Em 30 anos de vigência da Constituição Federal de 1988, sua essência jamais deixou de estar sob ataque. Foi preciso, porém, que um governo não eleito assumisse o comando do País para que se materializasse o desmonte mais nefasto à natureza da Carta de 88. Primeiro, com a aprovação da emenda constitucional que limita os investimentos públicos durante 20 anos. Agora, com a tentativa de acabar com o direito dos brasileiros e brasileiras se aposentarem, como pretende a PEC da reforma da Previdência.
Os pilares da Constituição de 88 são as garantias de acesso universal à saúde, à educação e à proteção social— representada pelos direitos trabalhistas, previdenciários, à seguridade e assistência. São prerrogativas que nunca foram bem assimiladas pela classe dominante e setores conservadores, que as combateram duramente durante a Assembleia Constituinte e jamais se deram por vencidos, tentando revertê-los ao longo das últimas três décadas.
Debate x truculência
“A Constituinte foi um momento ímpar na história do Parlamento, de muitas conquistas para os trabalhadores, graças à mobilização e à pressão das forças progressistas e setores organizados”, recorda o senador Paulo Paim (PT-RS), que foi deputado Constituinte. Os embates com o chamado “Centrão”— bloco conservador articulado para tentar barrar os avanços no texto constitucional — foram duros, mas qualificados, ao contrário do que ocorre hoje na corrida para o retrocesso instaurada pelos aliados de Temer.
“Nesses 32 anos em que estou no Parlamento, jamais vivi um período mais difícil. Esse setor ultraconservador que golpeou a presidenta Dilma é tão atrasado e tão truculento que eu até sinto saudade do Centrão”, confessa Paim.
A senadora Lídice da Mata (PSB-BA), que também foi deputada constituinte, concorda com Paim. Ela destaca a “consciência geral” que permeava todas as forças políticas sobre a necessidade de uma intermediação, de diálogo. “Todos os setores compreendiam que estávamos escrevendo uma Constituição para todos os brasileiros, não para um lado ou outro”.
[blockquote align=”none” author=”Senador Paulo Paim (PT-RS)”]“A PEC da Morte estrangula o Brasil pela falta de investimentos públicos e haverá um desmonte em massa das políticas públicas da assistência social, que protegem os mais pobres”[/blockquote]
Criança mimada
A possibilidade de diálogo durante a Constituinte, porém, não resultou em um “consenso sincero”, no que diz respeito aos setores mais conservadores, ressaltam os dois parlamentares. A mobilização assegurou muitas conquistas na Carta de 88, mas as concessões resultantes da pressão popular jamais foram assimiladas pelas classes dominantes, que desde então bombardeiam essas vitórias buscando revertê-las.
“A elite é uma criança mimada”, resume Lídice. “Os setores conservadores nunca se deram por vencidos”. Para ela, o processo de elaboração da Constituição, possivelmente, o único momento da História brasileira recente em que a pressão popular resultou, de fato, em mudanças nas leis. “Na Constituinte, o povo venceu em todas as áreas. E nesses 30 anos, os conservadores e a elite econômica jamais aceitaram isso. ”.
Pilares ameaçados
Em 30 anos, desde sua promulgação, a Constituição brasileira já recebeu 99 emendas, algumas extremamente relevantes, como a que estendeu aos empregados domésticos os mesmos direitos trabalhistas que eram assegurados aos demais brasileiros, promulgada em 2013 e regulamentada em 2015. Sob o governo Temer— “que não foi eleito e entrou pela porta dos fundos”, como frisa Paulo Paim — foi feita a mudança mais perniciosa e mais conflitante com a essência do texto de 1988: a Emenda Constitucional 95, de 2016.
Originada na chamada “PEC da Morte”, essa emenda congelou por 20 anos todos os investimentos públicos, colocando em cheque os principais pilares de cidadania assegurados pela Carta de 88, como o direito universal ao acesso à educação e à saúde. Para Paim, essa medida “arrasa a Constituição” e acabará por destruir conquistas sociais já alcançadas. “A PEC da Morte estrangula o Brasil pela falta de investimentos públicos e haverá um desmonte em massa das políticas públicas da assistência social, que protegem os mais pobres”.
Depois da saúde e da educação, o governo oriundo do golpe tratou de mirar no terceiro pilar, a Previdência e o direito de quem trabalha uma vida inteira de ter alguns anos de tranquilidade após a labuta. A tentativa de mudar a Constituição está materializada na PEC 287 de 2016, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. “Essa reforma da Previdência é um crime contra a humanidade”, define o senador petista.
Pacto rompido
Para Paim, é urgente “unir todas as forças vivas da sociedade” para impedir mais esse retrocesso. “Precisamos eleger um Congresso decente, porque essa maioria [atual] é indecente. E temos que ter um presidente da República decente, porque esse aí é indecente”.
O senador destaca que até no campo eleitoral o pacto constitucional foi rompido, já que os golpistas não só derrubaram o mandato legítimo de Dilma Rousseff quanto insistem em impedir a candidatura de Lula. “Eles vão jogar muito pesado para eleger o pessoal deles e para impedir que o nosso pessoal se eleja. Eles têm o dinheiro e a mídia na mão, mas nós vamos fazer o bom combate”.
Ele reconhece que há uma certa apatia da sociedade para grandes manifestações de rua. “Quem defendia o impeachment se sente enganado, porque prometiam o paraíso quando Dilma caísse. Quem era contra, se sente enganado porque o outro lado não respeitou as regras do jogo. Esse desencanto dos dois lados desmobiliza”. O senador, entretanto, tem certeza de que o descontentamento amplamente majoritário dos brasileiros vai ser expresso nas urnas, na eleição desde ano.
“Há dois tipos de parlamentar: um é o que defende causas e se completa com isso. E tem aqueles que só querem o cargo pra roubar, para praticar corrupção. Esses também querem se reeleger e sabem que se votarem contra o povo na reforma podem levar o troco nas urnas. A arma do cidadão é o voto, está ao alcance da mão. O instrumento do voto pode proporcionar a grande mudança”, conclui o senador Paim.
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