O jornal britânico The Guardian, um dos mais respeitados do mundo pela fidedignidade de suas informações, publicou matéria, em 19 de novembro do corrente, reproduzida aqui no 247, na qual se afirma que:
A Grã-Bretanha pressionou com sucesso o Brasil em nome da BP e da Shell para responder às preocupações dos gigantes do petróleo em relação à tributação brasileira, regulação ambiental e regras sobre o uso de empresas locais, revelam documentos do governo.
O ministro do Comércio do Reino Unido viajou para o Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo em março para uma visita com um “foco pesado” em hidrocarbonetos, para ajudar as empresas britânicas de energia, mineração e água a obter negócios no Brasil.
Greg Hands (o ministro do comércio do Reino Unido) se encontrou com Paulo Pedrosa, vice-ministro brasileiro de minas e energia (o secretário-executivo do ministério), e “diretamente” levantou as preocupações das empresas petrolíferas Shell, BP e Premier Oil britânicas sobre “tributação e licenciamento ambiental”.
Pedrosa disse que estava pressionando seus homólogos no governo brasileiro sobre as questões, de acordo com um telegrama diplomático britânico obtido pelo Greenpeace.
O telegrama referido na matéria foi obtido pela organização UNEARTHED, que faz investigações para o Greenpeace. Segunda essa organização, houve erro na manipulação do documento. Em vez de colocarem as famosas tarjas pretas nas partes sensíveis, eles as realçaram em amarelo. Isso permitiu que a UNEARTHED, que obteve o telegrama com base em lei britânica semelhante à nossa Lei de Acesso à Informação, pudesse tomar conhecimento das “ligações perigosas” entre Pedrosa e Greg Hands.
No Reino Unido, a preocupação fundamental é com a questão ambiental, pois esse lobby do governo britânico estaria, segundo o Greenpeace, em contradição com os compromissos internacionais que o Reino Unido assumiu, em relação ao aquecimento global. Recorde-se que o Greenpeace vem fazendo também uma campanha contra o lobby que empresas europeias de petróleo, como a Total francesa e a Shell britânica, estão realizando para prospectar petróleo na bacia amazônica.
Contudo, o telegrama oficial revelado comprova que as empresas e as autoridades britânicas pressionaram diretamente o governo brasileiro para obter a isenção de impostos e o fim da política de conteúdo local. De fato, o texto do telegrama afirma que nos últimos seis meses ocorreram anúncios positivos sobre na redução das exigências de conteúdo local e que num café da manhã privado, os beneficiários dessas mudanças (grifo nosso), Shell, BP e Premier Oil, expuseram suas preocupações remanescentes referentes a impostos e licenças ambientais..
Ainda conforme o telegrama oficial do governo britânico, o diretor de Gás e Óleo do DIT ( Department of International Trade– o ministério britânico de comércio exterior) Graig Jones, continuou o diálogo no dia seguinte, liderando um seminário sobre política de conteúdo local, no quartel general ( headquarters) do regulador brasileiro de óleo e gás……(grifo nosso). Algo inacreditável.
[blockquote align=”none” author=””]O telegrama comprova também que os britânicos não apenas pressionaram, mas foram vitoriosos em seus pleitos. A MP 795 isentou totalmente as empresas estrangeiras de impostos, uma renúncia de cerca de R$ 700 bilhões, inaugurando a política de incentivo ao conteúdo internacional, em detrimento da política de conteúdo local, que foi totalmente abandonada.[/blockquote]
Mas, aparentemente, as concessões brasileiras não ficaram apenas nisso. Com efeito, os resultados do último leilão evidenciam algo que chama a atenção. Duas empresas dominaram os leilões das seis áreas concedidas: a Petrobras e a Shell. A Petrobras, liderando seus consórcios arrematou três áreas. Nessas áreas, Entorno de Sapinhoá, Peroba e Alto de Cabo Frio Oeste, os volumes de óleo ofertados à União foram de 80%, 76,96% e 75,86%, com ágios de 673,69%, 454,07% e 254,82%, respectivamente. Agora, nas áreas arrematadas pelos consórcios liderados pela Shell (Sul de Gato do Mato e Alto de Cabo Frio Oeste) os percentuais de óleo ofertados à União foram de 11,53% e 22, 87%, com ágio zero em ambas. Esses percentuais são absolutamente ridículos. No mundo, a participação dos Estados no volume produzido oscila entre 60% e 80%. Assim, a Shell levou as duas áreas praticamente de graça.
O que foi revelado pelo documento oficial do governo britânico deve ser apenas a ponta do iceberg dos lobbies que foram e estão sendo articulados por governos e empresas estrangeiras para comprar patrimônio público brasileiro em condições e preços muito aviltados. De fato, é bastante provável que processos semelhantes tenham sido liderados por outros governos e empresas.
O governo golpista colocou o Brasil à venda. E não se trata apenas dos campos do pré-sal, a maior descoberta do petróleo deste século, que vêm sendo leiloados a preços ridículos, entre dois e cinco dólares o barril. Houve também a privatização da Nova Transportadora Sudeste, que opera os principais gasodutos do Brasil. Ocorreu, da mesma maneira, a venda do Complexo Petroquímico de Suape e do Complexo Industrial Químico-Têxtil (Citepe), entre outros ativos importantes da Petrobras. Pretende-se até privatizar a Petrobras Distribuidora, acabando coma “bandeira” da companhia.
Tal venda predatória não está restrita ao setor de petróleo. A recente privatização de parte da ELETROBRAS, outra companhia estratégica do país, também foi feita a preços ridículos. Segundo o jornalista Luiz Nassif, tratou-se da maior “negociata da história”, pois no leilão não se levou em consideração a projeção dos resultados econômicos que as usinas deverão produzir.
Conforme o referido jornalista:
O engodo está no fato da Eletrobras ter 184 usinas e produzir 42.000 MW de energia. E o valor das concessões não entra em seu balanço. Para efeito de comparação, a Usina São Simão, da CEMIG, antiga, com 1.710 MW de potência instalada, teve uma concessão vendida há três meses por R$ 7,1 bilhões. Esse valor não estava em nenhum balanço. Por uma regra de três simples, apenas as concessões da Eletrobras deveriam valer R$ 289 bilhões. Esses valores não entraram nas projeções do valor da privatização. Como se não existissem economicamente.
[blockquote align=”none” author=””]Há inúmeros outros casos dessa atitude irresponsável e entreguista, como a venda de terras a estrangeiros, a tentativa de abrir a mineração na Amazônia, a possível privatização do banco de germoplasmas da Emprapa (nosso pré-sal biotecnológico), a provável privatização de bancos públicos, a renegociação do Acordo de Alcântara, a realização de exercícios militares na Amazônia etc.[/blockquote]
O pior é que todo esse processo está sendo conduzido com pouca transparência, sem a participação, na maioria dos casos, do Congresso Nacional, por meio de decretos e portarias, e contrariando frontalmente o plano de governo aprovado nas eleições de 2014.
Observe-se que essa ausência de transparência e de debates mais aprofundados, além de antidemocrática, pode dar lugar a processos de corrupção.
Na década de 1990, houve muitas denúncias relativas aos processos de “privataria”. Nada foi investigado a sério. Porém, é justamente nesses processos que circulam volumes bilionários de dinheiro, em circunstâncias por vezes obscuras. Quase todas as grandes empresas multinacionais que participam dessas privatizações têm acusações de corrupção em vários países. Menos no Brasil. No Brasil, suspeita-se somente de empresas nacionais, de preferência estatais. É uma espécie de “vira-latismo” investigativo.
A velha imprensa conservadora e os órgãos com poder investigador permanecem inertes frente à grande “corrupção” da venda da nossa soberania. Não fossem essas informações vindas do estrangeiro, e repercutidas aqui, como merecem, somente na imprensa independente, não saberíamos nada sobre esses assuntos.
No nosso país, o importante são os pedalinhos e o triplex de Lula, que nunca foi de Lula. Já os bilhões da “neoprivataria” não vêm ao caso. Acabar com empregos no Brasil não vem ao caso. Destruir os mecanismos econômicos e institucionais do nosso desenvolvimento não vem ao caso. Reduzir a pó a nossa economia não vem ao caso. Isentar empresas estrangeiras multibilionárias de impostos não vem ao caso. Destruir a educação e a saúde públicas não vem ao caso. Acabar com a previdência do trabalhador não vem ao caso. Acabar com os direitos trabalhistas não vem ao caso. Apequenar o Brasil não vem ao caso. Vem ao caso condenar Lula e “estancar a sangria”.
Assume-se, a priori, que empresas estrangeiras são sempre mais eficientes e pulcras. E que tudo isso é muito bom. E que está tudo bem se o Brasil voltar a ser colônia.
O documento oficial britânico demonstra, contudo, que governos e empresas estrangeiras atuam como aves de rapina, na defesa de seus interesses. Comprova também que certas autoridades brasileiras, por ideologia ou oportunismo, se comportam como coniventes vira-latas da cobiça mundial.
Submissos e passivos, negociam tudo, tudo mesmo, com sorriso canino. Num abanar de rabo, vendem nosso futuro. Defecam na nossa bandeira. Independentemente de eventuais ilegalidades, é uma grande sujeira.