Na mídia: “se a guerra fiscal não tiver um fim, País ficará caótico”, diz Delcídio

 

Na entrevista, o senador fala da complexidade
tributária brasileira, que, segundo ele, trava as
empresas do País e os investimentos

Alerta é do senador Delcídio Amaral (PT/MS), autor da Resolução nº 1, que será votada nesta semana na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que propõe a unificação da alíquota interestadual do ICMS.

“Se eu fosse presidente algum dia, criaria o ministério do ‘desenrolation'”

A afirmação do senador se refere à complexidade tributária brasileira, que trava as empresas do país e os investimentos. Segundo ele, a reforma busca colocar um ponto final no pesadelo da guerra fiscal.

A semana econômica será marcada pela votação, na Comissão de Assuntos Econômicos, da Resolução nº 1, do Senado Federal, que propõe a unificação da alíquota interestadual do ICMS. Caso aprovada, a medida porá fim a uma guerra histórica, a guerra fiscal, com a qual várias reformas tributárias tentaram acabar, mas fracassaram.

Senador pelo PT no Mato Grosso do Sul, presidente da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) no Senado e relator do projeto que unifica as alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), Delcídio do Amaral relata, nesta entrevista, como chegou ao parecer final sobre o texto de redução e unificação do tributo, após ouvir secretários de Fazenda de todos os estados brasileiros. “A proposta que estamos apresentando é a proposta do possível”, diz ao vislumbrar um país caótico caso a reforma do ICMS não vingue desta vez.

Sobre o julgamento do mensalão, ele diz esperar que a fase de embargos “leve os ministros a reavaliarem alguns pontos” do processo. E ainda que acompanha com sofrimento o processo, iniciado sob seu comando, e que está levando à condenação seus companheiros. “Foram 11 meses muito difíceis para mim. Procurei adotar um comportamento de isenção e de equilíbrio. A CPI pegou tanto partidos da base do governo como também de oposição.”

Engenheiro, o senador conhece a fundo os principais gargalos da infraestrutura que impedem a economia brasileira de deslanchar. “Se eu fosse presidente algum dia, criaria o ministério do desenrolation. O ministério que iria facilitar a vida das pessoas. O Brasil é muito complicado. O Brasil é muito travado”, opina.

Em sua avaliação, a antecipação do debate eleitoral pode prejudicar os projetos de investimento em vias de acontecer no Brasil, especialmente as ferrovias, maior interesse de seu estado, o Mato Grosso do Sul, produtor de alimentos, de etanol e rota para escoamento de mercadorias tanto internamente quanto para países de fronteira com o Brasil. “O estado é vocacionado para ferrovias”, diz ele. Candidato ao governo do MS nas próximas eleições, Delcídio tem trabalhado para tirar do papel projetos de ferrovias que cortam seu estado. Na sexta-feira visitou o ministro dos Transportes, Cesar Borges, para tratar da Ferrovia Norte-Sul e do sucateado trecho explorado pela América Latina Logística (ALL), em Corumbá/ Três Lagoas e Campo Grande/Maracaju.

Concluída a empreitada para a reforma do ICMS, o senador disse, na entrevista, que pretende reapresentar o polêmico projeto da repatriação de divisas, apresentado inicialmente em 2008 e que está parado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE). O projeto oferece benefícios para pessoas que enviaram dinheiro para paraísos fiscais, para que tragam de volta os recursos para o país. “É uma discussão muito hipócrita. Claro que pode ter dinheiro de lavagem. Mas existem mecanismos muito fortes para separar o que é dinheiro bom do que é dinheiro sujo”, defendeu.

Edla Lula, de Brasília
Jornal Brasil Econômico

Quando apresentou o seu parecer sobre o Projeto de Resolução nº 1, que unifica a alíquota do ICMS, o senhor disse que foi convencido pelos estados menos desenvolvidos a manter duas alíquotas em produtos que saiam de suas regiões para o Sul e Sudeste. Que argumento foi capaz de convencê-lo?

Os representantes dos estados do Norte, Nordeste e Centro- Oeste foram muito convincentes. Estes 7%, que são só para a indústria, de alguma maneira representamum diferencial da logística que esses centros produtores de alimentos têm dos estados mais ricos, onde estão os grandes consumidores e os portos para exportar, por exemplo. Esses 7% dão as condições necessárias para os governadores incentivarem novos projetos, diminuindo as desigualdades regionais, gerando emprego e qualificando mão de obra.

Representantes do comércio atacadista dessas regiões reivindicam a manutenção de duas alíquotas também para o setor. É possível?

Eles me procuraram e devem apresentar emenda. Mas na discussão com os estados houve um consenso em relação ao comércio, que vai mesmo caminhar para 4%. Esses 7% da indústria vão representar apenas 5% das transações, o que é razoável. Essa é uma negociação difícil. Quando se abre de um lado, destampa a panela do outro. A proposta que estamos apresentando é a proposta do possível. Temos que fazer um esforço muito grande para chegar num texto que seja bom para o Brasil, procurando mitigar consequências negativas para os estados.

Outra emenda que deve ser apresentada pede o fim das exceções para a Zona Franca de Manaus e para o Mato Grosso do Sul, ou pelo menos a redução da alíquota de 12% para 7%. O senhor vai acolher essa sugestão?

Não. Minha tendência é manter essas duas excepcionalidades. Primeiro, o gás natural do Mato Grosso do Sul não tem nenhuma implicação do ponto de vista federativo. Depois, o estado do Amazonas tem uma modelagem econômica completamente diferente dos demais. Optouse por uma Zona Franca e se optou pela sustentabilidade, pelo meio ambiente, pela conservação. Temos que cuidar disso.

Nessa discussão, que vocês chamam de reforma fatiada, existem vários projetos entrelaçados, um dependendo do outro. Para aprovar a unificação de alíquotas, os parlamentares querem mudanças na MP 599, que cria os fundos para compensar as perdas com as alterações no ICMS. É possível atendê-los?

É possível. Acho que há espaço para flexibilizar e aperfeiçoar o fundo de compensação. Ao invés de aprovar em forma de MP, vamos aprovar por Lei Complementar, o que é uma proposta muito desejada e aceita pelos governadores, que querem mais segurança no sentido de serem ressarcidos dessa redução gradual das alíquotas. Há muitos aperfeiçoamentos pela frente, que devem melhorar ainda mais o projeto.

Os estados também colocam na mesa os projetos de renegociação das suas dívidas…

Sim. Os projetos em discussão criam as condições necessárias para o governo federal negociar com cada estado. No caso do Rio, dependendo do julgamento do STF, pode fazer compensações nos royalties. Tem também o comércio eletrônico, que está no bojo de todos esses projetos. No caso do MS, nós faturaríamos, só de receita com comércio eletrônico, R$ 80 milhões por ano. O comércio eletrônico hoje gira em torno de R$ 18 bilhões no Brasil e cresce a 20% por ano. Muita gente nessa discussão de ICMS só fala em perda, mas não fala no ganho futuro. Quem briga hoje para ter uma transição longa para chegar a 4%, quando perceber o giro da economia, vai querer antecipar a transição.

Tem gente também apostando que a discussão do ICMS não vai passar no Congresso. O que o senhor acha?

É do jogo. Vamos ver. A reforma tributária busca colocar um ponto final nesse pesadelo chamado guerra fiscal. O ICMS representa 70% desta reforma. E há um componente nesta discussão que é mortal para os estados. Não é uma discussão só de ICMS ou de quem ganha e quem perde.O pano de fundo é a convalidação dos benefícios que foram considerados inconstitucionais pelo STF. Se a convalidação não for resolvida, o supremo aprova a súmula vinculante. Derruba tudo. Todo mundo perde. A guerra fiscal continua – se e é que vai sobrar alguém para lutar por alguma coisa. E você inviabiliza a federação.

E os investimentos vão embora, não é?

Exatamente. Pense numa empresa que opera em vários estados. A vida que ela leva em cada estado tem uma realidade tributária diferente. Isso é uma coisa de louco. Vivemos hoje uma babel tributária. Todas as outras tentativas de fazer uma reforma tributária ampla fracassaram. Por isso, se a gente conseguir aprovar a unificação da alíquota — mesmo deixando os 7% — será um grande avanço para a Federação.

O senhor presidiu a subcomissão que tratou da regulação dos marcos regulatórios, em 2007. Como vê hoje toda essa discussão em torno da insegurança regulatória, com investidores reticentes quanto aos projetos de infraestrutura apresentados pelo governo?

Este é o maior desafio do Brasil: ter marcos regulatórios confiáveis e segurança jurídica. Temos que tomar muito cuidado para não mexer nas regras vigentes, porque a insegurança afugenta o investidor. Temos que cumprir contrato, honrar contrato.

Mas o governo do seu partido tem mexido, como no caso dos contratos de energia. Isso não deixou investidor com o pé atrás?

Na verdade a renovação viria. As concessões estavamcaducando e o governo encontrou uma maneira de refletir a caducidade na redução tarifária. No mérito esta medida é importante. Vai trazer desdobramentos importantes sob o ponto de vista de competitividade. Talvez o governo tenha errado na operação. Agora, vejo com preocupação, por exemplo, a resolução numero 3 do Conselho Nacional de Política Energética, que jogou metade da conta dos despachos das termelétricas para as geradoras. Isso é uma quebra nas regras do jogo. Não é nada bom para o Brasil.

Qual a solução para impedir de vez a quebra de contratos? A gente precisa facilitar a vida de quem quer investir, eliminar óbices e garantir segurança jurídica. Se eu fosse presidente algum dia, criaria o ministério do desenrolation. O ministério que iria facilitar a vida das pessoas. O Brasil é muito complicado. O Brasil é muito travado. A simplicidade é que vai fazer o país mudar.

E como ficariam as questões ambientais, por exemplo, sobre as quais é preciso tempo para apresentar a licença?

O meio ambiente cumpre o seu papel. Mas o país é burocrático demais. Precisaria de uma reforma forte, que desse celeridade às decisões e à tramitação de projetos, ou seja, que tivéssemos mais velocidade e menos tempo perdido para colocar em pé uma ideia.

Uma ideia necessária para o seu estado é um projeto de logística sério. Quando o senhor acha que vai ser possível acabar com o caos que o país vive hoje?

Mato Grosso do Sul é um estado que tem um potencial extraordinário. Primeiro é um grande produtor de alimentos, é o quarto maior produtor de etanol e vai ser o segundo. Mas, infelizmente, temos dificuldade para escoar produção. O estado é vocacionado para ferrovias para escoar a produção de soja, milho, etanol, papel, celulose, minério de ferro, manganês… Um dos maiores projetos que o governo Dilma Rousseff criou foi o plano de logística integrada e a criação da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). Todo governo falou de integração de modais, mas na verdade isso nunca aconteceu. A EPL está nas mãos de um excelente técnico, o Bernardo Figueiredo. Tenho certeza de que ele vai resolver a logística no Brasil. Vai otimizar estes vários modais: aeroportuários, portuários, ferrovias, rodovias.

Por falar em governo Dilma, o debate eleitoral pode atrapalhar esse processo?

A Dilma é muito determinada. Mas essa antecipação do processo eleitoral prejudica. É inegável. O Brasil precisa de investimentos, precisa vencer o seu maior desafio, que é a infraestrutura. Permear isso com disputa política é ruim. Todas as ações e os posicionamentos são encarados dentro de um viés político. A sociedade é que perde com isso.

No Mato Grosso do Sul também esse debate já começou e o senhor é um forte concorrente…

Sou muito atuante. Ando muito no estado, procuro prestar um bom serviço às prefeituras. Não coloco divergências políticas e ideológicas na frente daquilo que é interesse do cidadão. Por esse motivo as pessoas compreendem bem o jeito de eu fazer política e como eu exerço meumandato. Por isso as pessoas me enxergamcomo potencial candidato a governo do estado.

E o senhor é, não é?

Tenho que passar na convenção. Mas vou colocar o meu nome pelo PT.

E no Brasil, como encara a concorrência com o PSB, aliado histórico do PT?

Eduardo Campos colocou a candidatura de maneira muito incisiva e nós temos que nos preparar para esta disputa. O PSB foi sempre da base do governo. O governo do presidente Lula e da própria Dilma sempre olharam Pernambuco com muita atenção. Os bons resultados já se refletem no que hoje é Pernambuco. Veja o porto de Suape, a refinaria, o estaleiro. São projetos importantes para Pernambuco. O governo federal trabalhou por isso.

O STF publica hoje o acórdão do julgamento do mensalão. Quando o senhor presidiu a CPI que tratou do assunto, a CPI dos Correios, imaginou que chegaria à condenação de companheiros seus?

Foram 11 meses muito difíceis para mim. Procurei adotar um comportamento de isenção e de equilíbrio. A CPI pegou tanto partidos da base do governo como também de oposição. Fui coerente quando me indicaram candidato. Falei ao presidente Lula e também aos meus pares que iria trabalhar respeitando regimento, as pessoas e mais do que nunca tentar equilíbrio na condução de todo o trabalho. Tivemos uma crise política, mas o Brasil não parou. Foi o ponto mais importante. O país andou. O Brasil continuou crescendo, os investimentos não caíram, as pessoas continuaram confiantes no governo. As pessoas tanto compreenderam o resultado desse trabalho que foi desenvolvido, que o presidente Lula foi reeleito com grande credibilidade. O governo compreendeu bem aquele momento. O partido compreendeu. Agora o julgamento fica por conta do STF.

É sofrido ver companheiros sendo julgados e condenados ao final de um processo iniciado sob seu comando?

Sem dúvida nenhuma. É muito sofrido. Sou cristão, católico, jesuíta. Essas coisas são muito difíceis para mim.

Quando o relator Joaquim Barbosa apresentou seu parecer, o senhor postou no twitter que haveria sequelas. Como o senhor avalia o processo no STF?

Não posso falar de outro Poder. A população vai fazer o seu julgamento. Espero que esta fase que se inicia agora, dos embargos, leve os ministros a reavaliarem alguns pontos. Quando coloquei aquele post, antevia que talvez ficasse alguma sequela no próprio STF. Pelo que se tem visto, isto ficou materializado. Os fatos comprovaram isso.

Um dos projetos de sua autoria, que surgiram a partir da CPI dos Correios, foi o da repatriação de divisas, apresentado em 2008. Foi engavetado?

Não. Inclusive estou aperfeiçoando para reapresentar na Comissão de Assuntos Econômicos em breve. Fizemos um estudo bem aprofundado, e acho que hoje é um momento propício, porque a situação lá fora permite repatriar o dinheiro. As aplicações são diminutas, em muitas situações os juros estão negativos. O Brasil precisa desse dinheiro novo. Este projeto ficou parado porque era polêmico, fomos acusados de querer trazer para cá dinheiro do crime, de lavagem. Muita gente nem leu o projeto e ficou na base do não li e não gostei. É uma discussão muito hipócrita. Claro que pode ter dinheiro de lavagem. Mas existem mecanismos muito fortes para separar o que é dinheiro bom do que é dinheiro sujo. Quando presidi a CPI dos Correios, percebi claramente que muita gente colocou dinheiro lá fora para fugir de políticas econômicas que traziam insegurança jurídica, hipervalorização do câmbio, processo inflacionário inadministráveis, tributos excessivos. Mas foi dinheiro honesto, fruto de trabalho, de produção.

Quanto o senhor avalia que exista fora do país e que pode ser internalizado?

Por baixo, US$ 100 bilhões. Mas há estudos que apontam para muito mais. É muito dinheiro que pode entrar como boas receitas para o governo. O objetivo maior desse projeto é trazer cidadania fiscal. Há vários instrumentos para isso, como bancos atuando como agentes fiduciários, a responsabilização de instituições financeiras na internalização dos recursos, investimentos em fundos que vão ser utilizados em infraestrutura. Várias possibilidades que vão ajudar a melhorar o Brasil.

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