ARTIGO

O parvo de Davos

Bolsonaro está destinado a ser apenas mais um cara, um parvo subserviente a militar por um mundo mais conflagrado, mais autoritário e mais injusto
O parvo de Davos

Foto: Divulgação

Se o discurso de Lula em Davos, no ano 2003, entrou para a história como um dos mais importantes pronunciamentos feitos naquele Foro Econômico, o de Bolsonaro destacou-se pelo exato oposto: foi, na opinião praticamente unânime dos observadores internacionais, um dos discursos mais decepcionantes realizados por um Chefe-de-Estado. Um fracasso retumbante destacado por todos os jornais do mundo.

Fazendo jus à sua proverbial incapacidade de articular qualquer discurso mais consistente, Bolsonaro espremeu penosamente, em apenas 8 minutos, um conciso e morno festival de platitudes vazias, misturadas com informações equivocadas. Justiça seja feita, a tortura intelectual durou pouco. Ficou, no entanto, a eterna vergonha mundial.

Foi a estreia internacional da parvoíce provinciana. Um discurso à altura de um histórico deputado do baixo clero. O pronunciamento de um estadista às avessas.

O discurso mais parece um somatório confuso de twitters, tamanha a sua mediocridade. Mediocridade acentuada pelo grande carisma e a brilhante eloquência do capitão.

Além das obviedades vazias (“vamos reduzir a carga tributária” (como?), “vamos equilibrar as finanças públicas” (como?), “vamos privatizar” (o quê?), “vamos abrir a economia” (de que forma?), as quais decepcionaram o mercado, que esperava mais detalhes sobre o que irá fazer, Bolsonaro veiculou informações “equivocadas” em seu patético pronunciamento.

 

Destaco algumas.

 

  • “Nas eleições, gastando menos de 1 milhão de dólares e com 8 segundos de tempo de televisão, sendo injustamente atacado a todo tempo, conseguimos a vitória. ”

Bolsonaro não menciona o uso de dinheiro sujo, em torno de R$ 13 milhões, de acordo com a famosa reportagem da Folha de São Paulo, para divulgar fake news absurdas contra seu adversário de segundo turno, Fernando Haddad. Lacuna imperdoável.

 

  • “Pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados. Honrando o compromisso de campanha, não aceitando ingerências político-partidárias que, no passado, apenas geraram ineficiência do Estado e corrupção. ”

Essa passagem suscita dúvidas cartesianas. Quais seriam os ministros qualificados? O astronauta que vende travesseiros? A equilibrada Damares? O chanceler pré-iluminista? O ministro de Educação colombiano que é discípulo do insigne astrólogo Olavo de Carvalho? Essa equipe de iluminados não tem ideologia e preferências políticas? Mistério insondável.

 

  • “Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós.”

De onde a armada Bolsoleone tirou essas informações, não sei. Mas é fato que a Rússia tem cerca de 3 milhões de quilômetros quadrados a mais que o Brasil de florestas. Também é fato que ninguém considera o Brasil como o “país que mais preserva o meio ambiente”. De acordo com o Environmental Performance Index (EPI), produzido pelo Yale Center for Environmental Law & Policy, o Brasil não figura nem entre os 20 países mais ambientalmente amigáveis do mundo. O Brasil também não entra na lista dos países que têm, proporcionalmente, mais área protegida. A campeã, nesse quesito, é (surpresa!) a Venezuela, que tem 53,9% da sua área preservada. Em contraste, o Brasil teria, de acordo com o respeitado instituto, apenas 28,44% da sua área realmente preservada.

 

  • “Nossas relações internacionais serão dinamizadas pelo ministro Ernesto Araújo, implementando uma política na qual o viés ideológico deixará de existir.”

Como assim? O chanceler templário, discípulo do insigne astrólogo e admirador incondicional de Trump, não tem ideologia e preferência política? Não está em santa cruzada contra o “marxismo cultural” e o iluminismo? Não vai mais transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, emulando os EUA? Será que a Liga Árabe, que já anunciou retaliação ao Brasil, acredita nisso? Que decepção!

 

  • Vamos defender a família e os verdadeiros direitos humanos; proteger o direito à vida e à propriedade privada e promover uma educação que prepare nossa juventude para os desafios da quarta revolução industrial, buscando, pelo conhecimento, reduzir a pobreza e a miséria.

Como assim? Existem “falsos” direitos humanos? Quais seriam? Seriam aqueles que eram defendidos, entre outros, por Marielle Franco? Seria esse o motivo de seu assassinato? Como a juventude será educada para os desafios da quarta revolução industrial se a Emenda Constitucional n° 95 reduz estruturalmente os investimentos públicos nessa área estratégica, assim como em outras? Outro mistério.

Mas a grande enganação de Bolsonaro está, em nosso entendimento, nessa singela e poética passagem:

“Quero mais que um Brasil grande, quero um mundo de paz, liberdade e democracia.”

Creio que Bolsonaro não conduz a um Brasil grande. Ao contrário, sua política externa coloca o país na órbita geoestratégica dos EUA de Trump, e tende a torná-lo pequeno, desprezível.

Também pelo mesmo motivo, o governo Bolsonaro não contribuirá para um “mundo de paz, liberdade e democracia”. Ao contrário, se somará a Trump na geração de uma ordem internacional mais unilateralista, belicista e autoritária. Com sua atitude agressiva contra a Venezuela, deverá contribuir até para transformar a América do Sul, um subcontinente de paz, num novo Oriente Médio.

Não. Bolsonaro jamais será “o Cara”, como Lula foi e é. Não chegará nem perto. Jamais terá o respeito do mundo. Na realidade, ele suscita apenas medo, repulsa e incredulidade.

Ele está destinado a ser apenas mais um cara, um parvo subserviente a militar por um mundo mais conflagrado, mais autoritário e mais injusto.

Nos livros de História, entrará como triste e medíocre nota de pé de página. Como seu discurso.

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