Entrevista

Nicolelis: “a imagem, no mapa do Brasil, é a de uma guerra”

“O Brasil ainda vai bater muitos recordes nesta pandemia”, prevê o neurocientista e coordenador do Comitê do Nordeste, Miguel Nicolelis, em entrevista ao portal Gaúcha ZH. Ele criticou a atuação do presidente Bolsonaro no combate à doença: “é como ir para uma guerra sem um general. A derrota é só uma questão de tempo”
Nicolelis: “a imagem, no mapa do Brasil, é a de uma guerra”

Foto: Murillo Constantino

O Brasil ainda deve passar por duras provas nos próximos meses, com um aumento vertiginoso do número de casos de Covid-19 e mortes assombrando a sociedade. A avaliação é do neurocientista e coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, que descreve, em entrevista ao portal de notícias GaúchaZH, um cenário de guerra no país. O cientista aponta as imensas dificuldades para controlar a pandemia no Brasil, especialmente em função da irresponsabilidade do governo federal na condução da crise. Para ele, não há um presidente “engajado” na luta contra o vírus. “Se você não tem um comando central que diz claramente o que se deve fazer, baseado em dados científicos, fica muito difícil. Não tem como. É como ir para uma guerra sem um general. A derrota é só uma questão de tempo”, observa.

Ele lamenta que o presidente tenha sido eleito o inimigo numero 1 do combate ao coronavírus por toda a imprensa estrangeira. “Talvez quem esteja no Brasil não tenha a exata noção, mas a imagem do Brasil lá fora foi derretida. Não temos mais nada pelo que zelar. Já estávamos nesse caminho, e o coronavírus foi a pá de cal”, diz.

Nicolelis traça um cenário sombrio para os próximos meses no país. “Esse nosso patamar de mil mortes por dia vai aumentar”, prevê. “O Brasil ainda vai bater muitos recordes nesta pandemia, no mínimo por duas ou três semanas. Vamos alcançar números muito altos, vamos viver algo que nunca imaginamos na história do Brasil. E isso, nas proporções que vamos ver, não era inevitável. Mesmo regiões que estão sofrendo menos, como o Sul, vão sofrer bastante, de maneira que nunca imaginaram”, constata.

Segundo Nicolelis, por meio da ferramenta Monitora Covid-19, as autoridades coletam informações para formular as estratégias de enfrentamento da doença. “Nos gráficos do projeto vemos claramente onde os casos aumentam, onde eles desapareceram, quais são os movimentos que o vírus faz, tanto na curva do número de casos quanto na migração entre regiões. As definições sobre o isolamento podem ser feitas a partir disso”, explica.

Na entrevista, ele aponta que a segunda fase de avanço da doença costuma ser ainda mais crítica. “Em países mais isolados fica mais claro o que é primeira e o que é segunda onda, mas, nas grandes nações, como Brasil, China e Estados Unidos, as coisas são mais incontroláveis – justamente pela maneira como as pessoas se deslocam dentro de seus territórios”.

E adverte para os perigos de um afrouxamento considerando particularidades de cada região. “A imagem, no mapa do Brasil, é a de uma guerra: há invasão pela costa rumo aos centros maiores para, a partir deles, ocupar de todo o território. É como se estivéssemos sendo invadidos. E, pelos nossos mapas de análise de risco, incluindo o da Região Sul, fica claro que, uma vez dentro do país, o vírus se espalha pelas vias rodoviárias”, afirma Nicolelis.

“Então não adianta”, prossegue o cientista, “você adotar um tipo de medida para uma cidade com poucos casos se ela é atravessada por muitas pessoas. Você não vai frear o avanço do vírus, pelo contrário, pode inclusive, sendo permissivo com o vaivém de gente, colaborar para que ele se espalhe”.

Ele voltou a defender o isolamento como única medida eficaz para a contenção da velocidade de propagação do vírus. “Neste momento, não há resposta de quando isso vai passar. Porque todas as curvas são ascendentes. Em uma perspectiva otimista, se conseguirmos frear o avanço do vírus, o fim de maio pode revelar alguma luz e, ali, poderemos fazer algum tipo de previsão. Se eu fizer algo antes, estarei sendo leviano. Agora é o momento de pensar em aumentar o confinamento. Não tem outro jeito. Estamos caindo para menos de 40% de isolamento, segundo os índices de medição. Isso é insuficiente. Temos de chegar a 65%, no mínimo”, adverte.

Confira a íntegra da entrevista

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