Gleisi denuncia Estado exceção e tentativa de retirada de direitos após o golpe no Brasil

Gleisi denuncia Estado exceção e tentativa de retirada de direitos após o golpe no Brasil

Por trás de uma calma aparente, há um vulcão prestes a explodir no Brasil. “O país está convulsionado e frustrado. Regredimos ao lamentável estágio de uma republiqueta de bananas e nossa democracia está agora muito fragilizada”. O relato é da senadora Gleisi Hoffmann, que apresentou nesta segunda-feira um informe sobre a situação do Brasil pós-golpe à Conferência da Aliança Progressista, no Parlamento Europeu, em Bruxelas (Bélgica).

Gleisi alertou os congressistas europeus para o alarmante desmonte das conquistas sociais, para a entrega do patrimônio natural do Brasil a interesse estrangeiros e à cristalização de um Estado de exceção que relativiza direitos constitucionais de adversários do novo regime. “É terrível a situação em que se encontra a democracia brasileira, na atual conjuntura. E quando uso o adjetivo terrível não estou exagerando”, afirmou a senadora.  

Ela denunciou a cortina de fumaça montada pelo governo golpista e seus aliados, principalmente os meios de comunicação de massa, que apresentam um quadro de “pacificação” do País, de resolução da crise política e de recuperação da economia. Nada mais longe da verdade: o projeto impopular de retirada de direitos e de penalização dos mais pobres para favorecer o grande capital não tem a menor possibilidade de pacificar o Brasil.

Ela explicou aos colegas da União europeia que o impeachment de Dilma não respeitou a Constituição brasileira, já que em nenhum momento do processo os defensores da deposição da presidenta conseguiram prova a prática do crime de responsabilidade cometido pela Chefe do Executivo. “O que aconteceu no Brasil foi um golpe de Estado parlamentar, muito semelhante, em sua natureza, ao acontecido no Paraguai, em 2012”.

O golpe, porém, não foi o fim de um processo, mas o início do desmonte das conquistas sociais iniciadas nos governos populares de Lula e Dilma. O golpe foi o meio encontrado pelos sem voto para colocar em cartaz o primeiro ato de um enredo trágico que ameaça o futuro do País. “No Brasil, chamamos esse enredo antidemocrático e antipopular de ‘golpe continuado”.

 

Leia a íntegra do pronunciamento da senadora Gleisi Hoffmann ao Parlamento Europeu:

Senhoras Parlamentares, Senhores Parlamentares,

Agradeço muito a oportunidade de estar aqui com vocês para expor a terrível situação em que se encontra a democracia brasileira, na atual conjuntura.

Quando uso o adjetivo terrível não estou exagerando. É terrível ou horrível, mesmo.

Os meios de comunicação de massa de meu país, conservadores e comprometidos com as forças golpistas que tomaram conta do Brasil, tentam passar a impressão de tudo está correndo normalmente, conforme as regras constitucionais.

Tentam também passar a impressão de que o Brasil está pacificado e de que, agora, com o novo governo, a crise política está resolvida e a economia já dá mostras de recuperação.

Nada mais longe da verdade. O país está convulsionado e frustrado. Por trás de uma calma aparente, há um vulcão prestes a explodir.

Em primeiro lugar, é preciso ter clareza de que o aconteceu no Brasil não foi um impeachment que tenha respeitado as regras da Constituição brasileira. O que aconteceu no Brasil foi um golpe de Estado parlamentar, muito semelhante, em sua natureza, ao acontecido no Paraguai, em 2012.

O Brasil regrediu ao lamentável estágio de uma republiqueta de bananas e sua democracia está agora muito fragilizada.

O voto popular, fonte primária do poder democrático, foi substituído por uma maioria parlamentar circunstancial, o que é um absurdo, num regime presidencialista como o brasileiro.

Mas o afastamento inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff é apenas o começo, o primeiro ato, do enredo trágico que ameaça a democracia brasileira e suas recentes conquistas sociais. No Brasil, chamamos esse enredo antidemocrático e antipopular de “golpe continuado”.

Logo após o golpe parlamentar, o governo ilegítimo, que nomeou um ministério composto exclusivamente por homens brancos e ricos, passou a implantar um programa extremamente conservador, totalmente oposto ao programa que havia sido aprovado nas urnas, em 2014.

O programa aprovado nas urnas previa a continuidade e o aprofundamento do padrão de desenvolvimento baseado na eliminação da pobreza, na diminuição das desigualdades, na ampliação das oportunidades para todos, no combate à discriminação de gênero, de raça e à homofobia, na luta contra o desmatamento da Amazônia, o efeito estufa e pelos direitos dos direitos dos povos indígenas, na defesa dos direitos humanos e na afirmação da presença internacional do Brasil como país soberano e comprometido com o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.

Entretanto, o programa do governo golpista, que não tem a legitimidade democrática conferida pelo voto popular, coloca o Brasil na direção oposta a essas diretrizes programáticas aprovadas nas urnas.

O governo ilegítimo instalado no Brasil pretende não apenas reverter os grandes progressos sociais conquistados nos governos do PT, mas também desconstruir os direitos previdenciários, assistenciais e trabalhistas inscritos na Constituição de 1988 e na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que oferece a base legal para a proteção do trabalhador brasileiro desde 1946.

Nesse sentido, já foram anunciadas ou aventadas medidas para impedir o crescimento do salário mínimo, para aumentar a idade das aposentadorias e reduzi-las em seu valor, para extinguir benefícios, para terceirizar até mesmo atividades-fim, para aumentar a jornada de trabalho, etc.

Muitos programas essenciais para a população já foram extintos ou drasticamente reduzidos. Na Educação, por exemplo, programas vitais para o acesso de estudantes pobres às universidades, como o Prouni e o Fies, já foram reduzidos substancialmente. O Ciência sem Fronteiras, que trazia muitos estudantes brasileiros para universidades europeias, foi simplesmente extinto. Esse desmonte ocorre em todas as áreas.

Mas o centro estratégico desse desmonte do Estado brasileiro está na chamada PEC 241, a qual pretende inserir, na Constituição do Brasil, a proibição de se aumentar as despesas primárias do governo por 20 anos.

Trata-se de uma insanidade inédita no mundo.

Vocês aqui, na União Europeia, têm o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação, também conhecido como Pacto Fiscal ou Tratado Orçamental, que impõe controle fiscal e orçamentário. Sei que é muito criticado, mas sei também que aqui houve, ao menos, a preocupação de não transformar as diretrizes de gasto público numa ‘austeridade permanente’.
Mas a PEC 241 não tem qualquer preocupação com isso. Não há válvulas de escape previstas. Ela imporá uma austeridade permanente e draconiana por 20 anos, independentemente do que venha a ocorrer na economia mundial e na economia brasileira. É irracional, do ponto de vista político, porque retira do controle democrático a política fiscal, e é irracional, do ponto de vista econômico, porque congela despesas independentemente do comportamento das receitas e do PIB.

Há, contudo, uma lógica lúgubre por trás dessa irracionalidade. É que o objetivo verdadeiro da PEC 241 é a desconstrução dos direitos inscritos na Constituição de 1988. Sua finalidade é estrangular o crescimento das despesas obrigatórias criadas pela Carta Magna e fulminar o incipiente Estado do Bem Estar que ela gerou. Por isso, ela é conhecida como a PEC da Desigualdade, ou a PEC do Retrocesso.

A implantação desse ultraneoliberalismo bárbaro suscitará grande resistência popular e projetará a figura histórica de Lula como líder da luta pela democracia e pelos direitos fundamentais dos brasileiros.

É o que já começa a acontecer nas ruas do Brasil. Por isso, cria-se celeremente no meu país um perigoso Estado de Exceção. 

Tal Estado de Exceção, ou Estado Policial, se dedica a reprimir de forma violenta manifestações pacíficas contra o regime golpista, a aprisionar estudantes, sindicalistas e ativistas de movimentos sociais, a perseguir membros do antigo governo, a promover grotesca caçada judicial ao ex-presidente Lula e a usar os aparelhos estatais de forma partidarizada, com o intuito de intimidar o PT e a oposição de um modo geral.

Essa é a denúncia que trago aqui. A democracia brasileira já foi muito fragilizada pelo golpe parlamentar e, agora, volta a ser duramente golpeada pelo desmonte do Estado Bem Estar e pela criação de um Estado de Exceção, que suprime, na prática, direitos fundamentais de brasileiras e brasileiros.

A caçada judicial a Lula é particularmente mesquinha e sórdida, já que é fundamental para os golpistas e o projeto regressivo inviabilizar sua candidatura em 2018.

Mas Lula é um político guiado pela esperança, pela vontade de superação, que, no seu caso, se confunde com a superação coletiva da legião de deserdados que ajudou a resgatar para cidadania.

Por isso, não trago apenas uma denúncia, trago também uma mensagem de esperança.
Tenho certeza que o povo brasileiro, passado esse momento difícil da ofensiva conservadora e antidemocrática, saberá lutar, como sempre, para restaurar o projeto progressista, que o libertou das amarras da miséria, e a democracia, que o libertou das garras da ditadura.

Tenho, da mesma forma, a convicção de que a luta do povo brasileiro é a mesma luta dos povos da Europa, que também passam por um momento difícil, de ameaça de direitos conquistados, de desconstrução do Estado do Bem Estar, de hegemonia do capital financeiro, de crescimento das desigualdades e de erosão da legitimidade dos seus sistemas de representação política. Tal processo, que ameaça implodir a integração europeia, preocupa os brasileiros e o mundo.

Vivemos, todos nós, uma luta pela igualdade, pelos direitos sociais duramente conquistados e pelo controle democrático do capital financeirizado e internacionalizado, que se coloca, impune, acima dos interesses de nossos povos. Essa luta, que tem de ser articulada internacionalmente, é uma luta contra um retrocesso civilizatório que nos ameaça por igual.

E ela demanda mais do que esperança e articulação.

Certa vez, Jean Monnet, artífice da União Europeia, foi questionado se não era demasiadamente otimista em relação à integração da Europa. Monnet respondeu: “Eu não sou otimista, eu sou determinado”.

Amigas e amigos, é nosso dever histórico sermos determinados nessa hora difícil, trilhando, juntos, o caminho da democracia, da igualdade, do desenvolvimento sustentável e da construção de um mundo mais solidário.

Muito Obrigada! 


 

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