A cidade vibra com “Avenida Brasil”, discute sem empolgação o “julgamento do século” e xinga o trânsito e a violência. A eleição vai esquentando, enquanto a mãe busca a criança na creche, a outra prepara o jantar, o outro vai para a fila do posto de saúde, um casal compra uma casa e alguém é traído. A vida continua.
O Congresso meio que para, e os políticos mergulham nas campanhas. Entrementes, um grupo de senadores se reúne para analisar a proposta de um novo Código Penal. Trabalham num anteprojeto, elaborado em sete meses e em dezenas de audiências públicas por uma seleta comissão de juristas convidados pelo presidente Sarney e liderados pelo ministro Gilson Dipp, do STJ.
Os juristas apresentaram um excelente trabalho ao reorganizar, sistematizar e harmonizar o Código Penal, da época da ditadura Vargas. Ousaram tratar dos temas contemporâneos e polêmicos, mas foram tímidos na busca de alternativas às penas, além do encarceramento. O trabalho na comissão presidida pelo senador Eunício Oliveira e com relatoria do senador Pedro Taques será árduo.
Se, na proposta, há um tratamento mais adequado à questão do aborto, há o risco de retrocessos com relação à Lei Maria da Penha – como os maiores efeitos conferidos ao perdão da mulher ofendida.
Se há a justa criminalização da homofobia, há também momentos de desproporcionalidade, com penas muito graves para crimes menos ofensivos. Se há a salutar proteção às vítimas, há também um perigosíssimo acirramento das regras para a progressão dos regimes de prisão, que resultará na explosão dos presídios.
Finalmente, se há a definição de crimes da modernidade, como os cibernéticos, há também a definição de novos crimes que avançam sobre condutas que devem ser amparadas por relações familiares, e não pelo direito penal.
A forte percepção de insegurança leva a sociedade a clamar por penas mais rigorosas como solução para a criminalidade. Mas a impunidade não tem relação com o tamanho das penas, e sim com a capacidade de investigação policial.
A resposta à violência está em políticas públicas que fortaleçam a ação da polícia, somadas a outras que deem aos cidadãos, sobretudo aos jovens, perspectiva de vida e valores culturais que promovam a paz social. O desafio é não sucumbirmos às pressões, tanto da exasperação social para pôr fim à violência (na linha do aumento de penas para abarrotar prisões já atulhadas) quanto do temor a reações estridentes de setores conservadores ao avançarmos em pontos polêmicos – como aborto, homofobia e drogas, bem colocados pelo anteprojeto.
A vida continua e o novo Código Penal deve projetar o futuro que queremos.