Pobre México, tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos.
A frase, atribuída a Porfírio Diaz, ex-presidente mexicano do final do século 19, parece ser o desafio que o México passa a enfrentar, a partir da noite passada, com a eleição de Andres Manuel López Obrador, a quem a direita classifica como um “populista de esquerda”.
Os até agora 54% dos votos que obteve, dão-lhe o dever de ser o intérprete da resistência nacional ao “muro de Trump”, num país onde os ressentimentos com os EUA remontam há quase dois séculos e se expressam na gravura aí de cima, que retrata a chegada das tropas do Exército norte-americano ao Zócalo, centro da Cidade do México – onde esta noite se comemorou a vitória de Obrador – em 1847.
Depois de terem lhes tomado os territórios que são hoje a Califórnia, o Novo México e o Texas, chegaram ao ponto de hastear o pavilhão dos EUA no Palácio Nacional.
Obrador declara abertamente seguir as ideias de Francisco Madero e Lázaro Cárdenas, o presidente que fez a reforma agrária sonhada por Emiliano Zapata e nacionalizou o petróleo mexicano. Teve, como mérito, a sensibilidade de não permitir que a bandeira do combate à corrupção caísse nas mãos da direita, que há décadas usava este caminho com seu Partido da Ação Nacional, afinal desmoralizado por escândalos, como antes foi o Partido Revolucionário Institucional, esteio da independência mexicana por todo o século 20.
MUitos o identificam como o “Lula mexicano” comparação difícil de fazer, mas que guarda alguma semelhança (e não poderia ser muito diferente, quando se aspira o poder pela via eleitoral) porque reuniu um caudal de apoio que juntou nacionalistas, socialistas, reformistas, conservadores, dissidentes de partidos tradicionais, sindicalistas e empresários.
E que, como o “Lulinha Paz e Amor” teve de reconhecer, logo no primeiro discurso, o “respeito aos contratos”, ainda que classifique de ruinosos muitos deles, sobretudo os da entrega do petróleo mexicano feitos pelo atual presidente Peña Nieto.
O apoio a Obrador, porém, foi tão intenso e os resultados parlamentares tão expressivos, que há quase a certeza de que fará mudanças político-econômicas sensíveis logo no início de seu governo, em dezembro.
Seja como for, a segunda maior economia da América Latina passa a ser governada por uma plataforma política abertamente assentada na justiça social e no combate ao neoliberalismo.
Uma grande vitória do povo mexicano, fora do futebol, onde, lamento, espero que não tenham a mesma sorte, daqui a pouco.