hoje feita em 11 capitais e regiões metropolitanas, além de caminhar para uma Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) anual e simplificada e iniciar os trabalhos para implantar um Censo Contínuo, como já existe na França. A seguir, trechos da entrevista:
Valor: A sra. é a primeira presidente do IBGE, durante mandato da primeira presidente do Brasil. Houve um viés feminista na escolha?
Wasmália Bivar: O que eu posso dizer é o que ouvi da ministra do Planejamento, Miriam Belchior. Ouvi que havia grande interesse, dela e da presidenta Dilma, de manter a presidência do IBGE dentro dos quadros do IBGE. Que estavam olhando para os técnicos que trabalham aqui há muito tempo, e que, se houvesse um currículo, não só de formação, mas de experiência, aqui dentro, que fosse feminino, isso seria bem-vindo.
Valor: O governo da presidente Dilma é uma continuidade do governo do presidente Lula, de uma certa forma. A sra. considera a sua também uma gestão de continuidade?
Wasmália: Bom, eu era diretora de pesquisa, responsável pelas estatísticas do IBGE. O IBGE tem projetos técnicos, e isso é o que considero ou não como continuidade, qual o projeto que você vai desenvolver. A natureza do nosso trabalho é tal que, para produzir resultados, exige tempo. Nossos projetos são de longa maturação. Depois que amadurecem, a gente começa a produzir com a periodicidade anteriormente definida. Consequentemente, nossos projetos são de continuidade. Estaremos, em janeiro, implantando a Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] Contínua, uma pesquisa com periodicidade trimestral, que dará resultados mensais do mercado de trabalho do país e trimestrais para os Estados. Em janeiro, vamos a todas as unidades da Federação. No primeiro trimestre de 2011, iniciamos a coleta nas capitais e nas regiões metropolitanas das capitais.
Mas ainda não está sendo divulgado…
Wasmália: Não. A partir da análise dos dados, da comparação com a Pesquisa Mensal de Emprego [PME] e com a própria Pnad, iremos divulgar, oportunamente, o calendário de divulgação. Por enquanto, ela vai a campo para que possamos analisar seus resultados e saber se o objetivo de obter a taxa de desocupação brasileira, que seja representativa de todo o território nacional, está sendo cumprido.
Valor: Tem uma meta?
Wasmália: Pretendemos divulgar no fim do ano. Depende da análise dos resultados. O importante é que esse é um exemplo de projeto que já estava em andamento. A construção de um índice de preços ao consumidor, representativo de todos os Estados brasileiros, é outro exemplo.
Valor: Como está esse projeto?
Wasmália: Nós já fomos a campo em dois Estados, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, e pretendemos, no próximo ano, ir a mais cinco Estados da Federação e assim sucessivamente, até cobrimos todo o território nacional. Não tem mudança metodológica, é só ampliação da cobertura territorial.
Valor: Quando será feita a primeira divulgação?
Wasmália: É isso que estamos discutindo, como é que nós incorporaremos. A princípio, temos uma ideia que será discutida com o conselho do IPCA, que é um conselho de notáveis da área de preços, que acompanha os aperfeiçoamentos no índice. Vamos discutir no próximo semestre justamente a oportunidade de divulgar essas informações.
Valor: A sra. falou que o conselho é composto de notáveis…
Wasmália: Da área de preços. Em geral, ex-presidentes do Banco Central ou professores universitários, que têm relação com o índice. Estamos recompondo o conselho e vamos fazer a primeira reunião no começo do próximo ano. A nossa proposta é, na medida em que formos avançando, incorporarmos a capital ou região metropolitana de cada capital [nova] ao índice, que está correntemente sendo divulgado. Em algum momento, ele se transformará em nacional. Mas anunciaremos tudo com bastante antecedência e, agora, com dia e hora. Isso nós aprendemos. O mercado hoje tem essa exigência.
Valor: A sra. se refere à divulgação dos novos pesos do IPCA?
Wasmália: Sim. O nosso procedimento era divulgar a mudança metodológica com pelo menos um mês de antecedência. Percebemos que o mercado fica cada vez mais competitivo com as informações que são produzidas a partir dos dados do IBGE e deseja que essa divulgação seja feita com dia e hora, como fazemos com os outros produtos.
Valor: Foi levantada a suspeita que poderia ter havido algum tipo de manipulação para que o índice passasse a dar resultado mais favorável à política de metas de inflação.
Wasmália: Falou-se isso claramente. O que nós no IBGE respondemos com toda clareza é que o IBGE não é passível de interferência. O nosso trabalho é um trabalho de equipe, temos vários procedimentos, que são sucessivamente aplicados e que garantem a qualidade, a robustez, a certeza de que os procedimentos técnicos e os conceitos que foram definidos estão sendo de fato utilizados. Quando o número final é gerado, há uma certa quantidade de técnicos que detém esse conhecimento. É preciso uma enorme conspiração para que se possa fazer algo assim. Já houve no passado tentativa de se fazer isso [manipular os dados] e os próprios técnicos anunciaram que houve pressão e a pressão não se concretizou [no governo João Figueiredo]. A ideia era enxugar a lista de produtos que faziam parte do índice de inflação. O que os técnicos diziam era: “Tudo bem, nós enxugamos, mas divulgamos esse indicador [expurgado] e divulgamos também o outro, porque o outro é que tem construção técnica”. Houve um conflito bastante grande e acabou não ocorrendo absolutamente nada.
Valor: Vamos falar então dos vazamentos de números. Já foi apurado o que gerou os vazamentos?
Wasmália: Foram pessoas. Estávamos fazendo um aperfeiçoamento no banco de dados do IRSS, que é a tecnologia que dispara torpedos com os títulos dos releases [notas oficiais distribuídas à imprensa], e, infelizmente, na hora que se conectou o banco de dados, deixou-se uma janela aberta. Essa janela era onde, no fim do dia, postávamos os releases a serem divulgados às 9h da manhã seguinte. Algumas pessoas entraram e tiveram acesso aos dados. Foram algumas mesmo, o que não diminui a gravidade dos fatos. A outra coisa é que, normalmente, esses números eram postados depois das 18h e os mercados já estavam fechados. Isso minimizou os prejuízos.
Valor: Foi necessário algum tipo de punição?
Wasmália: Não foi necessário, porque a pessoa que fez seguiu os procedimentos. O que identificamos é que precisamos ter uma espécie de rechecagem, porque as falhas humanas ocorrem independentemente de negligência intencional. Seria muito fácil para o IBGE sair a público e dizer: “Vou punir, vou mandar embora o fulano que errou”. É muito mais difícil dizermos não, nós temos que aperfeiçoar. Temos é que investir em controles, para que não ocorra.
Valor: Foi totalmente descartada a hipótese de má intenção?
Wasmália: Foi.
Valor: Como foi possível chegar a essa conclusão?
Wasmália: O próprio mercado teria gritado, se tivesse. O mercado nos disse que não houve manifestação estranha. Esses acessos ocorreram fora do horário de abertura dos mercados. E do ponto de vista do funcionário do IBGE, ele tem acesso ao dado. Seria muito tortuoso como caminho. Seria melhor não chamar atenção.
Valor: Voltando aos novos projetos, o que mais está em gestação, além da Pnad Contínua e do IPCA nacional?
Wasmália: A Pnad Contínua faz parte do que chamamos de Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares, que está sendo implantado a partir da Pnad Contínua. A ideia é que esse sistema tenha dois núcleos básicos: um é a Pnad Contínua e o outro é um esquema de Pesquisas de Orçamentos Familiares (POFs) simplificadas. Como assim? É fazer uma POF completa a cada cinco anos, como é o esquema hoje, e uma POF simplificada nos anos intermediários, ter uma medida anual do consumo. Por quê? Primeiro, porque o consumo tem um peso enorme nas contas nacionais. Depois, com a POF simplificada, as grandes categorias de produtos que compõem a estrutura de ponderação do IPCA podem ser acompanhadas mais de perto na sua evolução. Por exemplo, voltando à questão dos pesos do IPCA, todo mundo falou: “Como é que está hoje? a POF foi em 2008/2009…” Se tivéssemos a POF contínua, poderíamos responder.
Valor: Quer dizer, até essas adequações podem ser muito mais ágeis…
Wasmália: Exatamente. Você pode ter mais informações. E tem indicações assim. Em cinco anos pode não acontecer nada com a estrutura de consumo, e às vezes, em dois anos, a estrutura pode mudar completamente com a introdução de novos produtos.
Valor: Seria algo como a contagem da população entre os censos. Teremos novamente a contagem?
Wasmália: Sim, no meio da década. Não podemos abrir mão da contagem, porque, para sair um pouquinho da área conjuntural, o país não dispõe de registros administrativos suficientemente estruturados para que possamos abrir mão de uma contagem no meio da década. Os municípios detêm, como atribuição constitucional, vários temas fundamentais para as condições de vida da população. E as informações uniformes para todo mundo que eles dispõem são de dez em dez anos. E mesmo considerando a contagem, que é de cinco em cinco anos, ainda é muito tempo. A distribuição das populações dos municípios brasileiros é um grande desafio para o instituto de estatística oficial.
Valor: Isso é fundamental para a receita desses municípios…
Wasmália: É fundamental para a receita e para a própria gestão. Não só temos planejada a contagem a ser realizada em 2015, como estamos trabalhando no projeto que chamamos de Censo Contínuo. O que é isso? O Censo Contínuo foi implementado na França, eles demoraram 20 anos, mas conseguiram implementar, inclusive em substituição ao Censo tradicional. Nos Estados Unidos, ele está em implementação para substituir o questionário completo, porque os Estados Unidos têm um sistema parecido com o nosso, com um questionário completo e um simplificado. O projeto tem um ciclo de produção de cinco anos e a cada ano você visita 20% do território, mas usa amostragem, e não indo a todos os domicílios daquela parte do território. Depois de cinco anos, você percorreu todo o território. A partir do sexto ano, você começa a prover resultados anuais que correspondem à acumulação daqueles cinco anos. Ele estará sempre com defasagem de dois anos, mas você dispõe de informações anuais. Temos hoje quatro municípios nos quais estamos colhendo informações desde 2008 para fazer os testes do modelo. A ideia é que em 2013 possamos, com a conclusão da coleta, fazer a análise dos resultados e depois montar fóruns para discussão desse projeto.
Valor: Isso deve ser algo para a década de 20?
Wasmália: Exatamente, mas que mesmo sendo para a década de 20, os investimentos têm que começar agora.
Valor: O Censo Agropecuário e o Econômico deixaram de existir?
Wasmália: Há alternativas ao Censo de População, mas não ao Censo Agropecuário. Nossa agricultura tem cerca de 5 milhões de estabelecimentos, dos quais a grande maioria é informal, é familiar, não tem registro. Ainda necessitamos dos censos agropecuários.
Valor: Quando será o próximo?
Wasmália: Estamos negociando para que seja em 2016.
Valor: O IBGE sempre lutou contra três problemas: carência de pessoal, carência de recursos e baixa remuneração do seu corpo técnico. Isso foi resolvido?
Wasmália: Diria que salário é sempre uma reivindicação, mas acho que estamos com um nível salarial compatível com as nossas qualificações. Óbvio que sempre se requer algum ajuste, mas esse não é um problema. Do ponto de vista orçamentário, o ministério tem sido bastante sensível às nossas reivindicações e especialmente à economicidade que isso gera. A partir do momento em que se investe em informação existe uma economicidade em várias áreas. Isso tem que ser frisado cada vez mais, o IBGE dá um retorno para a sociedade que se transforma em recursos, à medida que o planejamento sai correto, que não se está construindo escolas onde não existem crianças, que não se dá estímulos ao que não precisa ser estimulado.
Valor: Qual a previsão orçamentária para 2012?
Wasmália: Estamos com previsão de algo como R$ 180 milhões. Representa crescimento em torno de R$ 20 milhões sobre 2011.
Valor: Quantos empregados têm o IBGE?
Wasmália: São 6.700. E aí chega o nosso problema. Temos uma parcela bastante significativa que entra agora para a aposentadoria e precisamos sempre estar repondo, para que tenhamos tempo de repassar os conhecimentos dos que saem para os que estão chegando. Esse é o nosso grande desafio no momento.
Valor: O IBGE define os limites de Estados e municípios para efeito de pagamento de royalties do petróleo. Tem alguma conversa sobre redefinição desses limites? Sempre há pressões…
Wasmália: Há pressões. Esses procedimentos foram definidos em 1986, e desde 1996 vêm sendo aplicados da forma como foram definidos em 1986. Recebemos algumas reclamações de municípios insatisfeitos com a aplicação desses procedimentos e alguns deles já estão chegando na Justiça ao nível do Supremo Tribunal Federal. O que pretendemos é começar, no próximo ano, a analisar alternativas, que certamente existem, aos procedimentos adotados em 1986. Alternativas geradas pelas mudanças tecnológicas que nos permitem hoje fazer coisas que não eram factíveis em 1986. Mas isso tem que ser feito com bastante cuidado, com bastante anúncio.
Valor: As definições de 1986 são do próprio IBGE?
Wasmália: Exatamente. Nós tivemos 30 dias para definir esse limites, tornar público e adotá-los.
Valor: Em 2012 já será possível termos esses aperfeiçoamentos?
Wasmália: Acho que em 2012 vamos começar a discutir. Agora, óbvio que se tem alguém reclamando você tem que dar atenção às reclamações, mas já tivemos casos interessantes, de prefeitos que foram ao órgão estadual responsável pela definição de limites reclamar, o órgão foi lá com o GPS e o município perdeu, em vez de ganhar. Então, a resposta que vem depois [das reclamações] não necessariamente diminui os conflitos, pode até aumentar.