Número de jovens mortos pela polícia cresce e a sociedade parece não ver

Número de jovens mortos pela polícia cresce e a sociedade parece não ver

Policiais mataram no ano de 2014 ao menos 3.022 pessoas no País – ou oito mortes por diaA assessora jurídica da Liderança do PT no Senado, Tânia Maria de Oliveira, estarreceu-se na terça-feira (29), dia em que a mídia divulgou maciçamente as cenas em que policiais militares do Rio de Janeiro simulam a morte de um jovem, já imóvel no chão, por enfrentamento com a Polícia.

 

Mas, habituado a doses crescentes de violência e barbárie, o brasileiro comum parece anestesiado. “Chacinas e execuções pelas polícias têm se repetido com tal grau de frequência que, passado o velório, o assunto é esquecido”, diz ela no artigo que assina abaixo.

Eduardos  – os meninos e os números da letalidade policial – Tânia Maria de Oliveira

Eduardo de Jesus Ferreira tinha 10 anos de idade quando foi assassinado, no dia 02 de abril de 2015, enquanto brincava na porta de sua casa, localizada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Eduardo Felipe Santos Victor tinha 17 anos de idade quando foi assassinado, no dia 29 de setembro de 2015, em um dos becos do Morro da Providência, Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Além do nome e de morarem em setores pobres da mesma cidade, os meninos têm em comum fazerem parte dos números da brutal e alarmante estatística resultante de pesquisa elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública: foram mortos por policiais.

O 9º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que será oficialmente lançado nesta quarta-feira, dia 07 de outubro, dá conta de que policiais mataram no ano de 2014 ao menos 3.022 pessoas no País, o que corresponde à média de oito mortes por dia. O índice, de acordo com a pesquisa, revela um crescimento de 37% em relação ao ano de 2013.

A violência é um problema social de incidência indistinta, independentemente de classe social, religião, gênero, raça. Por outro lado, se os nossos olhos se voltarem para o tipo específico de violência policial, letal ou não, o cenário é bastante dissemelhante e evidenciador da seletividade com que opera.

Há uma historinha dessas contadas como pérolas sobre a história oficial que quando Hitler tomou a decisão sobre a “solução final”, disse aos seus ministros:

 

“- Este é meu plano: Vamos matar 6 milhões de judeus e dois dentistas.

– Estranho… Porque dois dentistas mein fuhrer? – Perguntaram eles.

Hitler, batendo na mesa e dando um sorriso, respondeu:

– Estão vendo! Ninguém vai perguntar dos judeus!”

 

O caráter cultural do fenômeno da letalidade policial provocada, em larga parte, pela chamada guerra às drogas, disponibiliza um discurso justificador em que a ordem pública está no centro de referência. Por seu turno, quando há flagrante do desvio da conduta, a resposta oferecida pelas autoridades às famílias e à sociedade é sempre escorada na máxima de que se trata de ações isoladas de alguns policiais. As mortes são tratadas como meros episódios do drama geral da violência urbana, examinadas em uma moldura ampla do espectro de danos colaterais no combate à criminalidade.

As mortes dos eduardos e das mais de três mil pessoas em um ano são um perturbador demonstrativo da banalidade da vida humana para o braço armado do Estado. Chacinas e execuções pelas polícias têm se repetido com tal grau de frequência que, passado o velório, o assunto é esquecido.  A opinião pública acostumou-se com elas, tarefa facilitada para uma grande parcela da população pelo fato de que as vítimas são invariavelmente jovens pobres, não brancos, e moradores da periferia. Desse modo, a eliminação dos meninos é facilmente admitida, sobremaneira pela distância social que os separa do restante da sociedade dita incluída, com capacidade de se fazer ouvir e entender pelos que estão no exercício dos cargos públicos.

A manutenção do véu sobre nossas faces não permite revelar e admitir o que há de torpe e inaceitável na estrutura e no próprio processo de formação policial, que se funda na perspectiva do combate e enfrentamento, acionando um aparato repressivo, cuja tônica é o uso da violência como fim em si mesma, praticada sobremaneira contra aqueles que habitam determinados espaços físicos da cidade, em demonstração óbvia de que as ações fazem parte de uma concepção que as antecede, e que está na constituição da formação da territorialidade dos centros urbanos no Brasil.

A morte de um menininho em uma praia da Grécia comoveu o mundo e expôs as vísceras da política migratória europeia. As mortes de meninos nas periferias das cidades brasileiras pelas armas de policiais parecem fadadas ao esquecimento, como seres humanos invisíveis para o sistema e para uma sociedade resignada ao olhar senso comum, em que eduardos são apenas números de uma estatística: a dos seis milhões, não dos dentistas.

 

 

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