Todo mundo quer falar com Dilma, menos Obama
Washington parece aprisionada em uma outra era — um país Latino-Americano serve de modelo está além de sua compreensão
A segunda pessoa mais importante do Hemisfério Ocidental chegou a Washington na segunda-feira (09/04). Mas o número 1 desse mesmo hemisfério passou a maior parte do dia distribuindo ovos de páscoa na Casa Branca.
Dilma Rousseff, a presidenta brasileira, lidera uma economia maior que a britânica, comanda um oceano de petróleo e tem uma aprovação de 77%– com a qual seu homólogo americano pode apenas sonhar.
Todo mundo, menos Barack Obama queria ver Dilma esta semana. Ela chegou festejada por meia dúzia de editoriais assinados por intelectuais e acadêmicos, todos eles exaltando sua condução da economia brasileira e implorando a Washington para levá-la a sério. As presidentes de Harvard e do MIT (ambas mulheres, com tudo que isso significa) a convidaram para ir a Boston. E até a Câmara Americana de Comércio estendeu as bandeirolas — certamente a primeira vez que esse grupo de grandes tubarões dos negócios ficou a tão excitado para reunir-se com uma ex-guerilheira marxista. Só Obama deu de ombros.
Os dois presidentes tiveram um breve encontro e deram uma ainda mais breve coletiva conjunta de imprensa, durante a qual jamais se olharam nos olhos. Praticamente o único impulso aos laços bilaterais resultante da conversa foi um acordo para promover a importação da cachaça — notícia maravilhosa para bebedores de caipirinha, claro, mas não necessariamente um acordo de importância histórica.
O presidente americano sequer se deu ao trabalho das pompas de uma visita de Estado. Mal dedicou a Dilma um par de horas a Dilma. “Obama poderia tê-la convidado para jantar”, lamentou um membro da delegação brasileira. “Ou tê-la levado ao Kennedy Center.”
Os dirigentes da Índia e da China ganham pompa e circunstância quando vêm a Washington. Dão tanta importância a Vladimir Putin que Sarah Palin monitora a Rússia direto de seu lar. O Brasil é o integrante do Brics que não ganha demonstrações de respeito, mesmo em 2012. Ainda falamos do país como um caso perdido. Entretanto, de todas as grandes economias emergentes — uma expressão ridícula, agora que eles efetivamente já emergiram, enquanto a os EUA e a Europa parecem recuar rumo à insignificância — o Brasil é o país que representa a menor ameaça geopolítica e oferece as maiores vantagens, como todos os grandes empresários salivantes já sabem.
Então, por que Obama, que já demonstrou seus talentos de dançarino de Salsa, recusou-se a praticar alguns passos de Samba? É tentador imaginar que, num ano eleitoral, a Casa Branca tenha relutado em dar visibilidade a uma economia muito mais bem sucedida que a americana, onde o expressivo crescimento e a redução da desigualdade caminham de mãos dadas.
Mas eu temo que a verdadeira razão seja mais simples: é assim que Washington lida com as coisas. Nas aulas de História, a primeira coisa que aprendemos sobre a política externa dos EUA é a Doutrina Monroe—bicentenário princípio segundo o qual a America Latina é o nosso quintal. Lá, fazemos o que queremos e mandamos o resto do mundo ficar bem longe. A idéia de que um país latino-americano possa realmente servir de modelo está além de nossa compreensão.
Agora, pela primeira vez, uma segunda potência está ascendendo em nossa vizinhança. Mas entre nós, gringos, os velhos e arraigados hábitos custam a morrer.
Mais e mais, infelizmente, os EUA parecem conduzir uma “política externa à Norma Desmond”, alucinando que não envelheceu e não murchou, incapaz de aceitar que o mundo está mudando e que seu poder está em declínio.
Os eleitores parecem saber muito bem que os dias de supremacia inconteste dos EUA vieram e passaram, o que torna ainda mais deplorável que nosso governo ainda não consiga aceitar a mudança.
Isso ficou especialmente evidente esta semana, e a visita de Dilma funcionou como o revelador. Um ponto com o qual praticamente todos concordam é o fim da exigência de visto para brasileiros que visitam os EUA — apesar de que o visto não tem sido capaz de afastar as hordas lusófonas que freqüentam os shoppings de Miami (os brasileiros são responsáveis pela maioria dos dólares trazidos por turistas estrangeiros nos EUA, gastando uma média de US$ 5 mil por visitante).
Ainda assim, a Casa Branca anunciou na segunda-feira que a exigência do visto ainda permenece, e tentou festejar os “apenas” 35 dias necessários para sua obtenção pelos brasileiros.
Um projeto de lei foi apresentado para acabar com a exigência do visto e está parado no Senado americano. O principal temor é a imigração ilegal. O que mostra o quão atrasado os Estados Unidos estão: até parece que algum brasileiro iria vir pra cá, atualmente, para procurar emprego…
Jason Farago – The Guardian