“Ninguém sabia de nada, era tudo novo. Confesso que me desesperei. Tentei lidar, de todas as formas, com o medo, para continuar trabalhando”.
O relato da técnica de enfermagem Márcia de Assis, de 55 anos, retrata um sentimento compartilhado por milhares de profissionais de saúde que, de um dia para o outro, tornaram-se peças principais no combate a um vírus letal e, até então, desconhecido.
Cuidar de pacientes infectados por uma doença respiratória para a qual não havia protocolos criados, ministrar medicamentos em meio a um mar de incertezas, enfrentar colapsos do sistema de saúde, uma sobrecarga de trabalho com risco iminente de contaminação e notificar familiares sobre óbitos com uma frequência inédita.
Essa é a rotina vivida há mais de um ano pela tão citada linha de frente do combate ao coronavírus. Mas, ainda que a frase tenha sido muito falada e ouvida, não deixa claro um marcador social importante: a maioria dos profissionais que estão em contato direto com os pacientes da covid-19 são do gênero feminino.
A maior categoria da área da saúde, a enfermagem, é composta por 85% de mulheres. Os dados do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) mostram que são elas, as enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem, principalmente, que protagonizam o enfrentamento ao vírus cara a cara.
“A maioria dos nossos pacientes estão intubados. Damos banho, controle de 2h em 2h, medicação o tempo todo, mudança de decúbito porque ficam acamados. Esse contato que temos com o paciente é direto, nas 12 horas de trabalho”, conta Márcia de Assis, técnica de enfermagem da UTI-Covid do Hospital das Clínicas da Unicamp.
“É uma sobrecarga absurda. Para entrar em um quarto, tem que se paramentar inteirinha como astronauta”, completa.
Para poder entrar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), ela leva de cinco a dez minutos com os preparativos de segurança.
“Se você sair do quarto e uma bomba ou outro aparelho apitar, tem que paramentar inteirinha de novo. Não estávamos acostumados com toda aquela paramentação, com a máscara N95 que é difícil de respirar. É realmente muito desgastante, fisicamente e emocionalmente”.
O sufoco vivido no início da pandemia se apaziguou conforme mais informações sobre o vírus chegaram e consolidaram protocolos de prevenção e atendimento.
Mãe de uma criança excepcional, Assis afirma que seu principal medo, sentido também pelas outras profissionais, é o de levar a covid-19 para dentro de casa e contaminar familiares. Um contexto que nunca havia imaginado enfrentar ao longo de seus 27 anos na profissão.
Se desdobrando para atender todas as demandas, em nível profissional e pessoal, ela explica que a solidariedade é essencial neste momento de crise sanitária.
“São muitas mulheres que enfrentam o medo, deixam os filhos, a família em casa, e cuidam de pacientes, de pessoas que elas nem conhecem”, conta.
“O que o vírus me ensinou foi proteger também o meu colega de trabalho porque se eu não protegesse, poderia contaminar a mim e a minha família. O cuidar do outro é muito importante”.
A pandemia do novo coronavírus também marcou a trajetória de Mônica Calazans, a primeira pessoa vacinada contra a covid-19 no Brasil.
Enfermeira do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, ela recebeu a Coronavac, produzida pelo Instituto Butatan, em 17 de janeiro, assim que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) liberou o uso emergencial do imunizante.
Mulher, negra, diabética e hipertensa, a enfermeira com décadas de atuação se tornou manchete dos principais jornais do país ao pedir que a população não tivesse medo de receber a vacina e confiasse na ciência.
“Me sinto extremamente orgulhosa porque minha categoria foi reconhecida. É uma representatividade, mas o mais importante é que sou brasileira, luto pela ciência e queria muito que isso [a pandemia] acabasse. Essa é a representatividade que fala mais alto nesse momento”, declara Mônica, de 54 anos.
A profissional exalta a batalha das mulheres da enfermagem. Muitas, assim como ela, que também trabalha na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de São Mateus, conciliam dois empregos e ainda lidam com as tarefas domésticas.
“É uma correria. Doze horas de plantão nos dois lugares. Na linha de frente, a mulherada toca o terror, trabalhamos incessantemente”, diz a enfermeira.
“Estamos nos desdobrando. A maioria tem dois empregos. Não é nem jornada dupla, é jornada tripla. Além dos dois empregos, tem a casa, marido, filho, cuida dos pais”.