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Negacionismo de Bolsonaro custou 400 mil vidas ao país

Especialistas apontam estimativa de mortes evitáveis com a adoção de medidas apontadas pela ciência para o enfrentamento da pandemia de Covid-19
Negacionismo de Bolsonaro custou 400 mil vidas ao país

Foto: Alessandro Dantas

Os dois especialistas ouvidos nesta quinta (24) pela CPI da Covid, Jurema Werneck e Pedro Hallal, foram categóricos: o Brasil figura entre os piores países do mundo no enfrentamento ao novo coronavírus, falhou na adoção de medidas de controle de transmissão do vírus, errou ao não comprar vacinas e optar pela estratégia de imunidade coletiva e, o mais grave, a maior parte das 507.240 mortes ocorridas por Covid-19 poderiam ter sido evitadas se o governo Bolsonaro não tivesse optado pelo caminho do negacionismo.

Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, apresentou estudo levando em conta o primeiro ano de pandemia no país, entre março de 2020 e março deste ano, e apontou que, se medidas como o distanciamento social tivessem sido adotadas, o potencial de transmissão do vírus teria sido 40% menor. “Se tivéssemos agido ainda no primeiro ano de pandemia, poderíamos ter salvado 120 mil vidas. A gente poderia ter salvado pessoas se uma política efetiva de controle baseada em ações não farmacológicas tivesse sido implementada”, explicou.

Já o epidemiologista Pedro Hallal fez uma avaliação ainda mais alarmante. Estudo apresentado pelo professor da Universidade Federal de Pelotas mostra que o Brasil poderia ter salvado 400 mil vidas se tivesse adotado o caminho da ciência e estivesse na média mundial.

O Brasil tem 2,7% da população mundial e, desde o começo da pandemia, pontua o professor, concentra cerca de 13% das mortes por Covid no mundo.

“No dia de ontem, uma de cada três pessoas que morreu de Covid no mundo foi no Brasil. Portanto, é possível afirmar que quatro de cada cinco mortes no Brasil estão em excesso, considerando o tamanho da nossa população”, disse Hallal. “No Brasil, desde o começo da pandemia morreram 2.345 pessoas para cada milhão de habitantes. No mundo, são 494 mortes para cada milhão. Quatro de cinco mortes teriam sido evitadas se estivéssemos na média mundial. Teríamos poupado 400 mil vidas no Brasil”, destacou.

Além disso, segundo Jurema, o Brasil teve um espaço de tempo em relação a Ásia e Europa para se preparar para a pandemia e, mesmo assim, optou por esperar o vírus chegar ao país e causar mortes sem que o nosso sistema de saúde estivesse minimamente preparado.

“A pandemia provocou, em um ano, 305 mil mortes acima do esperado no Brasil. Tem casos de Covid, mortes causadas diretamente por Covid e mortes causadas indiretamente pela presença da pandemia. Pessoas retardaram a busca por ajuda ou buscaram ajuda e o serviço [de saúde] estava sobrecarregado e não foi capaz e dar atenção necessária”, explicou.
Na avaliação de Jurema Werneck, essas “mortes evitáveis têm responsabilidades atribuíveis”. E o professor Pedro Hallal foi enfático ao atribuir ao presidente da República a responsabilidade direta por parte das mortes causadas por Covid-19 ao longo da pandemia em decorrência das ações de seu governo.

“Um pedaço dessas mortes é responsabilidade direta do presidente da República. Não é uma figura que se esconda atrás do governo federal. Quem disse que vacina transforma pessoa em jacaré foi o presidente da República, não foi o governo federal. Quem disse que não ia comprar vacina da China foi o presidente da República. Muitas vezes a gente confunde a instituição com a pessoa. Muitas manifestações que tenho visto dos senadores da base governistas, eles são capazes de defender as ações do governo federal. Mas as ações do presidente da República são indefensáveis”, disse Hallal.

Foto: Alessandro Dantas

Para o senador Humberto Costa (PT-PE), Bolsonaro é o principal responsável pelas mortes que a Covid-19 causou no país. “A grande responsabilidade por aqueles 507.240 mortos é do presidente da República. Foi ele que desdenhou das medidas sanitárias necessárias. Foi ele que sabotou as medidas de isolamento social que precisavam ser tomadas. Foi ele que desacreditou as vacinas e não comprou”, enfatizou Humberto.

Atraso na compra de vacinas também causou mortes
O atraso promovido pelo governo Bolsonaro na compra das vacinas da Pfizer e da Coronavac no ano passado resultou, segundo Pedro Hallal, em 95,5 mil mortes no Brasil.

O cálculo foi feito baseado nos depoimentos feitos à própria CPI quantificando as doses que poderiam ter sido entregues ainda no ano passado caso o governo tivesse aceitado as primeiras ofertas feitas pela Pfizer e pelo Butantan.

E, logo depois, segundo Hallal, outros pesquisadores utilizando dados mais robustos estimaram em 145 mil mortes, especificamente, pela falta de aquisição de vacinas tempestivamente pelo governo Bolsonaro.

Covid causou mais mortes entre os pobres
As desigualdades estruturais tiveram influências sobre as altas taxas de mortalidade. Dados da PNAD Covid mostram que menos de 14% da população brasileira fez testes até novembro de 2020. Dentro desse universo, pessoas com renda maior do que quatro salários-mínimos consumiram quatro vezes mais testes do que pessoas que recebem menos de meio salário-mínimo.

“E quando a gente cruza com diferentes marcadores, a gente vê que a maioria das pessoas que morreram no Brasil eram negras, indígenas, de baixa renda e baixa escolaridade”, explicou Jurema Werneck.

Censura do governo e suspeita de corrupção
Durante seu depoimento, Pedro Hallal disse que foi censurado numa coletiva de imprensa do Ministério da Saúde no Palácio do Planalto sobre os números da pandemia. Ele explicou que, na oportunidade, assessores do Ministério da Saúde retiraram o slide que apresentava dados sobre o número de infectados com base em classe e etnias. Segundo Hallal, o responsável pela coletiva era o secretário-executivo do Ministério, à época, Élcio Franco, hoje assessor especial da Casa Civil.

“Faltando 15 minutos para o início da minha apresentação, fui informado pela assessoria de comunicação de que o slide tinha sido retirado da apresentação. Logo depois, o Ministério da Saúde decidiu interromper o monitoramento por meio do Epicovid sem nenhuma justificativa técnica”, explicou.

O slide, apresentado aos senadores, mostrava estudo que apontava que as populações indígenas tinham em média cinco vezes mais riscos de infecção pela Covid-19 do que as populações brancas. E que as populações pretas tinham o dobro do risco de infecção comparadas às populações brancas.

De acordo com Hallal, o Epicovid teve seu encerramento em junho de 2020 e ele ficou sabendo do fim do estudo pela imprensa. O professor explicou aos senadores que o ex-ministro Eduardo Pazuello nunca deu uma explicação técnica para o fim da iniciativa. Apenas justificou que outros estudos seriam realizados.

“Infelizmente esses outros estudos não foram a campo, então a gente não sabe a realidade epidemiológica da Covid no Brasil”, disse Hallal.

O professor da Universidade de Pelotas ainda explicou que o Epicovid, coordenado por ele, teve financiamento do Ministério da Saúde e custou R$ 12 milhões. Recentemente, foi anunciada um levantamento semelhante, o Prevcovid, que faria o estudo apenas em capitais e regiões metropolitanas ao custo de R$ 200 milhões.

Foto: Alessandro Dantas

“Precisamos pedir informações. Isso me parece mais uma desmedida. Se faz um estudo num ano que custa 12 milhões. E um estudo semelhante no ano seguinte custando 200 milhões? Precisamos ter informações sobre essas questões”, destacou o senador Rogério Carvalho (PT-SE).

Comparativo entre mortes e votos em Bolsonaro
O professor Pedro Hallal mencionou uma correlação entre o comportamento de Bolsonaro e o número de mortes na pandemia. E essa correlação foi constatada pelo estudo publicado pelos professores Sandro Cabral, do Insper (Instituição de Ensino Superior e Pesquisas); Nobuiuki Ito, do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais); e Leandro Pongeluppe, da Universidade de Toronto, no Canadá.

No conjunto dos 5.570 municípios brasileiros, quanto maior o percentual de votos obtido pelo presidente Jair Bolsonaro em 2018, maior é a taxa de contaminação pelo coronavírus. Quanto menor a adesão que Bolsonaro teve, menos frequentes são os casos de Covid-19.

Para o senador Rogério Carvalho, o mínimo que se deveria esperar de um presidente da República era respeito com aqueles que confiaram o voto nele. Mas nem isso Bolsonaro foi capaz de fazer durante a pandemia.

“Eu fico pensando: qual a responsabilidade social de um presidente? Ele teve 57 milhões de votos, pessoas que acreditaram nele na hora de votar. Quantas pessoas continuam acreditando no que ele diz e no que ele faz? Qual o risco que isso representa na vida das pessoas? E eu quero me solidarizar com essas famílias que perderam seus entes por terem acreditado em versões que não tem embasamento [científico]”, disse o senador.

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