A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT) é uma entidade de abrangência nacional, fundada em 1995, que atualmente congrega 257 organizações congêneres e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas. A missão da ABGLT é promover ações em prol da cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.
A ABGLT gostaria de saudar e elogiar a Comissão de Juristas responsável pela elaboração do anteprojeto de novo Código Penal por ter efetivado a criminalização da homofobia e da transfobia. Tal atitude foi corajosa, pois embora ela seja necessária para proteger os direitos humanos da população LGBT, vivemos na atualidade um momento de recrudescimento do conservadorismo no Brasil e no mundo inteiro e, em especial, enfrentamos o forte preconceito de fundamentalistas religiosos e setores da direita à criminalização da homofobia e da transfobia.
Digna de nota foi a postura desta nobre Comissão de Juristas, ao pretender revogar a atual Lei de Racismo (Lei 7.716/89) para punir o racismo no novo Código Penal, de efetivar uma punição das condutas motivadas na cor, etnia, procedência nacional e religião da mesma forma que a punição das condutas motivadas na orientação sexual e na identidade de gênero. Afinal, isso efetiva a criminalização da homofobia e da transfobia sem hierarquização de opressões, ou seja, sem punir mais gravemente uma opressão relativamente a outra(s). Cabe destacar que orientação sexual não é mero “comportamento” como alguns dizem, não decorre de “opção” da pessoa nem nada do gênero, mas ainda que assim (erroneamente) se considerasse, a discriminação por religião consta da atual Lei de Racismo, logo, se a discriminação por opção religiosa é equiparada à discriminação por cor, o mesmo deve ser feito relativamente à discriminação por orientação sexual e por identidade de gênero. Todos os crimes de ódio devem ser punidos da mesma forma, para que não haja hierarquização de opressões.
Por outro lado, a previsão da motivação criminosa pautada na orientação sexual ou identidade de gênero como “agravante genérica”, que enseja o aumento da pena do crime motivado nestas hipóteses caso não haja causa de aumento de pena específica nos crimes em questão, é igualmente digna de aplausos.
Por evidente, a ABGLT entende que o anteprojeto precisa, agora, ser debatido com os movimentos sociais (movimento negro, movimento feminista, movimento LGBT etc.) para que os mesmos exponham seus anseios. A ABGLT entende, por exemplo, que a criminalização da homofobia e da transfobia poderia ter sido mais ampla, pois tememos que haja condutas discriminatórias cuja punição não é prevista pelo anteprojeto – por exemplo, tememos que o tipo penal relativo à conduta de “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito, pela fabricação, comercialização, veiculação e distribuição de símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que a indiquem, inclusive pelo uso de meios de comunicação e internet” não abranja todas as formas de induzimento e incitação ao preconceito e à discriminação, como faz o atual artigo 20 da Lei de Racismo, que fala em “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito” por cor, etnia, procedência nacional ou religião (deixar o crime “mais claro” é algo que, a nosso ver, poderia ser feito sem restringir a amplitude da legislação atual). Uma previsão específica que coibisse o horrendo “estupro corretivo”, cometido contra lésbicas por sua mera lesbianidade, seria relevante, muito embora essa conduta enseje a aplicação da citada agravante genérica. Por vezes o anteprojeto fala em “identidade ou orientação sexual” ao invés de “identidade de gênero ou orientação sexual”, como seria o “mais correto” segundo a terminologia utilizada neste campo. De qualquer forma, a ABGLT evidentemente reconhece o esforço desta nobre Comissão de Juristas na criminalização da homofobia e da transfobia – tanto que atendeu o apelo de militantes paulistanos, na audiência pública do final de fevereiro/2012 na sede do Tribunal de Justiça de São Paulo, para incluir a expressão “identidade de gênero” na qualificadora do crime de homicídio, para assim tornar possível a maior proteção penal de travestis e transexuais (já que a proposta original previa apenas a expressão “orientação sexual”, que abarca homossexuais, heterossexuais e bissexuais – muito embora esta proposta original já mostrasse a preocupação desta nobre Comissão em efetivar a repressão aos crimes homofóbicos).
A ABGLT destaca, por fim, que se solidariza com esta nobre Comissão de Juristas pelas críticas reacionárias das quais tem sido vítima. Como dito, vivemos uma época de extremo conservadorismo no Brasil e no mundo, uma época difícil aos direitos humanos, em especial os direitos humanos de minorias e grupos vulneráveis