A Lei de Cotas (Lei 12.711/12), que completa 10 anos nesta segunda-feira (29), foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff em agosto de 2012. É um marco histórico na luta pela inclusão social no país, e foi decisiva para mudar o perfil demográfico dentro das universidades públicas. Não que campus sejam, hoje, sinônimo de igualdade, longe disso. Mas até 2019 o número de negros e negras no ensino superior cresceu quase 400%. Um salto que elevou a presença dessa parcela da população – 56,2% dos brasileiros – para 38,15% do público universitário.
Subir esses degraus foi possível porque a lei estabeleceu política de cotas nas universidades públicas e nos institutos federais. De lá para cá, 50% das cadeiras foram reservadas a alunos que fizeram todo o nível médio em escolas públicas. E desse percentual, metade das vagas é destinada à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita e para negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, na proporção em que essa parcela está representada no estado onde se localiza a instituição de ensino.
Para lembrar os avanços trazidos pela lei, mas também para advertir o país do tanto que falta caminhar nesse terreno, o Senado realizou sessão especial nessa segunda. A Presidência dos trabalhos coube a um militante histórico dessa causa no Congresso. Paulo Paim (PT-RS) é autor de lei de 2010, o Estatuto da Igualdade Racial, que chegou a prever a política de cotas, mas para vencer reações no Congresso precisou ser desidratado. Na época, lembra o senador, também foi retirado do texto a previsão de um fundo de combate ao racismo. Incansável, Paim ajudou a construir, como relator, a Lei de Cotas Raciais, que dois anos depois fez vingar a política inclusiva nas universidades.
Paim avalia que a Política de Cotas é um marco da dignidade humana. “A inclusão, por meio da educação, é um grande passo para a cidadania”, pregou Paim, que, 10 anos depois, tranquiliza quem, na época, afirmou que a política de cotas causaria o comprometimento da qualidade do aprendizado.
“Em 2021, o Instituto Insper declarou, baseado no Enem e no Censo da Educação Superior, que as universidades federais não tiveram redução no padrão acadêmico. A lei de cotas é um sucesso. Aqueles que diziam que iria diminuir a qualidade dos nossos formandos, quebraram a cara. O sonho se tornou realidade” – comemorou, emocionado.
Mas a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz, chamou a atenção para o atual descumprimento do artigo 6° da Lei de Cotas, que exige do Ministério da Educação e da Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República o monitoramento anual da aplicação e dos resultados da lei.
“Desde 2016, essas instituições não realizam nenhuma ação ou acompanhamento. É importante responsabilizar. Houve um esforço significativo dos movimentos sociais, do Congresso Nacional, porém a Presidência da República segue inerte sobre esse tema, não consegue apontar caminhos nem ouvir a sociedade sobre os próximos desafios das cotas. O que vemos, ao contrário, são propostas na Câmara de retirada de critérios raciais” – advertiu Bruna Brelaz.
Sem volta
A julgar pela aula que veio em seguida, não haverá espaço para tais retrocessos. Também emocionado, o professor de História e membro da Coalisão Negra por Direitos, Douglas Belchior, recordou capítulos dessa luta histórica após quatro séculos de escravatura, legalmente encerrados em maio de 1888.
“Quando a gente imagina que 40 anos depois de uma escravidão de 400 anos, forma-se no Brasil uma articulação chamada Frente Negra Brasileira, em que uma das principais atividades era organizar salas de aula para que pessoas negras pudessem estudar com negros letrados na época. A educação sempre foi objeto da nossa vontade e da nossa luta” – exaltou o professor. Segundo Douglas Belchior, a elite acadêmica no Brasil de hoje é negra. “Estudantes, pesquisadores negros são os que mais formulam, os que mais publicam, inclusive no mercado editorial”, afirmou o professor.
O resultado da Lei de Cotas também pode ser medido pela atuação dos movimentos sociais nas primeiras décadas do novo século, boa parte em sintonia com os governos do PT. Belchior citou estudo do Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA), coordenado pelos professores Luiz Augusto Campos e Marcia Lima. Conforme o trabalho, o número de estudantes pretos, pardos e indígenas no ensino superior cresceu de 31% para 52% entre 2001 e 2021. No mesmo período, o percentual de estudantes das classes C, D e E nas universidades pulou de 19% para 52%. E, para não deixar dúvidas, outro dado citado pelo professor: 71% dos textos acadêmicos que analisaram os resultados da lei em uma década consideraram a política de cotas positiva. Como resumiu Douglas Belchior, “Viva o Brasil que não volta atrás!”.