Nova política de demarcação de terras: saem os índios; entram os ruralistas

Nova política de demarcação de terras: saem os índios; entram os ruralistas

Foto: Alessandro Dantas   Giselle Chassot 14 de dezembro de 2016/15:50

 

O governo Temer prepara a total inversão de toda a lógica sobre a demarcação de terras indígenas no País. Em vez de fazer com que os donos de propriedades rurais sejam indenizados para saírem de áreas que são reconhecidamente indígenas, querem que os povos tradicionais saiam de suas terras e não voltem mais. É como se, de repente, alguém decidisse que a casa de um cidadão deixasse de ser sua e ele precisasse sair porque o imóvel interessa a um grupo econômico mais forte.

A “Proposta de Regulamentação da Demarcação de Terras Indígenas”, que segundo informações divulgadas no último final de semana,  já estaria nas mãos do ministro da Justiça, Alexandre Moraes, paralisa pelo menos 280 processos de demarcação que estão em andamento e, conforme estimativas do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do jeito que está redigido, afetará diretamente 600 terras indígenas.

O texto permite que demarcações já feitas e reconhecidas por governos anteriores sejam contestadas por “interessados”. E mais: tornam ainda regra do Executivo entendimentos jurídicos de ministros do Supremo Tribunal Federal e contestados pela Funai (Fundação Nacional do Índio). Em 2009, o Supremo Tribunal Federal deu por encerrado o processo da demarcação da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, em Roraima. Na sentença foram apontadas 19 condicionantes e outros pré-requisitos para que se cumprisse a homologação da TI com mais de 1,7 milhão de hectares, feita à época pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A tese do marco temporal para a demarcação da TI Raposa Serra do Sol tomou como base conceitos estabelecidos na Constituição brasileira promulgada em 5 de outubro de 1988. Para o STF, os povos indígenas têm direito à posse de seus territórios tradicionais, mas com a condição que a comunidade já esteja ocupando efetivamente o local na data da Constituição de 1988.

Hoje, terras indígenas em avançado processo de demarcação estão sendo questionadas com base nesse marco temporal. Alguns ministros querem aplicar a tese de maneira generalizada, mas o STF não tem unanimidade quanto ao tema.

O pagamento da fatura aos ruralistas é tamanho que mesmo em caso de comunidades indígenas expulsas de suas terras que não conseguiram retornar ao território em 1988 perdem o direito de reivindicá-la.  

“Não vamos aceitar”

A insensatez já está sendo denunciada por entidades como o Cimi, Articulação dos Povos Indígenas (Abip), Articulação dos Povos e Comunidades Tradicionais e Conselho Nacionalde Política Indigenista (CNPI). Todos exigem que o governo ilegítimo retome as demarcações e fortaleça a Fundação Nacional do Índio (Funai).

 

Eles dizem que não foram consultados nem procurados por qualquer órgão governamental para tratar das mudanças que estão avançando a passos largos entre o novo governo. A bancada indígena do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) chegou a se posicionar contra o possível decreto e exigiu que o governo não descumpra a Convenção 169 da Organização Nacional do Trabalho (OIT), que confere aos povos indígenas o direito à consulta prévia, livre e informada em caso de intervenções estatais que afetem seus territórios e suas vidas.

 

“Não vamos aceitar. Queremos o respeito à Constituição, ao nosso direito. Governo declarou guerra contra os povos indígenas e vamos reagir”, declara Tupã Guarani Mbya da Comissão Guarani Yvyrupa, em entrevista à assessoria de Comunicação do Cimi.

 

 Nessa terça-feira (13), a Articulação dos Povos Indígenasdo Brasil (Abip) divulgou nota pública repudiando o que chamam de “macabra decisão do governo ilegítimo de MichelTemer”. De acordo com o documento,  o texto do decreto propõe a  “procrastinar ad infinitum, senão enterrar de vez, o direito territorial indígena e a demarcação das terras indígenas, assegurando a prevalência de artimanhas que empurrarão os povos indígenas à remoção, reassentamento ou expulsão, disfarçadas de legalidade, de seus territórios. Tudo com o objetivo de atender vergonhosamente os interesses da bancada ruralista, do agronegócio, a implantação de empreendimentos de infraestrutura e o esbulho e usurpação dos bens naturais preservados milenarmente pelos povos indígenas, numa total negação de seu direito ao usufruto exclusivo previsto na Carta Magna”.

 

A Apib avalia que o texto soma-se à denunciada proposta de Decreto de reestruturação da Funai, que reduz orçamento, quadro de servidores, desmonte de instituições e políticas públicas “com o objetivo de fragilizar o papel do órgão indigenista, desmoralizar os povos indígenas e seus aliados, e impedir também a continuação das demarcações.

“A Apib entende que contrariamente aos propósitos alegados de que com este Decreto de novos procedimentos para a demarcação estarão sendo superados os conflitos que envolvem povos indígenas e invasores de seus territórios, o  governo Temer está nada mais do que decretando o agravamento dos conflitos, da violência, da discriminação, do racismo e da criminalização contra os povos indígenas, secularmente  privados de seus direitos mais sagrados à vida, à dignidade, a uma identidade cultural e ao espaço físico e imaterial onde, mesmo com as adversidades, têm resistido secularmente enquanto povos diferenciados”, alerta a nota

“Congresso não se toca”

Tradicional defensor das minorias, o presidente da Comissão de Direitos Humanos, Paulo Paim (PT-RS) diz que a bancada de oposição no Senado não vai tolerar, de modo algum, uma proposta que traga prejuízo aos povos indígenas.

 

A senadora Regina Sousa (PT-PI) lembra que é muito interessante para um governo que não quer negociar ou debater que uma mudança dessa monta seja feita por meio de um decreto. “Decreto é a solução mais fácil e mais rápida”, lembra.

 “E o pior é que este Congresso não se toca”, ressaltou, ainda sob os efeitos da sessão do Senado dessa terça-feira (13), que aprovou, sem alterações, o texto da Proposta de Emenda Constitucional que congela os investimentos públicos pelos próximos vinte anos  (PEC da Maldade).

Para a senadora, a saída que resta é a mobilização. “Os povos indígenas não são do tipo que desiste facilmente, eles se mobilizam e nós vamos nos juntar a eles”, garantiu.

Com informações do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil

 

 

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