Lula terminou seus oito anos de mandato com um nível estratosférico de popularidade, 81%, uma verdadeira façanha política, inédita no Brasil. Fez por merecer. Em seu governo, o país cresceu bem mais que nos períodos históricos recentes. Foram gerados cerca de 15 milhões de empregos formais, o salário mínimo aumentou 58,4% e houve substancial distribuição de renda. Cerca de 20 milhões de brasileiros saíram da miséria extrema e outros 33 milhões passaram a consumir bens antes restritos a nossa pequena classe média tradicional.Ampliaram-se significativamente as oportunidades ofertadas aos que antes eram excluídos.
Em agudo contraste com o período anterior, deixamos de depender do FMI e nos tornamos credores dessa instituição. Acumulamos reservas que nos permitem pagar toda a nossa dívida externa e nos dão certa tranquilidade, na atual crise internacional. Lula entregou a sua sucessora um país mais justo e mais forte.
A imensa maioria da população reconheceu essas inegáveis e amplas melhorias e recompensou Lula com índices muito elevados de popularidade. Infelizmente, o mesmo não aconteceu com seu antecessor. Após assumir o governo com níveis altos de aceitação, graças aos efeitos distributivos de curto prazo do Plano Real, FHC terminou seus oitos anos de mandato com minguados 37% de popularidade. Fez também por merecer, ou desmerecer. Entregou ao seu sucessor um país quase quebrado. Entretanto, isso não o impediu de, recentemente, escrever um artigo acusando Lula de deixar uma “herança pesada para Dilma”. Qualquer semelhança com o mecanismo psicológico da transferência não é mera coincidência. A presidenta divulgou nota pondo as coisas em sua real perspectiva e, por sua vez, acusou FHC de tentar reescrever a história com ressentimento.
Reescrever a história, eis aí uma atividade em que os nossos conservadores estão se esmerando. Com efeito, a julgar pelo que líamos ou ainda lemos sobre o governo Lula nos meios conservadores e dominantes do país, esse período foi o pior da história do Brasil. Nem mesmo a ditadura, perdão, a “ditabranda”, teria produzido, segundo essa ótica distorcida e alienada, resultados tão desastrosos. Os 81% seriam resultado de estupidez coletiva. Mas não basta reescrever a história. Parece que há também tentativas de simplesmente apagá-la.
Descobri isso de modo surpreendente, brincando com um inocente joguinho para crianças, bastante popular na internet e com presença ubíqua em tablets, smartphones e computadores. Trata-se do Akinator. Nesse jogo, as crianças respondem às perguntas dirigidas de um “gênio da lâmpada”, que acaba, dessa forma, “adivinhando” os personagens famosos nos quais elas estão pensando. Normalmente, as crianças pensam em personagens fictícios, como heróis de histórias em quadrinho. Ao final de algumas perguntas, o “gênio”, por um processo de eliminação simples, acaba adivinhando o personagem, que aparece numa imagem. A gurizada acha o máximo. No entanto, apurei que há personagens reais na database do jogo, inclusive políticos e personagens históricos. Por curiosidade, induzi o “gênio” a “adivinhar” o Lula. Porém, ao final das perguntas, em vez de aparecer o nome e a imagem do ex-presidente, fui brindado com a seguinte mensagem: “Sei o que (sic!) você está pensando, mas acho que as crianças não devem jogá-lo”. Levei um susto. Mas como o jogo estava com a opção de proteção infantil ativada, pensei que tal proibição aplicava-se também a outros políticos e personagens reais. Tentei, então, FHC. Para minha surpresa, o “gênio” mostrou o nome e a imagem sorridente do ex-presidente. Tentei Sarney. Tudo certo, nenhuma restrição. Fiz a experiência com Demóstenes Torres, recentemente cassado. Tudo bem, lá apareceu ele. Resolvi “pegar pesado”. Tentei Mussolini, Hitler e Stálin. Nenhum problema, surgiram todos.
Fiquei estupefato. Os beócios que fizeram a versão brasileira do jogo acham que as crianças do país podem saber quem foram FHC, Sarney, Demóstenes e até mesmo Hitler, Stálin e Mussolini, mas não podem ter conhecimento do Lula. Não devem “jogá-lo”, como dizem autoritariamente em seu péssimo português. Inacreditável. O gozado é que, quando o joguinho é jogado sem a proteção infantil, o nome de Lula aparece, mas em letras pequenas e sem nenhuma imagem, ao contrário dos outros políticos e personagens aqui mencionados. Qualquer semelhança com a técnica stalinista de apagar as fotografias de desafetos não é mera coincidência.
Parece bobagem, mas não é. Se o ódio irracional a Lula chegou até mesmo a inocentes jogos para crianças, é porque a coisa é muito séria. Pode-se, é claro, gostar ou não de Lula. Mas querer negar as óbvias realizações de seu governo, ou ainda pior, impedir que seu nome e imagem sejam divulgados, é mais do que alienação. É mais do que revisionismo histórico. É demência política perigosa. Essa demência, nos mostra a História, geralmente conduz aos regimes autoritários e à violência política. Será que é essa a aposta dos que cultivam o ódio a Lula e ao PT? Brigar com a realidade é muito ruim. Deixar-se levar por ódios e ressentimentos, também. E tentar exterminar o passado e a História, como parecem querer os programadores brasileiros do Akinator, a Veja e outros, é pior ainda. Com toda certeza, isso não dará um futuro melhor às crianças brasileiras. Afinal, quem apaga o passado extermina o futuro. Me pergunto se o Akinator é popular no Supremo. Espero que não.