Sergei Elagin/Shutterstock

Empresa TikTok foi questionado por autoridades europeias por supostamente impulsionar o candidato ultranacionalista Călin Georgescu nas eleições da Romênia, onde terminou em primeiro lugar
“Nos próximos três anos 100 mil novos milionários vão ascender na economia brasileira.Não é possível que você não vai tá lá! Não tem como, é 100 mil, não é possível que você não vai ser um deles”, diz Pablo Marçal em um trecho de uma de suas palestras publicado no canal “Preto Empreendedor”[i].Esse mesmo trecho é encontrado em outras centenas de perfis nas redes sociais, mas nenhum deles é do perfil oficial de Pablo Marçal.
No TikTok, ao buscar por Pablo Marçal é possível encontrar centenas de usuários com sua foto e seu nome, que distribuem e publicam cotidianamente “cortes” de suas falas. Sua imagem e sua mensagem passam todos os dias na tela dos brasileiros. Esses perfis não são administrados sequer pela equipe de Pablo Marçal. São replicantes dele. Pessoas comuns que buscam lucrar com a monetização das redes sociais, utilizando estratégias de marketing digital e que postam o conteúdo de Marçal porque “viraliza”, ou seja, gera engajamento e visualizações.
Durante a campanha eleitoral, os cortes das falas do Marçal, espalhados por toda a internet, foram objeto de polêmica. Marçal pagou para as pessoas postarem seu conteúdo e quanto mais visualizações as pessoas tinham em suas redes, mais elas recebiam, do Marçal e até mesmo das plataformas, por conta da monetização. Ao ser banido da rede social durante o período eleitoral por decisão judicial, perfis com nome e foto de Pablo Marçal com a boca amordaçada por uma faixa com a palavra ‘sistema’, explodiram nas redes. Os perfis contam com milhares de visualizações.
A Justiça Eleitoral não tem resposta ainda para enfrentar isso, não previu a prática e na ausência de legislação específica age por meio de resoluções que podem ser sempre questionadas, afinal, as resoluções não são leis e não têm a finalidade de inovar a ordem jurídica, elas apenas orientam partidos, candidatas e candidatos, eleitoras e eleitores sobre os procedimentos previstos na legislação eleitoral. Cabe ao Congresso Nacional se debruçar sobre o tema. Enquanto isso, a restrição do uso das redes sociais sempre resvala na acusação de representar uma censura prévia e cerceamento à liberdade de expressão. Um prato cheio para o
discurso feito reiteradas vezes por representantes da extrema-direita.
Marçal estabeleceu de vez um front de batalha contra o “sistema”. Sem apoio de nenhum político, repelido por Bolsonaro e sua tropa, sem fundo partidário, sem tempo de propaganda em rádio e TV, no fim do 1o turno, obteve espantosos
1.719.274 milhões de votos em São Paulo. Apenas 55 mil votos de diferença de Boulos (PSOL) e 82 mil votos a menos que Ricardo Nunes (MDB). Por muito pouco não foi ao 2o turno e promete voltar para disputa em 2026.
Pablo Marçal representou um racha na direita bolsonarista que não quis abraçá-lo e apoiou Nunes na campanha em São Paulo. Marçal se situa no campo da extrema-direita, se diz antiesquerdista, mas é acusado de ter apenas um projeto pessoal e de não ser um representante fiel do bolsonarismo. Para outros, no entanto, Bolsonaro se dobrou ao sistema e à burocracia no PL de Valdemar da Costa Neto, personagem carimbado da cena política, e não teria mais a disposição de ir ao embate “contra o sistema”, tal como Marçal teria liberdade para fazer por não estar comprometido com nenhum partido.
O fato é que a inelegibilidade de Bolsonaro ainda é uma questão, e seu sucessor é uma incógnita. Não permitiram que Marçal se arvorasse nessa franja. Marçal, por sua vez, disseminou discursos contra todos os oponentes, inclusive contra o próprio Bolsonaro, surfou na onda viral do conteúdo propagado pela direita “redpill” antissistema[ii] nas redes sociais, que por sua vez se viu melhor representada em um verdadeiro “outsider”, coisa que Bolsonaro nunca foi.
Nenhum político possui desempenho semelhante ao de Pablo Marçal na internet. Ao fim da disputa eleitoral, Marçal que fez alusão à campanha de Lula, difundindo o slogan “faz o M” e entrevistando Guilherme Boulos (PSOL) no Instagram, fez questão de postar em suas redes uma espécie de provocação: “acabou a eleição, sua vida mudou?” E continuou a vender seus cursos ensinando as pessoas a “mudarem de vida”.
Quem quer ser um milionário?
A notícia sobre os novos ricos espalhada por Pablo Marçal é verdadeira e é usada por ele desde 2021, quando o Estadão publicou uma matéria que afirmava que o Brasil, conforme a análise de uma consultoria britânica, deve ganhar 100 mil novos milionários até 2025. Os super-ricos, com patrimônio de mais de US$ 30 milhões, devem crescer 23% até 2025 no país e chegar a pouco mais de 6 mil pessoas, de acordo com os analistas.
Em contrapartida, estudo realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2018, mostra que o brasileiro pobre precisaria viver nove gerações para chegar à classe média. A pesquisa revelou que a mobilidade social no Brasil é uma das mais restritas do mundo, destacando-se o fato de que o país é um dos mais desiguais entre as 38 nações que participam da organização.
A chance de ser milionário parece um tanto distante nesse cenário e é exatamente aqui que Pablo Marçal e outros “mentores” encontram seu “nicho”, eles prometem ensinar ao brasileiro a enriquecer e a prosperar, principalmente por meio da internet. Uma busca no Google pelo termo “como enriquecer na internet” devolve ao menos 10 opções, como por exemplo,: ser influencer;produtor de conteúdo digital; vender cursos online, ser “afiliado digital”, uma versão atualizada do “representante comercial”, a pessoa se cadastra em um programa e divulga produtos ou serviços de uma empresa em troca de uma comissão. O próprio Google faz um alerta na pesquisa: “É possível ganhar dinheiro na internet, mas é importante ter em mente que a promessa de enriquecimento rápido é improvável.”
No Brasil há inúmeros perfis dedicados a “ensinar” as pessoas a ganharem dinheiro na internet, principalmente entre os mais jovens. Alê Ferreira, inspirado por Marçal, é um coach de 17 anos, fundador da Digital Z Academy que se apresenta como jovem empreendedor que fatura alguns milhões e que ensina a geração Z a lucrar com a internet. Recentemente, matéria do jornal o Globo[iii] de 23 de novembro, mostra como menores desdenham da educação e dizem ganhar mais do que médico vendendo curso para ser influencer e atraem outras crianças e adolescentes para um ‘trabalho’ supostamente mais rentável e sedutor.
A esperança (e necessidade) de mudar de vida mobiliza milhões de brasileiros. A presença online se tornou obrigatória,principalmente após a pandemia, não só para os que buscam se tornar influencers, mas também para pequenos comerciantes, profissionais liberais, autônomos e empreendedores que precisaram usar a internet para sobreviver e para alavancar seus negócios.
Dados da 4ª edição da pesquisa Pulso dos Pequenos Negócios, realizada pelo Sebrae em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 75% das pequenas empresas usam canais digitais para ampliar vendas[iv].Para que essas pessoas conquistem mais consumidores de seus produtos e serviços, precisam antes conquistar mais seguidores na internet. Para isso, as pessoas precisam entender do manejo das redes sociais, produzir conteúdo digital para alcançar engajamento, atrair novos clientes e fazer novas vendas.
Para ter sucesso, é importante criar uma estratégia de marketing digital e gerar tráfego para o seu site/página/perfil e para isso há milhares de cursos na internet. Inclusive cursos que ensinam a vender cursos. O apelo de ganhos rápidos com a internet é tão grande que é possível encontrar alternativas até mesmo para pessoas que não produzem conteúdo próprio ou não tem produtos próprios para vender, não tem problema, ela pode vender o conteúdo e o produto de terceiros. As pessoas passam cada vez mais a aprender a “empreender” no mercado digital, com utilização de ferramentas da inteligência artificial, venda de infoprodutos e monetização das redes sociais, mas para isso tudo elas precisam saber como fazer. Marçal é um dos que ensina.
Pablo Marçal, declarou um patrimônio de R$ 169.503.058,17 ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi a maior soma de bens declarados entre os dez candidatos à Prefeitura da capital paulista. Segundo dados da Receita Federal, Marçal está ligado a 21 empresas, entre sociedades e participações administrativas. As áreas de atuação variam entre holdings, incorporação imobiliária, consultoria empresarial, escola e até resort de férias. Somados, os capitais sociais das corporações ligadas a Marçal representam mais de R$ 194 milhões.
Isso ajuda a explicar, ao menos em parte, porque Marçal tem tantos seguidores e potencial eleitores, como as urnas atestaram em São Paulo. Afinal, quem não quer ser um milionário?
“Bico” na internet: o caminho para o empreendedorismo digital
A mensagem principal de Pablo Marçal é a prosperidade, ele é a tradução do arquétipo do vencedor. Ele sabe contar uma boa história, tem técnica, oratória e carisma. Pablo Marçal é um produto de si mesmo. Ele criou a própria plataforma para venda de seus conteúdos, segue lucrando com o mercado digital, e se tornou uma marca. Muitos desejam o seu retorno para a cena política. Ele seria capaz de fazer a “Nação prosperar”.
Com base em preceitos cristãos, técnicas de programação neurolinguística e pitadas de autoajuda e bom humor, palestras e lives motivacionais de Marçal, onde ele vende seus livros e cursos, conseguem reunir mais de 50 mil espectadores simultâneos, os seus vídeos alcançam mais de 1 milhão de visualizações e tudo isso se converte em renda para Marçal.
Nessa grande avenida de tráfego de dados e informações das redes sociais, o conteúdo postado é como um outdoor de propaganda que precisa ser muito bom para prender a atenção de quem passa. O TikTok garante que milhões de pessoas possam receber o seu conteúdo. Se você tiver ao menos 10 mil seguidores e alcançar 100 mil visualizações em 30 dias e conseguir reter a atenção das pessoas, o TikTok pode começar a te pagar por isso.
Se as pessoas ficarem no seu vídeo ao menos 3 segundos, significa que você conseguiu ter visualizações consideradas “qualificadas” e isso torna sua conta “elegível” para ser remunerada. O TikTok paga entre US$ 0,02 e US$ 0,04 a cada 1.000 visualizações. Vídeos com milhões de visualizações podem gerar um bom dinheiro, às vezes, mais do que a pessoa ganha no mês. Essa é a esperança das pessoas. Algum dinheiro é melhor que dinheiro nenhum. E é nessa hora que as pessoas começam a se dispor a aprender com os mentores, tutores, coaches e gurus da internet.
Além de diferentes cursos disponíveis para aprender a fazer todo o bê-á-bá desde o início, é possível comprar também pacotes avulsos, com conteúdos prontos, vídeos feitos para “viralizar”, com a música certa, o enquadramento ideal, o formato “perfeito”, inclusive com legendas e hashtags, é só copiar e colar. Nesse pacote de conteúdo pronto é possível encontrar todo tipo de material, como, por exemplo, drives só com “cortes do Marçal” que vão “ajudar” a pessoa a conquistar o número de seguidores e de visualizações necessários para começar a monetizar no TikTok.
É como fazer um “bico”, um “extra”, ou um “frila” na internet, pelo celular e sem sair de casa, para aqueles que não são nem os detentores da matéria-prima (o conteúdo), nem são os donos dos meios de produção (a plataforma), mas que mantém a roda girando, servindo simultaneamente como operários da engrenagem que se retroalimenta e como mercado consumidor dos infinitos produtos gerados.
Assim, em escala, se forma uma uma espécie de pirâmide digital. Os reprodutores de conteúdo são recompensados financeiramente, os criadores de conteúdo ganham mais proporcionalmente ao número maior de reprodutores, e as plataformas ficam com a maior parte.
Trafegando pelo TikTok conseguimos encontrar postagens de pessoas extremamente humildes, suplicando para que você siga e assista o vídeo até o final para que ela consiga atingir os pré-requisitos mínimos necessários para ser remunerada pelo TikTok. Em uma dessas postagens uma moça coloca a foto da cozinha em pedaços, com um fogão destruído, tijolos aparentes e um banheiro com apenas um vaso sanitário, sem revestimento, com apenas reboco, e poucos azulejos quebrado,com um cano saindo da parede sem um chuveiro elétrico e pede: “fica ai rapidinho só pra mim conseguir reformar o banheiro e a cozinha da minha mãe[v]”.
Missão de Vida
De tempos em tempos, Marçal lança novos cursos, com novos nomes: “Destravando a riqueza”, “Código do Milhão”, “Como Enriquecer segundo a Bíblia”, todos são novas roupagens de um mesmo método, que ele chama de IP, baseado em dois pilares: identidade e propósito. Identidade é definida como “reconhecer quem você realmente é, quais são seus talentos, habilidades e dons” e o propósito é definido como “descobrir sua missão na vida e entender como ela pode se conectar ao seu sucesso e realização”.
Pablo diz acreditar que, ao alinhar esses dois pilares, a pessoa poderá “desbloquear” áreas da sua vida que estavam estagnadas, criando um plano claro para conquistar o sucesso, tanto pessoal quanto profissional. No fim do 1o turno das eleições municipais de 2024, Marçal prontamente abriu seu novo curso: Programa Família Rica. O slogan era: “você não tem culpa de nascer em uma família pobre, mas tem culpa se uma família rica não vier de você”.
Pablo diz ser movido por um propósito divino,se apresenta como um exemplo de superação de adversidade e alinha discurso meritocrático à teologia da prosperidade. “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito6” é um versículo bíblico que Marçal costuma citar em suas palestras e entrevistas. Se ele conseguiu vencer, por que qualquer um também não conseguiria? Se ele pode mudar a vida das pessoas, por que não dar uma chance e elegê-lo?
Durante a campanha, Marçal disse que não era o sonho dele ser prefeito de
São Paulo e sim uma “missão de vida”[vi]. No segundo dia de 2025, o presidente do PRTB, Leonardo Avalanche, disparou um vídeo narrado por Pablo Marçal em clima de pré-campanha eleitoral para a disputa pela Presidência da República, em 2026. Na narração do vídeo, o ex-candidato à Prefeitura de São Paulo diz que a disputa de 2024 foi “só um ensaio” e se coloca como candidato para a próxima eleição.
“2026 está logo ali. Esse é um tempo de preparação, esse é um tempo do povo deixar o desânimo de lado e acreditar no Brasil”, diz Marçal no vídeo
6PABLO MARÇAL – CORRIDA À PREFEITURA SÃO PAULO – PODCAST FLOW | |
https://www.youtube.com/watch?v=1XLBE-qArtE |
compartilhado por Avalanche, que ainda acrescentou a legenda: “Teremos a oportunidade de restaurar o nosso Brasil. Faz o ‘M’”.[vii]
A elegibilidade de Marçal em 2026 ainda é uma dúvida, ele segue com diversas ações na justiça eleitoral. Representação de propaganda irregular, divulgação de informações inverídicas e notícia crime por laudo médico falsificado contra Guilherme Boulos (PSOL) são alguns dos processos que tramitam na justiça contra Marçal. Ainda sem data para ser julgada, a ação mais avançada apura suposto abuso de poder econômico em sua estratégia de compartilhamento por cortes de vídeo no Tik Tok e outras redes sociais.
O TikTok na corrida eleitoral
O TikTok foi lançado no Brasil em setembro de 2016 e se tornou uma das redes sociais mais usadas no país, com 98,6 milhões de usuários ativos em 2024. O Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial de países com mais contas na plataforma[viii], atrás da Indonésia (123,8 milhões) e dos Estados Unidos (140 milhões).
A maioria dos usuários do TikTok no Brasil tem entre 10 e 29 anos, 8 em cada 10 usuários abre o app pelo menos uma vez por dia. A rede social é popular entre adolescentes, celebridades, humoristas e empresas e foi um diferencial dos candidatos na disputa eleitoral.Nas eleições até então, o TikTok tinha adesão de eleitores, mas não era explorado pelas campanhas em si. Agora a rede de origem chinesa despontou, o conteúdo político baseado em vídeos curtos e virais foi a grande marca nas eleições de 2024.
Esta também foi a primeira disputa municipal com uso intenso do TikTok, pelos candidatos,conforme analisado pela pesquisadora Tatiana Dourado, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD) e do Democracia em Xeque[ix], a campanha municipal registrou em várias capitais o fenômeno dos “cortes”, vídeos curtos com trechos de falas impactantes, muitas vezes fora de contexto, influenciando o debate político.
O desempenho eleitoral envolvendo Marçal é paradigmático nesse sentido. De acordo com a consultoria Bites[x], no ranking das publicações que mais despertaram interações nas redes sociais, Marçal encabeça as primeiras 200. A maior de todas as publicações denunciava a cadeirada que levou de José Luiz Datena (PSDB) no debate da TV Cultura, com mais de 1 milhão de interações. No total, foram cerca de 256 milhões de interações nas redes de Marçal. O segundo da lista, Guilherme Boulos (PSOL), aparece com número bem abaixo: 11,1 milhões.
Viralização: o engajamento por meio da polêmica
A estratégia de marketing de Pablo Marçal foi inspirada em Andrew Tate, britânico-americano, ex-lutador e campeão de kickboxing, influencer extremista de direita que ganhou notoriedade e se tornou bilionário na internet ao usar das ferramentas do marketing digital e de grandes polêmicas.
Assim como Tate, Marçal vende sua história de vida: alguém que veio da pobreza, conquistou o sucesso, e sabe a “fórmula para vencer”. O conteúdo feito por Tate, que basicamente fala sobre o domínio masculino, a submissão feminina e cursos sobre como enriquecer, conquista números espantosos, com 12 bilhões de views em um só vídeo no TikTok.
Andrew Tate é um dos principais representantes da “direita redpill” (antissistema)[xi], e a partir do momento que passou a ser banido das redes em função de misoginia extremada, comentários homofóbicos, posts antivacinas, falas racistas e todo um cipoal de preconceitos, as postagens citando seu nome começaram a viralizar. As publicações, segundo noticiou o jornal britânico “The Guardian”[xii] em 2022, partiam de contas usando seu nome e foto feitas por seguidores seus que assinavam sua plataforma paga “The Real World” (O Mundo Real), em troca de incentivos financeiros a depender da propagação que conseguiam.
Os seguidores de Marçal foram incentivados a fazer o mesmo. Marçal copiou o modelo de Tate[xiii]. O usuário se cadastra em sua plataforma, aprende a fazer as publicações e passa a obter visualizações e, a depender da quantidade, passa a ser remunerado. Marçal lançou um “concurso de cortes e de premiações”, o que foi dito abertamente por ele e sua equipe nas redes. Marçal aprendeu com Andrew que não tem má publicidade na rede social, só publicidade.
O homem mais buscado
“Tem quatro mil pessoas que estão num campeonato de corte e eu pago um
dinheiro até relevante por visualizações. Eu falei, vamos fazer isso aqui, porque eu modelei um americano que fez isso e explodiu na internet”, disse Marçal numa entrevista em março deste ano ao programa “Pânico”, da Jovem Pan, em que ele
demonstra a influência de Tate.
“Comecei a pagar as primeiras competições, só que só tinha vídeo bonzinho.
Não viraliza, mas eu estava aparecendo em tudo, com pouco comentário e pouca curtida. Aí a galera começou a me perguntar: ‘Marçal, você vai pagar a gente por conta dessas visualizações de coisas negativas? O que é negativo?, falei. Aí comecei a ver, a pancadaria, né. Chamei meu time e falei, é isso aqui que tenho que pagar,
quero isso aqui, não o que estou bonzinho”.
A máxima falem bem ou falem mal, mas falem de mim, funciona muito bem para que os algoritmos mantenham seu nome em voga na internet. Em 2022, Andrew Tate foi detido na Romênia acusado de ter cometido tráfico sexual humano, estupro e formação de uma gangue criminosa para explorar sexualmente as mulheres.[xiv] Tate e seu irmão, Tristan, foram mantidos sob custódia policial até abril de 2023, antes de serem colocados em prisão domiciliar.
Tate chegou a ser banido do Facebook, Instagram, TikTok,X e Youtube. Apesar disso, continuam a circular nas redes sociais vídeos da sua participação em programas e podcasts onde Tate expressa as suas ideias. Ele tem uma base enorme de seguidores e fãs ao redor do mundo.Andrew Tate foi o nome mais buscado no Google em 2023[xv]. Foi o magnata Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), que permitiu que Andrew Tate voltasse à rede social[xvi]. Isso gerou uma onda de críticas e exigências para expulsá-lo novamente. Sem sucesso. Seu perfil na rede social e sua plataforma “The Real World” (O mundo real) continuam em pleno funcionamento. A sua homepage traz em letras garrafais o texto: “make money is a skyll”, em tradução livre: fazer dinheiro é um talento.
“Só alguém como ele pode gerar mudanças”
Curiosamente, no último dia 24/11/24, justamente na Romênia, um membro da extrema direita e fundamentalista cristão ortodoxo, que era praticamente ignorado pelo establishment político e pela mídia tradicional, terminou o primeiro turno das eleições na liderança. Nada disso havia sido captado em pesquisas. Calin Georgescu, nascido em 1962, engenheiro agrônomo, sem filiação partidária, mas ativo na cena de extrema direita da Romênia há vários anos, obteve cerca de 23% dos votos numa eleição marcada por baixo comparecimento e pulverização de candidatos.
Conforme matéria da alemã Deutsche Welle[xvii], Georgescu também não liderou uma campanha eleitoral tradicional. Além de não contar com um partido ou organização, ele mal apareceu na mídia tradicional durante a campanha. Ao final do primeiro turno, ficou claro que ele nem mesmo contava com um QG oficial de campanha, e jornalistas acabaram tendo que se concentrar em frente à sua residência.
Em vez de utilizar tradicionais ferramentas de campanha, Georgescu conseguiu turbinar sua candidatura nas últimas semanas com vídeos no TikTok, que foram compartilhados centenas de milhares de vezes. Ao final da campanha, Georgescu acumulava cerca de 3,8 milhões de curtidas no TikTok e 298.000 seguidores, enquanto seus vídeos atraíram milhões de visualizações.
No TikTok, vários vídeos de Georgescu se tornaram virais, muitas vezes produzidos com um estilo semelhante ao do influenciador Andrew Tate, mais uma vez. Georgescu foi mostrado suando numa pista de corrida, dando golpes de judô em adversários e montando um cavalo branco com roupas tradicionais romenas[xviii].
“Parece um homem íntegro, sério e patriótico. Inspira seriedade. Acho que só alguém como ele pode gerar mudanças”, disse Maria Chis[xix], uma aposentada de 70 anos, que ficou impressionada com os vídeos no TikTok de Georgescu.
Essas imagens e discursos são muito características dessa estética da direita antissistema, em que os homens seguem suas “próprias regras”, buscam o resgate de uma masculinidade-raiz, que serve para conter o avanço da pauta progressista, da chamada ‘agenda woke’, que é responsabilizada pela “derrocada dos valores”, da “falência da economia” e do “colapso da Nação”.
Esse movimento é crescente no mundo e é tracionado pelo conteúdo que viraliza nas redes sociais, justamente porque a internet deu visibilidade aos grupos que se sentem silenciados e oprimidos, e é onde a amplitude das vozes dissonantes alimenta um confronto constante, o que gera engajamento por meio da polêmica e da controvérsia.
“Homens fortes, tempos fáceis. Homens fracos, tempos difíceis”
Marçal e outros influencers de direita têm marcadores de discurso. Eles operam no sucesso, eles enaltecem a prosperidade, pregam a necessidade de serem fortes mental e fisicamente, eles são a “minoria” que está sendo desfavorecida, eles são os que enxergam o mundo real, que não fazem parte do sistema. Eles são homens, os outros são “meninos/afeminados/gays/degenerados/preguiçosos gordos/trans.
É comum encontrar nesses perfis o emprego do seguinte adágio: Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes. Esse pensamento norteia o livro do autor Edwin Louis Cole, considerado o pai do movimento do homem cristão contemporâneo. Em seu livro virutal (ebook) intitulado “Homens fortes em tempos difíceis: Praticando a verdadeira hombridade em uma época que clama por heróis”[xx].
Ed Cole, defende que “em busca de satisfação, muitos homens têm esquecido o significado de hombridade e abandonado ideais para ceder espaço a coisas imorais, ilegais, antiéticas ou irresponsáveis. Os tempos difíceis de hoje exigem que os homens superem princípios morais perigosos e devolvam a esperança, a dignidade e a ordem para um mundo desesperadamente necessitado de indivíduos dispostos a serem heróis.”
Esse pensamento fundamenta o discurso de personagens da política da extrema direita no Brasil, e pode ser visto nas falas de Pablo Marçal, Bolsonaro,Nikolas Ferreira e demais apoiadores do bolsonarismo, inclusive mulheres. Para vencer na vida é preciso uma mudança de postura. No “jogo da vida” só existem 2 possibilidades: ganhar ou perder. E todo mundo quer ser um vencedor. Jogo da Vida é o nome da famosa “mentoria” de Pablo Marçal, diga-se de passagem.
Resta para a esquerda, então, no campo do discurso, operar no outro pólo, entre os fracos, fracassados e pobres. Ou seja, entre os perdedores. Aqui estão os “coitados”, os cotistas, os que vivem de “bolsa-esmola”, a “turma do mimimi” e é por isso que “o Brasil não vai pra frente”.
O conteúdo distribuído pelo campo da direita vem com a promessa da prosperidade, a riqueza vem acompanhada por um estilo de vida e por um sistema de crenças que enaltece meritocracia, preceitos cristãos, relações tradicionais, valores conservadores e alto repúdio à pautas que sejam consideradas “progressistas” ou de “esquerda”.
No Brasil, jovens e adultos estão cada vez mais “contaminados” pelo conteúdo redpill, que são protagonizadas por influencers da extrema direita e que ocupam os espaços e os discursos das redes sociais. Isso é ainda mais relevante se considerarmos que de acordo com o Relatório Digital 2024, os brasileiros passam, em média, 9h13 por dia na internet. Soma-se a esse cenário o apelo estético proporcionado pela riqueza e poder que esses personagens exibem nas redes, o que faz com que o número de adeptos à ideias “antissistêmicas” cresça exponencialmente, principalmente entre os homens.
Para os jovens da geração Z, o Google deixa de ser a principal ferramenta de busca de informação,esse lugar passou a ser do TikTok, onde justamente o discurso de ódio se une à ideologia política de extrema direita, propagado por figuras como Andrew Tate que vendem uma fórmula para o sucesso e que imperam na rede social com milhões de seguidores.
No debate público das redes sociais, representantes da extrema direita defendem constantemente a liberdade de expressão absoluta para a manifestação de discursos de ódio, abertamente racistas, misóginos, armamentistas, homofóbicos, xenófobos. A reação dos representantes do campo progressista e da “esquerda” gera amplo engajamento, mas o resultado é que ao acusar e denunciar o discurso de ódio feito pela direita, há um efeito rebote.
O conteúdo passa a ter mobilização, os detratores se esquivam com a falsa armadura da liberdade de “opinião” e acusam a esquerda de tentar silenciar seus opositores por meio da censura, uma vez que é o campo progressista quem defende a regulação da internet e o bloqueio e o banimento de perfis e canais nas redes sociais. Perfis de esquerda passam a ser reconhecidos como integrantes de uma patrulha ideológica que está nas redes para promover o cancelamento das pessoas.
Woke que é isso?
Woke, que, em tradução literal do inglês, significa “desperto”/ “acordado”, surgiu na comunidade afroamericana e originalmente queria dizer “estar alerta para a injustiça racial e social”. O termo se ampliou e guarda nele a intenção de combater injustiças e promover maior diversidade e valorização de minorias, o que abrange negros, imigrantes, mulheres, homossexuais e trans.
“Woke” nos Estados Unidos tornou-se sinônimo de políticas liberais ou de esquerda, que defendem temas como igualdade racial e social, feminismo, o movimento LGBTQIA+, o uso de pronomes de gênero neutro, o multiculturalismo, a vacinação, o ativismo ecológico e o direito ao aborto. São políticas associadas, nos Estados Unidos, ao Partido Democrata e aos liberais. No Brasil, a agenda está associada à esquerda em geral, ao PT, PSOL e personalidades, de políticos a artistas.
Para os Republicanos e para integrantes da extrema direita, políticas woke passam a representar não só uma ameaça aos “valores da família”, mas também à própria democracia, que seria substituída por uma “tirania woke” e pelo autoritarismo[xxi], segundo Donald Trump. No Brasil, apoiadores de Bolsonaro e da extrema direita se unem a religiosos (evangélicos e católicos) e alertam para o avanço da “ideologia radical da cultura woke” que quer impor mudanças que ameaçam os preceitos cristãos.
O trumpismo tropical que é o bolsonarismo, está cotidianamente informando aos seus seguidores a importância de combater o avanço da pauta woke. Os críticos dessa pauta questionam principalmente os métodos coercitivos adotados por pessoas que eles acusam de ser “policiais da linguagem”, sobretudo em expressões e ideias consideradas misóginas, homofóbicas ou racistas. O woke se alastrou planeta afora, as buscas pelo termo na internet daqui aumentaram 1 000% nos últimos cinco anos e 267% só em 2023[xxii].
Os defensores da agenda woke são acusados de fazer patrulhamento ideológico, de defenderem a linguagem neutra e de serem intolerantes, promovendo a cultura do cancelamento, principalmente no famoso “Tribunal da Internet”, que alcançou recentemente Jojo Toddynho, funkeira, preta, periférica, gorda e que outrora, foi um ícone no universo LGBTQIA+ e que, recentemente, se declarou de direita ao postar foto ao lado de Michele Bolsonaro, esposa de Jair Bolsonaro (PL).
A polêmica tomou as redes, com acusações recentes de que ela teria se aproveitado da “luta” das minorias e de não ter “consciência de classe”. Ela, por sua vez, cobrada por suas preferências políticas e postura, decidiu retirarar a sua música “Arrasou, Viado” das plataformas digitais, afastando-se de vez do público que é considerado, em sua maioria, de esquerda.
Jojo disse recentemente que o PT teria oferecido dinheiro para ela fazer campanha nas redes sociais pró-Lula em 2022 e que ela teria se recusado. A acusação foi negada pelo Partido dos Trabalhadores. O vídeo de Jojo Toddynho viralizou ao dizer que “bolsa família” é usado por mulheres para pagar “cabelo, unha, sandália e shows” e fez críticas à política do governo, “porque o dinheiro vem do imposto dela e estão fazendo filho adoidado.”
Ela pretende se lançar na política como “preta de direita” e foi contratada por Luciano Hang, dono das lojas Havan e apoiador de bolsonaro, para fazer campanha publicitária.
Pobre de Direita
Antes do 2o turno das eleições deste ano, o sociólogo Jessé Souza, autor de livros como “Elite do Atraso” e de “O Pobre de Direita”, disse em entrevista que Boulos pagou o preço da ‘esquerda legal’, woke, que discute gênero e raça e deixou pobres na direita. Ele critica a esquerda por não conseguir se comunicar com esse
eleitorado, deixando de disputar o campo político e social nas periferias, principalmente em áreas com forte presença evangélica. Segundo ele, o bolsonarismo e, mais recentemente, figuras como Pablo Marçal, capitalizam o ressentimento, a raiva e a busca por reconhecimento social de uma massa de eleitores que antes se sentia desvalorizada.”
Além disso, o sociólogo identifica um erro na priorização das pautas identitárias pela esquerda.As pautas identitárias floresceram nas últimas décadas e ganhou força nas redes sociais, sobretudo, em 2020 após o assassinato de George
Floyd pela polícia nos Estados Unidos e com o movimento “Black Lives Matter”. Embora sejam fundamentais, ele argumenta que essas discussões não são suficientes para reconquistar os eleitores pobres, que se sentem desamparados diante da desigualdade material e da falta de políticas públicas eficazes que toquem diretamente suas vidas.
Os últimos anos foram de nítido avanço na luta contra o preconceito e a desigualdade. Em todo o mundo, a luta de minorias que historicamente foram oprimidas resultou na aprovação de leis garantindo seus direitos e punindo quem não os respeitasse, até a ala ultraconservadora passar a ganhar força e abrir um campo de batalha cultural e política com a ala mais progressista. A acentuada radicalização que se seguiu leva a embates muito intensos, nos Estados Unidos, infelizmente, têm levado ao impulso para retrocessos de direitos. Na campanha eleitoral dos EUA o debate foi marcado por essa disputa, sobretudo nas campanhas nas redes sociais e tudo indica que o mesmo ocorrerá por aqui.
A Revista Oeste, publicação de direita e pró-bolsonarista, comemorou em reportagem o abandono de políticas de diversidade, equidade e inclusão nas Universidades, na mídia e nas empresas tradicionais norte-americanas, como a rede
Walmart[xxiii]. A publicação vem na esteira da matéria da The Economist, “America is becomig less woke”[xxiv] (América está ficando menos woke) que mostra que
“opiniões e práticas woke” estão em queda de acordo com análises estatísticas. Termos como “opressão”, “privilégio branco” e “transfobia” estão em desuso pela mídia,o estudo verificou publicações em jornais de grande circulação como New York Times e Washington Post e outros.
Influência estrangeira: TikTok nos processos eleitorais
Nos Estados Unidos, Donald Trump pediu no último dia 27 de dezembro que a Suprema Corte norte-americana suspenda a lei sancionada pelo presidente Joe Biden que estabelece que a ByteDance, empresa chinesa dona do TikTok venda a plataforma para uma empresa norte-americana a partir de 19 de janeiro de 2025, um dia antes da posse presidencial. Trump solicita mais tempo para que seu governo “busque uma resolução negociada” a fim de evitar o bloqueio da plataforma, ele também manifestou apoio à continuidade do TikTok nos Estados Unidos, ressaltando o papel positivo que a plataforma teve em sua campanha eleitoral.
Em sua argumentação à Suprema Corte, o republicano avaliou que a suspensão do X no Brasil por ordem do ministro Alexandre de Moraes,entre 31 de agosto a 8 de outubro, representou censura contra críticos do governo brasileiro. Trump sugeriu que a aprovação da lei americana pode ter impactado na decisão de Moraes sobre o bloqueio da plataforma. “Talvez não por coincidência, logo após a aprovação da Lei outra grande democracia ocidental, o Brasil, fechou outra plataforma de mídia social inteira, o X (anteriormente conhecido como Twitter), por mais de um mês, aparentemente com base no desejo do governo de suprimir discursos políticos desfavorecidos”, declarou[xxv].
Por outro lado, o Departamento de Justiça dos EUA sustenta que a influência chinesa sobre o TikTok representa um risco à segurança nacional, uma visão que conta com o respaldo da maioria dos legisladores. Se a transação não for realizada até o prazo, a rede social será proibida nos EUA. A legislação foi impulsionada pela suspeita entre autoridades de que a China estaria usando a plataforma para acessar os dados de norte-americanos e vigiá-los.
Na Romênia a votação de Georgescu foi contestada pelo governo e por opositores. Segundo autoridades, documentos do Conselho de Segurança do país evidenciam uma interferência russa. O Conselho de Defesa Nacional afirmou que supostos ataques cibernéticos realizados prejudicaram a integridade do processo eleitoral. O governo também acusou a rede social TikTok de impulsionar a campanha de Georgescu, com maior alcance de algoritmo na plataforma. As divergências quanto às eleições fizeram com que o Tribunal Constitucional pedisse uma recontagem dos votos do 1º turno. A corte chegou a validar o resultado eleitoral em 2 de dezembro de 2024, porém voltou atrás e anulou o pleito.
A decisão chocante da Romênia de anular sua votação presidencial devido à suposta interferência russa acendeu um alerta acerca dos riscos de interferência estrangeira nas eleições europeias. A anulação da eleição dividiu os romenos que estão sem saber como reagir à vitória surpresa de um político de extrema direita no primeiro turno de uma eleição agora cancelada. As autoridades disseram que o candidato presidencial Călin Georgescu, que elogiou o líder russo Vladimir Putin e prometeu prender oponentes políticos, se beneficiou de uma sofisticada campanha de mídia social que só poderia ter sido orquestrada pela Rússia.
“As coisas saíram do controle. As autoridades, lideradas pelos serviços de inteligência, não sabiam o que fazer, não esperavam nada disso”, disse Sorin Ioniță, que lidera o Expert Forum, um think-tank sediado em Bucareste em entrevista ao Financial Times. O Expert Forum alertou na véspera da eleição que Georgescu havia se tornado mais popular no TikTok em dois meses do que todos os outros candidatos presidenciais durante todo o ano. Também sinalizou semelhanças com uma campanha pró-Rússia na votação presidencial da Moldávia em novembro.
“Suspeitamos que foi a Rússia porque vemos um padrão usado na Moldávia”, disse Ioniță. “A operação Georgescu TikTok não foi improvisada. Eles sabiam o que estavam fazendo, era uma equipe inteira capaz de lidar com algoritmos e agências que contratam influenciadores.” “É um sistema que pode ser facilmente explorado em outros lugares”, disse Ioniță. “O primeiro teste será a Alemanha porque os riscos são enormes e veremos que tudo o que foi tentado aqui será aplicado lá[xxvi].”
No Brasil, Pablo Marçal concentrou 78% do engajamento total no período de campanha, a despeito de ter enfrentado a derrubada de suas redes pela Justiça Eleitoral ainda em agosto. Com novos perfis, reconstruiu rapidamente a rede de atenção. O principal foi não só a cultura de cortes, mas também a estrutura toda em torno do Marçal, que fez com que ele conseguisse repercutir tudo o que pautou. A expectativa é que a campanha nada ortodoxa promovida por Marçal leve a mudanças nas regras eleitorais para 2026. Essa é a avaliação de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)28. A situação continua a gerar debates acalorados sobre a privacidade dos dados e a influência estrangeira nas plataformas digitais.
“É uma vitória do TikTok”
A cada eleição uma nova ferramenta surge como a responsável pelo desempenho de campanhas bem-sucedidas. Tudo indica que será a vez do TikTok. Ainda não se sabe como isso produzirá efeitos em 2026. Alguns já falam em retomar a pauta, cada vez mais impopular, de regulação das redes sociais, inclusive porque a monetização das plataformas são agora também uma forma de “bico” digital para os brasileiros ganharem dinheiro.
Por outro lado, figuras como o vereador Rick Azevedo, eleito pelo PSOL, se tornou conhecido justamente por viralizar no TikTok, onde o seu conteúdo tratou da sua jornada exaustiva de trabalho como balconista de farmácia. Rick ganhou notoriedade e é fundador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT).O fim da escala 6×1 ganhou grande mobilização nas redes sociais nas últimas semanas do ano.
Essa é uma pauta simples de ser entendida, que toca a vida de milhões de pessoas, e tem um valor simbólico fortíssimo e aderência. Recoloca o trabalhador na centralidade do debate e pressiona por posicionamento da direita e por posicionamento oficial do Partido dos Trabalhadores e governo. A autoria e co-autoria foi feita por parlamentares que, apesar de serem sempre identificados com a defesa da pauta identitária, rearticularam o debate público e o eixo da disputa de classes. Essa é uma luta história do PT e os projetos de lei já apresentados anos atrás por seus parlamentares são prova disso. Mas, não é nenhum parlamentar do PT que aparece na cena. Até agora.
De acordo com estudo divulgado pelo InternetLab, centro de pesquisa sobre direito e tecnologia, a respeito de influenciadores e política, jovens da América Latina[xxvii] comparam políticos muito ativos nas redes sociais a influenciadores, embora políticos de linhas ideológicas opostas se destaquem no cenário, predomina a lógica voltada a temas como empreendedorismo e individualismo, mais alinhada ao discurso da direita.
A pesquisa mapeou os influenciadores mais citados pelos jovens e identificou entre eles celebridades, nativos digitais surgidos nas redes e políticos que adotam estratégias típicas das plataformas, como a realização de lives e divulgação de memes, uso de humor e danças no TikTok. O Brasil, segundo o estudo, se destaca pela “fadiga e afastamento” dos jovens em relação à política, relacionados com a polarização vivida nos últimos anos.
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece na pesquisa em papel relevante entre influenciadores, ficando ao lado de políticos com destaque em seus países, como Javier Milei, presidente da Argentina, Bukele de El Salvador, um fenômeno transnacional conhecido por meio das redes sociais, (ambos ovacionados pelo bolsonarismo) e o ex-candidato à Presidência do Chile José Antonio Kast, todos alinhados à direita.
“É uma vitória do Tik Tok” disse o analista e historiador romeno Ion M. Ionita ao jornal Financial Times sobre o desempenho de Georgescu na Romênia. “Você não precisa de um partido. Você só precisa se tornar viral nas mídias sociais.” Foi o que o Marçal fez.
Enquanto isso, uma pergunta, carece urgentemente de resposta: por que o principal líder do país, um incontestável comunicador de massas, não viraliza? Onde estão os cortes do Lula?
Afinal, o que faz um vídeo ser viral? Segundo o TikTok, que tem uma base de 1 bilhão de usuários no mundo, não há uma fórmula milagrosa, mas algumas “dicas de ouro” podem reter mais a atenção dos usuários. “A primeira coisa é ter uma construção de narrativa que seja interessante”,conforme dito por Maíra Carvalho, diretora de operações do TikTok no Brasil[1].
Mariana Jacob é formada em Relações Internacionais, mestre em Poder Legislativo e assessora da Liderança do PT no Senado
[i] O SEGREDO PARA FICAR RICO EM TEMPO RECORDE! [REVELADO] – Pablo Marçal https://www.youtube.com/watch?v=NGpK_Iu0ho4
[ii] A DIREITA ANTISSISTEMA: O QUE NOS AGUARDA EM 2026
[iii] MENORES DESDENHAM DA EDUCAÇAO E DIZEM GANHAR MAIS DO QUE MÉDICO
VENDENDO CURSO PARA SER INFLUENCER
https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/11/23/menores-desdenham-da-educacao-e-dizem-ganha r-mais-do-que-medico-vendendo-curso-para-ser-influencer.ghtml
[iv] Cada vez mais conectadas: 75% das pequenas empresas usam canais digitais para ampliar vendas https://exame.com/negocios/cada-vez-mais-conectadas-75-das-pequenas-empresas-usam-canais-digitais-paraampliar-vendas/
[v] https://www.tiktok.com/@fofocasbrasil1/video/7423454173355805957
[vi] “NÃO É MEU SONHO SER PREFEITO, MAS É MINHA MISSÃO DE VIDA”, https://www.youtube.com/watch?v=G-KqCFYMERE
[vii] Presidente do PRTB dispara vídeo de Marçal em tom de campanha ao Planalto
https://veja.abril.com.br/coluna/maquiavel/presidente-do-prtb-dispara-video-de-marcal-em-tom-de-ca mpanha-ao-planalto/
[viii] Brasil é o terceiro país com mais usuários ativos do TikTok no mundo; veja ranking
https://www.correiodopovo.com.br/jornal-com-tecnologia/brasil-%C3%A9-o-terceiro-pa%C3%ADs-co m-mais-usu%C3%A1rios-ativos-do-tiktok-no-mundo-veja-ranking-1.1488377
[ix] DX – Projeto Hubs Regionais – TikTok nas eleições municipais de 2024 no Brasil https://www.instagram.com/institutodx/
[x] Do TikTok ao Instagram: corrida eleitoral teve ‘boom’ de cortes e impulsionamentos
https://oglobo.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/10/06/do-tiktok-ao-instagram-corrida-eleit oral-teve-boom-de-cortes-e-impulsionamentos.ghtml
[xi] A direita antissistema: o que nos aguarda em 2026 https://teoriaedebate.org.br/2024/10/25/a-direita-antissistema-o-que-nos-aguarda-em-2026/
[xii] Inside the violent, misogynistic world of TikTok’s new star, Andrew Tate https://www.theguardian.com/technology/2022/aug/06/andrew-tate-violent-misogynistic-world-of-tiktok-new-star
[xiii] Pirâmide digital de Pablo Marçal é inspirada em influencer preso.
https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2024/noticia/2024/08/28/piramide-digital-de-pablo-marcal-e-inspirada-em -influencer-preso.ghtml.
[xiv] Polícia da Romênia faz operação na casa do influencer Andrew Tate em meio a acusações de tráfico de pessoas
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2024/08/21/policia-da-romenia-faz-operacao-na-casa-de-influence r-andrew-tate-em-meio-a-acusacoes-de-trafico-de-pessoas.ghtml
[xv] A MULTIMILIONÁRIA E CONTROVERSA HISTÓRIA DE ANDREW TATE https://www.youtube.com/watch?v=567EH6kXr60
[xvi] Musk voltou a abrir-lhes a porta. De Andrew Tate a Trump, o que andam a publicar os retornados do Twitter?
https://observador.pt/especiais/musk-voltou-a-abrir-lhes-a-porta-de-andrew-tate-a-trump-o-que-andam -a-publicar-os-retornados-do-twitter/
[xvii] Turbinado pelo TikTok, extremista surpreende na Romênia
https://www.dw.com/pt-br/turbinado-pelo-tiktok-extremista-surpreende-em-elei%C3%A7%C3%A3o-presidenc ial-na-rom%C3%AAnia/a-70884144
[xviii] A Grande Mudança: O Renascimento da Nação Romena – Calin Georgescu https://www.tiktok.com/@calingeorgescuoficial/video/7453496947278712087
[xix] Candidato pró-Rússia e prefeita de pequena cidade avançam ao 2º turno na Romênia
[xx] https://www.lojadafamilia.org.br/homens-fortes-em-tempos-dificeisn
[xxi] O que é ‘woke’ e por que termo gera batalha cultural e política nos EUA https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy4y82w737do
[xxii] Onda ‘woke’ ganha força, e reproduz a intolerância que diz combater
[xxiii] O declínio da agenda woke
[xxiv] America is becoming less “woke” https://www.economist.com/briefing/2024/09/19/america-is-becoming-less-woke
[xxv] Trump cita suspensão do X no Brasil em alerta sobre censura nos EUA. https://www.poder360.com.br/poder-internacional/trump-cita-suspensao-do-x-no-brasil-em-alerta-sobre-censuranos-eua/
[xxvi] ‘Dangerous precedent’: Romania split over election rerun https://www.ft.com/content/a33c0634-63cd-4b91-a01e-45a42ead8318 28 Campanha de Pablo Marçal pode levar TSE a avaliar regras eleitorais
[xxvii] Políticos são encarados por jovens como influenciadores, com destaque na direita
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2024/12/politicos-sao-encarados-por-jovens-como-influenciadore s-com-destaque-na-direita.shtml
Mariana Jacob é formada em Relações Internacionais, mestre em Poder Legislativo e assessora da Liderança do PT no Senado