Nova democracia – Por Lindbergh Farias e Pedro Abramovay

Os dois analisam as manifestações pelo País: “As pessoas estavam frustradas e impotentes”.

De repente, as ruas estavam tomadas. Surpresa? Certamente. Inexplicável? Não.

Muitos repetiam como se fosse um mantra a ideia de que o brasileiro é tolerante com os maiores disparates por parte de seus governantes. Mas eles estavam errados.

As pessoas estavam frustradas e impotentes. O descolamento entre os problemas que afetam suas vidas e as prioridades estabelecidas por seus representantes ampliava a distância: a política seguia inacessível. Mas novas portas foram abertas pela internet, onde debates políticos e novas ideias puderam se espalhar. Grupos ativistas, como a Avaaz, ajudaram a amplificar as vozes da sociedade. Em campanhas como a Ficha Limpa, o Código Florestal e os índios Guarani-Kaiowaa, nós começamos a ver sua força.

Algumas pessoas atribuíam a isso o rótulo de “ativismo de sofá”. Porém, a marcha da democracia não acontece só na rua, mas também nas mídias sociais, que levaram o assunto para dentro das casas. Cidadãos que nunca haviam discutido a questão antes estão debatendo política com seus amigos, passaram a agir. A velha política está morrendo e existe agora um novo diálogo, horizontal e contínuo, e uma nova cultura política.

Essa nova cultura está na base das manifestações na rua. Foram tão diversas quanto a timeline no Facebook? Mas existe uma pauta em comum: “Queremos ser ouvidos.” Ninguém aguenta mais uma política envelhecida, corrupta e surda.

O sistema político tem, hoje, duas alternativas. Ou imagina que as manifestações não passaram de um soluço de esperança e mantém seus velhos hábitos, ou se dispõe a uma reforma profunda.

E qual a reforma capaz de dialogar com a nova realidade política? Instituir o financiamento público e reformar o sistema eleitoral é um bom começo. Mas essa nova reforma tem por meta tornar o Brasil uma democracia moderna que se destaque com orgulho no século XXI. O tamanho das manifestações públicas exige respostas ambiciosas. Podemos nos tornar uma nova Atenas.

Esta nova democracia não precisa, como imaginam alguns, substituir o Congresso ou os partidos, mas pode criar canais institucionais para que o povo seja de fato o autor das decisões políticas.

Em pesquisa feita com os membros da Avaaz percebemos que, além de uma reforma política e eleitoral, é enorme o apoio à maior participação da população no Congresso. Mais de 90% dos pesquisados apoiam um mecanismo que dê ao povo o poder de intervir em decisões legislativas.

O Senado deu o primeiro passo nesta direção ao aprovar a PEC que admite assinaturas eletrônicas para que uma lei ou PEC de iniciativa popular seja apresentada no Congresso.

Mas há uma enorme nova agenda a ser construída. Há propostas que criam a iniciativa popular para urgência de proposições – o povo teria o poder de exigir que o Congresso votasse uma matéria. Outras criam consultas públicas colaborativas por canais como a internet, para permitir um diálogo institucional entre a população – que não se contenta mais com o voto a cada quatro anos – e os políticos.

Outro ponto fundamental é o fim do voto secreto. Não se pode mais admitir uma política na qual os eleitos podem se esconder dos eleitores. O momento é de abertura. E este processo não se restringe ao poder legislativo federal: governos locais devem se tornar laboratórios desta nova democracia.

O Brasil de hoje tem todas as condições de recriar seu sistema político, tornando-se um modelo para outros países. Há mais de 2.400 anos, Platão e Sócrates criaram o que nós chamamos de “democracia” hoje. Agora, o Brasil tem a chance de ser o lugar onde a democracia será redescoberta.

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