Quase a metade (48%) da população da Região Metropolitana de Buenos Aires reduziu seu consumo de alimentos por falta de dinheiro para comprar comida. Pelo menos 30% deles têm pelo menos um parente que já passou fome pelo mesmo motivo. Esse é o resultado de três anos de “modernidade” do governo ultraliberal de Maurício Macri, o presidente argentino que já foi receitado por tucanos e afins como “exemplo para o Brasil”.
Com a economia em frangalhos — taxa de juros a 60%, a mais alta do planeta, inflação de 50% ao ano e o câmbio na casa dos 40 pesos por dólar — o país vizinho vive momentos de turbulência cada vez mais intensa, com sucessivos protestos de rua.
Nas províncias mais distantes da capital, os famintos promovem uma onda de saques que já resultou em uma vítima fatal, o menino Ismael Ramírez, de 13 anos, morto a tiros na noite de terça-feira (4) na cidade de Saens Peña, na região do Chaco, a 1.090 km de Buenos Aires, conforme relato do jornal Página 12. Grande produtor de trigo, a Argentina registrou apenas nesta semana um aumento de 21% no preço do pão.
Arrocho criticado
A escalada da fome e da violência parece comover Maurício Macri, que só enxerga o modelo de mais arrocho como solução para a crise — opção duramente criticada pelo Nobel de Economia Robert Stiglitz em entrevista à rede britânica BBC, na última quarta-feira (5). “As medidas de austeridade obviamente vão desacelerar a economia e impor novamente um alto custo às pessoas comuns”, afirmou.
Também na última quarta-feira um procurador argentino denunciou Macri por abuso de autoridade por ter assinado o novo acordo com o FMI sem ter submetido seus termos ao Congresso.
O pior cenário
A crueldade dos números da crise argentina é revelada no Monitor de Clima Social (MCS), estudo periódico realizado pelo Centro de Estudos Metropolitanos (CEM), uma entidade associada à Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho (UMET), Universidade Nacional Arturo Jauretche (UNAJ) e Universidade Nacional de Hurlingham (Unahur).
“A deterioração social chegou a seu ponto máximo, desde que o estudo começou a ser realizado, em 2016”, aponta professor Matías Barroetaveña, diretor do CEM. Ainda segundo o MCS, 70% dos moradores da Região Metropolitana de Buenos Aires consideram que situação econômica do país é “ruim” ou “muito ruim” e seis em cada dez trabalhadores acreditam que podem perder o emprego no curto prazo.
O MCS é uma espécie de “termômetro político” que analisa as “as inseguranças, percepções, experiências e expectativas da população”, como explica Matía Barroetaveña. Em algumas áreas da Grande Buenos Aires, chega a 60% o percentual da população que reduziu seu consumo de alimentos por falta de dinheiro.
Ação estatal é urgente
Atualmente, 27% da população argentina — cerca de 12 milhões de pessoas — vivem na pobreza. As projeções feitas por economistas de diversos matizes é que ao final de 2018 o percentual de pobres na população da terceira economia da América Latina seja de 33%. “Os números são claros. A situação exige uma reação estatal”, defende o professor Barroetaveña, em artigo publicado nesta quinta-feira (6) no site do Centro de Estudos Metropolitanos.
Mesmo na Cidade de Buenos Aires, mais próspera que as demais da Região Metropolitana, seis de cada 10 portenhos afirmam que sua situação económica é “pior” ou “muito pior” do que há um ano e metade afirma que sua renda já não é suficiente para arcar com suas despesas. “Diante desta emergência social, é imprescindível uma recomposição de salários, aposentadorias e da AUH (Asignación Universal por Hijo, um seguro social pago aos desempregados, trabalhadores com vínculo precário ou que ganhem menos que o salário mínimo para cada filho menor de 18 anos)”, defende Barroetaveña.
O diretor do Centro de Estudos Metropolitanos ressalta que as medidas exigidas pelo Fundo Monetário Internacional para voltar a socorrer a Argentina devem agudizar seus impactos na vida da população neste segundo semestre de 2018.
“Não se pode fingir que não se vê. Esse clima social germina mais conflitos de rua”, alerta Barroetaveña, que conclama ao rechaço de soluções autoritárias—como o emprego das Forças Armadas para reprimir protestos. A saída da crise, enfatiza ele, precisa do “Estado alavancando o crescimento econômico”. Tudo que o FMI não quer.
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