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O que significa a desnacionalização da Embraer

Governo Temer tenta apresentar proposta de venda da empresa pública brasileira como um grande triunfo da Nação
O que significa a desnacionalização da Embraer

Foto: Divulgação

Numa manobra midiática e semântica que faria corar Goebbels, o governo tenta golpista tenta apresentar a desnacionalização da Embraer, nossa principal empresa de alta tecnologia, como um grande triunfo da Nação.

Chegam até a dizer que o presidente “exigiu” que a Boeing tivesse “só” 51% da Embraer, justamente o número mágico que dá a Boeing total controle sobre a empresa. Ou seja, Temer “exigiu” que a Boeing controlasse a Embraer. Poderia ter vetado a desnacionalização, simplesmente usando do poder conferido pelas ações golden share, em poder da União.

De fato, tal poder assegura o a possibilidade de veto do governo ante as seguintes situações: mudança de denominação da Companhia ou de seu objeto social; alteração e/ou aplicação da logomarca da Companhia; criação e/ou alteração de programas militares, que envolvam ou não a República Federativa do Brasil; capacitação de terceiros em tecnologia para programas militares; interrupção de fornecimento de peças de manutenção e reposição de aeronaves militares; e transferência do controle acionário da Companhia.

Contudo, fazendo jus ao seu entreguismo desavergonhado, o governo golpista resolveu “exigir” que a Boeing adquirisse “apenas” 51% da empresa. Uma reação de estadista.

Para o público leigo, isso tudo pode parecer apenas uma operação comercial banal. A venda de uma empresa que produz aviões comerciais civis. No entanto, tal desnacionalização tem profundas implicações sobre a soberania nacional e o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil.

É preciso salientar que, em todo o mundo, empresas que desenvolvem tecnologia dual e militar, como a Embraer, são rigidamente reguladas por seus governos, dado o evidente caráter estratégico de sua produção. A Boeing, por exemplo, que tem contratos bilionários com o governo norte-americano, pois produz material militar de alta relevância estratégica, é rigidamente controlada pelo governos dos EUA. A Boeing não pode repassar tecnologia para outros fabricantes e países, a não ser que seja autorizada pelo governo dos EUA. Também não pode desenvolver produtos com outros países, a não ser que tenha autorização específica para tal. Isso é válido para todas as empresas que desenvolvem tecnologia sensível.

O governo dos EUA chega ao cúmulo de obrigar países que queiram lançar satélites para os norte-americanos a assinar acordos de salvaguardas tecnológicas, que impedem até que os representantes de tais países possam adentrar as áreas de lançamentos. O Acordo de Alcântara é um exemplo disso.

Assim, os norte-americanos protegem ferozmente a sua tecnologia estratégica e militar. Isso inclui todas as empresas que as desenvolvem. Por isso, os EUA regularmente vetam que essas empresas sejam entregues, ou que tenham participação expressiva de governos ou empresas estrangeiras. Ressalte-se que tais vetos não se aplicam apenas a empresas que produzem material militar, mas a qualquer empresa que dispunha de tecnologia com “potencial” de uso militar. Recentemente, o governo Trump vetou a compra da Lattice Semiconductor Corp, uma fabricante de microchips, pela Canyon Bridge Capital Partners, depois que descobriu que esse fundo tinha participação chinesa.

Observe-se que a Laticce não tinha mais contratos com o Departamento de Estado dos EUA, mas como sua tecnologia é de uso dual (civil e militar), Trump simplesmente proibiu o negócio. Obviamente, o governo norte-americano jamais permitiria que a Boeing fosse comprada por chineses ou quaisquer outros estrangeiros. Lá, a soberania nacional, que aqui é vista como uma preocupação “ridícula e ultrapassada”, é levada muito a sério. É que o há de mais moderno. É o que sustenta a maior máquina militar do planeta e o desenvolvimento tecnológico daquele país. Com efeito, quase tudo o que os EUA desenvolveram em alta tecnologia nos últimos 50 anos foi realizado na área militar e aeroespacial, inclusive a internet, GPS, microchips, satélites, foguetes, mísseis, tecnologia stealth, aviônicos, novos materiais, etc. A lista é infinita.

Nossos beócios de plantão acham que daria para separar a parte civil da Embraer da área militar, preservando essa última. Isso é de uma cretinice inacreditável. A tecnologia é de uso dual. O que se desenvolve na área civil vai para área militar e o que se desenvolve na área militar vai eventualmente para a área civil. Nas fábricas de aeronaves, muitas vezes a montagem dos produtos militares e civis é feita no mesmo espaço.

Quase todo o êxito da Embraer na fabricação de jatos comerciais civis provém de investimentos feitos na área militar, quando a Embraer ainda era uma empresa estatal. Com feito, muito acreditam que a Embraer só passou a fazer produtos competitivos após a privatização. Engano crasso. A Embraer, nascida dos investimentos feitos pelos militares no CTA e no ITA, começou a produzir produtos competitivos já ao final da década de 1960.

Antes de ser privatizada, a Embraer já produzia o Bandeirante, o Xingu, o Brasília, o Tucano e, inclusive, o caça subsônico AMX, desenvolvido em conjunto com italianos, o qual permitiu à Embraer o desenvolvimento de tecnologia de trens de pouso, aviônicos e estrutura de asas. Essas aeronaves fizeram sucesso em seu tempo e tornaram a Embraer uma empresa conhecida em todo o mundo. A crise da Embraer só adveio do fato de que ela foi sucateada, ao final da década de 1980. Os governos simplesmente deixaram de investir na empresa, já preparando o terreno para a sua privatização.

O êxito dos jatos regionais da Embraer teria sido impossível de ser obtido sem a tecnologia desenvolvida nesses projetos anteriores, principalmente a tecnologia desenvolvida nos projetos militares da Embraer. Ressalte-se que a tecnologia aeronáutica desenvolve-se mais na área militar que na área civil. E isso por uma razão muito simples. A área militar exige o desenvolvimento de tecnologia inédita, de ponta, que crie vantagem estratégica, em caso de conflito bélico. Por tal razão, o Departamento de Estado dos EUA gasta centenas de bilhões de dólares estimulando empresas como a Boeing a desenvolverem tecnologias inéditas, que deem aos produtos norte-americanos vantagens nítidas e insuperáveis no campo de batalha.  Só depois é que parte dessa tecnologia vai para a área civil.

Com o controle da Embraer pela Boeing, todos os projetos militares da Embraer, presentes e futuros, serão afetados. O Grippen e o KC-390, em particular, deverão sofrer modificações. Passarão a ser projetos norte-americanos, em última instância. No caso do Grippen, é pouco provável que a Embraer absorva a tecnologia relevante dos suecos, face à nova realidade da empresa. Tudo ficaria com a Boeing. O futuro do KC- 390 passa a ser nebuloso, pois concorre diretamente com um avião norte-americano, o Super Hércules, da Lockheed. No que tange à comercialização dos Super Tucanos, aumentarão as pressões para que tais aviões não sejam vendidos para países desafetos dos EUA. Enfim, todo o esforço de décadas para que o Brasil tivesse tecnologia e própria autonomia em área tão sensível será jogado fora.

Com o tempo, a Embraer , tanto em sua divisão civil quanto militar, deverá se transformar em mera subsidiária da Boeing, uma gigante da aviação que conta com contratos bilionários de seu governo para desenvolver tecnologia. A Embraer será uma empresa sem autonomia e sem nenhuma capacidade tecnológica própria.

O Brasil perderá, assim, a sua principal empresa de alta tecnologia. Um dano irreparável, com consequências estratégicas de longo prazo para o desenvolvimento tecnológico autônomo e a soberania nacional. Porém, o “mercado”, esse somatório de lemingues vorazes e estúpidos, vai aplaudir, pois se ganhará muito dinheiro, no curto prazo.

Não surpreende, no entanto, a decisão do governo golpista.

Ao que tudo indica, setores das Forças Armadas, hoje hegemônicos com o golpe, renunciaram ao desenvolvimento tecnológico relativamente autônomo e, agora, apostam numa relação de dependência com os EUA para o seu reaparelhamento.  Nesse diapasão, o Ministério da Defesa do Brasil e o Departamento de Defesa dos EUA assinaram o Convênio para Intercâmbio de Informações em Pesquisa e Desenvolvimento, ou MIEA (Master Information Exchange Agreement), na sigla em inglês. Com tal decisão, o governo do golpe investirá na cooperação com os EUA, como forma de “desenvolver” nossa indústria de defesa. Na prática, isso significa renunciar a ter real autonomia no campo do desenvolvimento industrial e tecnológico da defesa nacional. A realização de manobras na Amazônia com a participação esdrúxula e inédita dos EUA complementa o quadro da nova subserviência estratégica.

Com o golpe, viramos quintal. E quintal não desenvolve tecnologia. Apenas absorve tecnologia obsoleta, quando permitido pelos donos.

Tínhamos a Embraer, um orgulho nacional. Agora, passaremos a ter a “Boeing do Brasil”, uma mácula em nossa autoestima e um obstáculo ao nosso desenvolvimento e à nossa soberania. E vem mais por aí. Afinal, a fome dos nossos vira-latas é insaciável.

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