Em entrevista à jornalista Vera Rosa, do jornal o Estado de S Paulo, o ex-deputado José Genoino falou sobre os erros do julgamento da AP 470, do mensalão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e da cobertura midiática em torno do processo. Disse que os empréstimos para o PT não foram fictícios e foram pagos para quitar dívidas de campanha do PT. Defendeu o financiamento público de campanha e a fidelidade partidária como uma das saídas para evitar a corrupção eleitoral. Genoino disse ainda que vai trabalhar para provar a sua inocência. “Não sou da geração que se empolga com cargo, dinheiro, prestígio, vantagem. Sou da geração que ficou um ano em solitária e não perdeu a esperança. Nunca fiz uma indicação no governo. Nunca fiz emenda no Orçamento e era criticado por isso”.
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‘Nunca entreguei ninguém’, diz Genoino
O ex-presidente do PT José Genoino diz que lutará “todos os dias, semanas, meses e horas” para provar sua inocência no mensalão. Condenado por corrupção ativa, Genoino afirma que sua defesa não aponta o dedo para companheiros. “Nunca entreguei ninguém na minha vida. Nem no pau de arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo midiático.”
“Nunca entreguei ninguém na vida. Nem no pau de arara”
Cercado por livros no pequeno escritório, instalado no quarto dos fundos de sua casa, o ex-presidente do PT José Genoino diz que lutará “todos os dias, semanas, meses e horas” para provar sua inocência no processo do mensalão. Na primeira entrevista exclusiva concedida desde que foi condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Genoino afirma, porém, que sua estratégia de defesa não aponta o dedo para companheiros. “Nunca entreguei ninguém na minha vida. Nem no pau de arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo midiático”, argumenta.
Acompanhado de seu advogado, Luiz Fernando Pacheco, o ex-presidente do PT recebeu o Estado em sua casa, no Butantã, na sexta-feira. Em quase duas horas de entrevista, fumou dez cigarros, ficou com a voz embargada em alguns momentos e citou passagens do livro Memórias de um Revolucionário, com páginas marcadas em papel amarelo nas quais escreve palavras como “Verdade”, “Coragem” e “Totalitarismo”.
Ex-guerrilheiro do Araguaia e deputado federal por 24 anos, até 2010, Genoino carrega um terço nas mãos para diminuir a tensão. “Quem tem a consciência do inocente não se curva, não se dobra”, diz. Para ele, as crises na seara política não serão resolvidas pelo Judiciário. “A Justiça trabalha, muitas vezes, com o retrovisor. A política trabalha com o parabrisa.”
O sr. foi condenado por corrupção ativa pelo STF, acusado de participar de esquema para desviar recursos públicos e comprar apoio político no governo Lula. Disse que a Corte errou, mas que interesse o STF teria em condená-lo sem provas?
Eu não cuidava das finanças do PT. Dizer que eu participei de corrupção ativa é uma injustiça monumental. Em juízo, o tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri, disse que nunca participou de reunião envolvendo dinheiro. Vadão Gomes disse que ouviu falar, mas em juízo não confirmou. E o Roberto Jefferson, dependendo do dia e do local, afirmava uma coisa ou outra. No meu modo de entender é a ideia de verossimilhança. Usam-se deduções. Era possível ou impossível? O julgamento penal precisa se basear em provas concretas.
O relator do processo, Joaquim Barbosa, votou por sua condenação no crime de formação de quadrilha, mas o revisor, Ricardo Lewandowski, o absolveu. Para Barbosa, o sr. era “interlocutor político do grupo criminoso” comandado pelo então chefe da Casa Civil José Dirceu. Como o sr. responde à acusação?
Que associação ilícita? É um absurdo falar isso. Nunca tratei de dinheiro, de pagamento, de qualquer atividade criminosa. Misturar negociações políticas, articulações e alianças com crime significa criminalizar a política. Eu não aceito essa acusação de ter integrado quadrilha. O PT não é um partido de quadrilheiro, de mensaleiro. Isso é uma afronta à nossa história. O PT precisava fazer aliança ao centro para ganhar a eleição e para governar.
Na política, os fins justificam os meios?
Os métodos que construímos, a vitória do Lula e a sustentação do governo foram democráticos, transparentes e de negociação. Não tem essa de que os fins justificam os meios. Se queremos construir uma coisa grandiosa, temos de ter atitudes e meios grandiosos.
O sr. afirma que os empréstimos feitos ao PT pelo Banco Rural e pelo BMG existiram, mas tanto o STF como a Justiça Federal em Minas sustentam que essas operações eram fictícias. O sr. assinava os papéis sem ler?
A minha função na presidência do PT era política e cada secretaria tinha a sua responsabilidade. Eu assinava os empréstimos porque eram legais, necessários e foram apresentados a mim pelo tesoureiro (Delúbio Soares), que era o secretário de Finanças. Os dois empréstimos foram feitos porque o PT precisava resolver problemas financeiros imediatos. Eu os avalizei sem nunca ter feito negociação com os bancos. Registrei tudo na prestação de contas do PT, que está no Tribunal Superior Eleitoral, de 2004, 2005 e 2006. Quando deixei de ser presidente do PT, os empréstimos foram cobrados judicialmente. Eu não tinha bens. Minha conta foi bloqueada e só foi aberta porque era conta salário. Os empréstimos não são fictícios. O PT começou a pagá-los em 2007 e terminou em 2011.
José Dirceu, também condenado por corrupção, era o presidente de fato do PT quando o sr. comandava o partido?
Eu não faço comentário sobre companheiros do processo. Conheço o Zé Dirceu desde 1968, fiz muitas disputas com ele no movimento estudantil, no PT e no Parlamento.
Logo que o PT chegou ao poder o sr. disse, em entrevista ao Estado, que pelo então presidente Lula fazia tudo e nunca negaria um pedido dele. Foi isso o que aconteceu, de 2003 a 2005?
Estabeleci uma relação com o presidente Lula de muita admiração e respeito. Não é algo pessoal. É uma causa. Esse projeto que está mudando o Brasil incomoda. Eu disse naquela entrevista que o ataque era pelo êxito das mudanças que o governo Lula fazia. Não foram fáceis. Eu cheguei a ser vaiado no PT. Em Porto Alegre, eu recebi um bolo na cara como protesto.
Se o PMDB tivesse entrado no governo Lula no início da administração teria ocorrido esse varejo em busca de apoio parlamentar?
Eu sempre fui um defensor das alianças ao centro, mesmo quando era minoria. Sempre defendi a aliança com o PMDB. Não houve crime de compra de votos nem compra de deputados.
O sr. foi traído?
Na minha vida política nunca conheci essa palavra. Nem na guerrilha, nem na prisão nem no Parlamento nem no PT. Entrei no partido em 1980 e sou o número sete do diretório do Butantã. O PT é minha vida. Não existe essa palavra de desconfiança.
Se não foi traído, admite que foi omisso?
Não, eu não me omiti em defender o governo Lula. Sem aliança ampla a gente não governaria o País e o País poderia quebrar. Não me omiti, não me sinto traído nem abandonado.
A punição aplicada ao núcleo político do PT representa a condenação moral do governo Lula?
O julgamento do governo Lula foi realizado em 2006 e em 2010, quando ele elegeu a presidente Dilma sua sucessora.
O sr. foi preso político por ter militado na guerrilha do Araguaia, na ditadura militar. Agora, pode retornar à prisão sob a democracia. Isso não o abala?
As cicatrizes nos preparam melhor para enfrentar os golpes da vida. O meu estado de espírito é como se eu estivesse em 1968, no Araguaia, na prisão política, na Constituinte, nas obstruções do Congresso, na fundação do PT. Quem tem a consciência do inocente não se curva, não se dobra.
Sua vida política acabou?
(Pausa)Não. A vida política de nenhum cidadão se acaba. Eu já lutei com tribuna, com microfone, com reunião e, nos anos 70, com outros instrumentos. Eu não vivo sem política, não vivo sem ideal. Aprendi a lutar em qualquer situação. Até para quebrar a incomunicabilidade na prisão, eu e meus companheiros esvaziávamos a água do vaso sanitário. A gente chamava aquilo de telefone. Muitos culpados a história provou que eram inocentes. Vou lutar todos os dias, semanas, meses e horas para defender minha inocência.
Mas, para se defender, o sr. não precisa entregar alguns companheiros?
Nunca fiz isso na minha vida (bate com um livro na mesa). Nunca entreguei ninguém. Nem na tortura nem no pau de arara. Muito menos num processo que virou um grande espetáculo midiático, que a gente está enfrentando. Um grande amigo meu (Ozeas Duarte, ex-dirigente do PT) dizia para mim, em 2005: “Você tem que falar, você tem que falar”. E eu disse: “Eu aprendi, com 24 anos, que para eu me defender não preciso prejudicar ninguém”.
Há uma história a ser contada aí…
Qual história?
Eu é que pergunto. O sr. disse que não se defende prejudicando os outros. Está protegendo alguém?
Não. A história que tem que ser contada, e a gente tem que ter paciência, é porque a verdade sempre prevalecerá. O que há de terrível e belo é que, quando procuramos a verdade, dizia um ensaísta francês, nós a encontramos. É do livro Memórias de um Revolucionário(1901-1941), de Victor Serge. Não sou da geração que se empolga com cargo, dinheiro, prestígio, vantagem. Sou da geração que ficou um ano em solitária e não perdeu a esperança. Nunca fiz uma indicação no governo. Nunca fiz emenda no Orçamento e era criticado por isso.
O PT precisa fazer uma autocrítica de suas práticas depois das eleições?
Se há uma questão a ser colocada na pauta pelo PT é uma reforma política profunda, com base no financiamento público de campanha e na fidelidade partidária. Não se trata de acerto de contas.
Isso resolve?
Problemas sempre vão existir, mas a crise da política tem que ser resolvida pela política. Não é pelo Judiciário. A Justiça trabalha, muitas vezes, com o retrovisor. A política trabalha com parabrisa.
Por que o sr. diz que a Justiça trabalha com o retrovisor?
Ela trabalha com fatos acontecidos. A política é para o futuro. Será que existiria esse bichinho aqui (aponta para a Constituição de 1988, na prateleira) sem quebra-pau, sem briga?
O candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, disse que as condenações no partido representam uma depuração na política.
Não seria essa a autocrítica?
A missão do Haddad é vencer a eleição. E vai vencer. Ponto.
É verdade que o seu pai perguntou ao sr. por que Lula fazia muito pelo Brasil, mas nao o ajudava?
Meu pai, Sebastião Genuíno Guimarães, vai fazer 90 anos em novembro. Vive com uma pensão do INSS, mora na mesma casa em que eu nasci. Ele disse para mim: “Você é o filho mais velho e ia ser o doutor da família. A política o tirou da universidade. Você queria sair da roça para estudar e voltou para a roça para fazer guerrilha. Virou deputado famoso por São Paulo e não ficou rico. O Lula está melhorando a nossa vida, mas e isso que está acontecendo com você? E o destino?”. Aí eu disse: “É, pai, é o destino da luta”. Ele ficou calado.
O sr. defende controle do Judiciário?
A Emenda Constitucional n.° 96, que estabeleceu o controle externo através do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público é de minha autoria. O Judiciário é um poder autônomo, que a gente respeita e tem independência em relação a governos, partidos, mídia e opinião pública. A atividade jurisdicional não pode ser controlada. Agora, há uma coincidência matemática do julgamento com as eleições. Mesmo sendo obrigado a cumprir (a sentença), tenho o direito de discutir qualquer decisão do Judiciário.
No dia da votação, o sr. disse que a ditadura, hoje, é a da caneta e que jornalistas são abutres que torturam a alma. O sr. quer controlar a mídia?
Eu defendi na Constituinte a plena liberdade da imprensa e ajudei a aprovar a Lei de Acesso à Informação. O meu desabafo ocorreu porque um jornalista me seguiu até a cabine, colocou um gravador na minha boca e começou a fazer perguntas em voz alta, me provocando.
A carta de sua filha, Miruna, dizendo que sua família entra agora num período de incertezas, o emocionou?
Muito (fica com a voz embargada).Eu disse para meus filhos o seguinte: “O pai de vocês não tem riqueza, mas tem honra e dignidade e vocês jamais terão vergonha dele. Diante da humilhação e da servidão, o pai de vocês prefere o risco do combate”.