Neogovernistas rompem acordo para aprovar medidas que prejudicam a população

Neogovernistas rompem acordo para aprovar medidas que prejudicam a população

Na primeira sessão deliberativa após o afastamento definitivo da presidenta Dilma Rousseff a “nova maioria” — os apoiadores do golpe — aprovaram, na noite dessa quinta-feira (8), dois pilares do desmonte do Estado. A Medida Provisória 726/2016 (MP da Reforma Administrativa) extinguiu os ministérios da Previdência, do Desenvolvimento Agrário e da Ciência e Tecnologia e acabou com a autonomia da Controladoria-Geral da União (CGU). Já a MP 727/2016, que estabelece o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), é um passo célere rumo à desestatização.

Para votar as MPs, a base de apoio a Temer atropelou um acordo de procedimento vigente desde 2013, que estabelece que medidas provisórias só sejam votadas duas sessões após terem sido lidas em plenário. Esse rito visa a garantir a autonomia do Senado, que muitas vezes recebeu MPs no último dia de sua vigência e se via na contingência de aprova-las exatamente como vinham da Câmara, sem poder debate-las e muito menos alterá-las, caso contrário, perderiam a eficácia.

O senador José Pimentel (PT-CE) protestou e apresentou uma questão de ordem cobrando o respeito ao procedimento. “O Senado não pode apreciá-las [as MPs], sob pena de rasgar o acordo existente e gerar a nulidade das decisões que serão tomadas durante a sessão”, alertou ele. Seu questionamento, mesmo assim, foi indeferido pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL). Pimentel, Lindbergh Farias (PT-RJ), Líder da Minoria, e Humberto Costa (PE), Líder do PT, alertaram para o precedente grave que se abria com o desrespeito ao compromisso. “Esse acordo existe desde 2013. Nós tínhamos maioria aqui em 2013, 2014. Nunca rompemos esse acordo”, lembrou Lindbergh.

Senador Lindbergh Farias 9setLindbergh: “É muito ruim a maneira como estamos começando esse novo período, começando por desfazer um acordo”“É muito ruim a maneira como estamos começando esse novo período, começando por desfazer um acordo. Mudado o Governo, agora muda a regra do jogo de como se fazer as coisas aqui no plenário? Parece-me que estamos vivendo algo que extrapola o próprio impeachment. Até aqui, dentro do Congresso, estamos vivendo agora uma situação de autoritarismo”, avaliou Humberto Costa.

“Hoje, a bancada governista passou o trator sobre nós, porque tinha número suficiente para votar essas matérias. Dias haverá em que não terão esse número e precisarão negociar com a oposição para que algo relevante e importante possa ser aprovado. Nós não vamos nos esquecer da maneira como fomos patrolados hoje pela bancada de sustentação desse governo ilegítimo que aí está”, afirmou o Líder do PT.

Desmonte do Estado
A Bancada do PT e os demais senadores da oposição entraram em obstrução para tentar adiar a votação das duas medidas que consideram lesivas ao interesse dos brasileiros. Sobre a MP da Reforma Administrativa, José Pimentel apontou as profundas alterações que o texto introduz no funcionamento do Estado nacional. Ele criticou a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, responsável pelos avanços alcançados pela agricultura familiar — que hoje produz 70% do arroz, do milho e do feijão consumidos no País.

Pimentel, que foi ministro da Previdência no governo Lula, criticou duramente a extinção da pasta determinada pela aprovação da MP. “O Ministério da Previdência Social “cuida exatamente dos mais sofridos, dos mais pobres, do trabalhador quando está doente”. Abolir o órgão vai fragilizar profundamente um instituto essencial à promoção do bem-estar social.

Falsa economia
Humberto Costa rebateu o principal pretexto apresentado pelos apoiadores de Temer para defender a aprovação da MP da Reforma administrativa, que seria a “economia de recursos públicos” com o “enxugamento da máquina”. “Os ministérios que estão sendo extintos são exatamente aqueles que atuavam mais prontamente junto às populações mais carentes e na promoção dos direitos humanos”. O corte desses órgãos, apontou, não representará economia substancial. “Esse é um discurso demagógico: ‘reduzam-se os ministérios e o equilíbrio fiscal virá’”.

Senador Humberto Costa 9setHumberto: “Os ministérios extintos são os que atuavam com as populações mais carentes e com os direitos humanos”Tanto é assim que em paralelo à extinção de ministérios que trabalhavam pelos brasileiros que mais precisam do estado—os mais pobres, as minorias, os excluídos—o governo Temer disparou uma série de gastanças: R$67,8 bilhões de reajuste para os servidores da ativa, R$50 bilhões da renegociação da dívida dos Estados, R$1,7 bilhão da renúncia fiscal com a ampliação do Supersimples em um ano. “Portanto, medidas que desmentem claramente que a preocupação fosse a de reduzir despesas com a diminuição do número de ministérios”, apontou Humberto.

Para os defensores da reforma, ela seria necessária porque “os governos do PT” teria gasto muito com pessoal. Lindbergh, porém, desmentiu a falácia com números. No primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 1998, as despesas com pessoal correspondiam a 5% do PIB. No segundo mandato de FHC, elas corresponderam 4,7% do PIB. No governo Lula, essa relação caiu 4,4% do PIB no primeiro mandato e foi de 4,5% do PIB no segundo. O primeiro mandato de Dilma registrou a menor relação gastos com pessoal/PIB: 4,2%.

“Todo mundo sabe que essa redução de ministérios não vai trazer economia alguma. O que foi extinto de cargos com a junção do Ministério da Previdência e o do Trabalho ao Ministério da Fazenda? Falem aqui! Não foi extinto nada, as estruturas permaneceram! O que mudou foi a orientação: em vez de termos uma Previdência Social, que é a base desse Estado de bem-estar social nosso, estão vinculando com o Ministério da Fazenda para desmontar o sistema de previdência social”, denunciou Lindbergh.

Festival de equívocos

Os equívocos da reforma administrativa de Temer são muitos, apesar dos entusiasmados panegíricos entoados pela base de apoio ao presidente ilegítimo. Ex-ministro do Desenvolvimento, o senador Armando Monteiro (PTB-PE) apontou um desses equívocos, uma página de nonsense: a Câmara de Comércio Exterior sai do Ministério do Comércio Exterior e vai para o Ministério das Relações Exteriores, que não cuida de comércio, mas de diplomacia, ou seja, das relações institucionais entre os Estados.

O Ministério do Comércio Exterior, ressaltou Monteiro, tem atribuições muito claras em relação à política tarifária, à defesa comercial, à imposição de direitos antidumping e de direitos compensatórios, do financiamento à exportação. “Essa medida é esdrúxula, antes de guardar conformidade com o organograma e a própria estrutura governamental, pretendeu mais homenagear o ministro [José Serra, chanceler de Temer] do que propriamente manter uma coerência com o organograma governamental”.

Senador José pimentel 9setPimentel: fim do Ministério da Previdência vai fragilizar profundamente um instituto essencial à promoção do bem-estar socialFátima Bezerra (PT-RN) destacou a série de retrocessos contida na reforma administrativa de Temer. A extinção do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos — cujas estrutura e competências foram transferidas para o Ministério da Justiça — vai ferir de morte as políticas sociais voltadas para essas áreas. “Isso revela o imenso desprezo, o desrespeito que esse governo tem com a necessidade de ampliar a cidadania para esses segmentos”.

Fátima ressaltou que não se trata apenas de “economizar na estrutura”, como alega a “nova maioria”. Sem a autonomia de serem tratadas por um ministério próprio, essas áreas passam a ser relegadas no Orçamento, com o consequente esvaziamento das ações e programas.

Crime contra a CGU
Mais grave ainda, ressaltou Fátima, é o que foi feito com a Controladoria Geral da União (CGU), extinta e transformada em Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, o que retira a autonomia do órgão responsável por fiscalizar e coibir desvios na administração pública. “Isso é um crime”, resumiu a senadora.

Nos governos tucanos, não havia CGU, mas uma Corregedoria que, lembra Fátima, era “um órgão para inglês ver”, sem autonomia e desprestigiado no Orçamento da União. No governo Lula, a CGU ganhou o espaço e a estrutura para realizar seu trabalho de combate à corrupção.

Destaques

Todas essas mudanças lesivas ao Estado foram objeto de destaques apresentados pela Bancada da Oposição que, após a aprovação do texto base da MP, tentou remediar alguns dos aspectos mais graves da reforma de Temer. Todas essas tentativas foram rechaçadas pela “nova maioria”.

Porta aberta às privatizações

Após a votação da reforma administrativa de Temer, o plenário do Senado também aprovou a MP que estabelece o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado nos primeiros dias do então governo interino de Michel Temer, que flexibiliza as regras para concessões públicas para a execução de empreendimentos públicos de infraestrutura e de outras medidas de desestatização.

Senadora Fátima Bezerra 9setFátima: Privataria tucana à moda Temer
abre a porta para privatizar até a saúde e a educação“É a privataria tucana a moda Temer”, definiu Fátima Bezerra. “A sede de vender o Brasil é tão grande que essa medida provisória chegou ao Congresso Nacional no mesmo dia em que ele assumiu interinamente o governo”. Apesar do nome pomposo – PPI, Programa de Parcerias e Investimentos – a proposta é apenas a reedição do programa nacional de desestatização dos governos FHC, que vendeu patrimônio público, como a empresa Vale, a preço de banana.

O texto da MP aprovada é mais perigoso, pois permite que seja entregue à iniciativa privada qualquer serviço público, como unidades de saúde, presídios, creches e escolas. “O PPI transforma direitos fundamentais em mercadorias, e isso é um crime. Quem tem dinheiro compra mercadoria; quem não tem dinheiro fica excluído”, alertou Fátima. .

A medida provisória cria o cargo de secretário-executivo do PPI, que no momento está sendo exercido por Wellington Moreira Franco e tem o poder de editar decretos. “Isso retira competência do Congresso Nacional, porque são matérias privativas da Câmara e do Senado”, ressaltou o senador José Pimentel. Em nome da “celeridade” da entrega, atropela-se um Poder. “Isso é uma temeridade. Já assistimos, ao longo da nossa história, a uma política patrimonialista, independentemente de governo, que terminou trazendo prejuízos para os cofres públicos”, alertou.

 

Cyntia Campos

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