O silêncio que leva à barbárie – por Rui Falcão

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo nesta terça-feira (16), o presidente do PT, Rui Falcão, enumera as barbáries cometidas pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) no Congresso Nacional, que culminaram com a agressão à deputada Maria do Rosário (PT-RS) na semana passada. Na ocasião, o parlamentar carioca afirmou à colega que não iria estuprá-la porque ela “não merece”.

Falcão defendeu não apenas o pedido de cassação, mas responsabilizar Bolsonaro criminalmente. “Em qualquer país democrático, as leis e os limites garantem a liberdade e a vida em grupo. Não se constrói uma nação se nos submetermos ao horror, à barbárie e ao ódio”, conclui o texto.

Leia, abaixo, a íntegra do artigo.

A mulher brasileira e a dignidade humana foram covardemente atacadas na semana passada em plena Câmara Federal. Basta! A sociedade brasileira não pode se calar diante da disseminação do ódio.

Ao vociferar com o dedo em riste e aos berros contra a deputada e ex-ministra Maria do Rosário (PT-RS), Jair Bolsonaro (PP-RJ) foi muito além da quebra do decoro parlamentar. Incitou ao estupro. Não se trata de opiniões em confronto. Trata-se de defender o crime e a barbárie.

Em 2003, durante entrevista, os parlamentares se desentenderam na frente das câmeras. O deputado disse, pela primeira vez, que não a estupraria porque ela não merecia. Indignada, a deputada se aproximou, foi empurrada e xingada.

Na terça-feira passada (9), Bolsonaro mais uma vez disparou covardemente ameaças e ofensas contra a deputada. Mais que isso: atacou a honra da presidenta da República e achincalhou direitos humanos universais mais uma vez.

Em 1999, Bolsonaro pediu o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso e o fechamento do Congresso. Ficou impune.

Anualmente, mais de 50 mil estupros são registrados no país, número estarrecedor, mas subestimado, segundo as autoridades. A cada dez minutos uma pessoa é vítima de estupro no Brasil: em festas para calouros de renomados cursos universitários, nos lares e nas ruas de pequenas e grandes cidades.

O estupro é uma chaga social alimentada por posturas intolerantes, machistas e criminosas de trogloditas. O Brasil não quer e não deve conviver mais com isso.

As cenas de Bolsonaro atacando a deputada compõem o ápice de uma encenação tosca e rasteira tolerada há décadas pelo silêncio do Congresso. Durante anos a sociedade tem acompanhado suas reiteradas declarações ofensivas contra mulheres, negros e homossexuais.

De forma reincidente, Bolsonaro discrimina, induz e incita a discriminação étnica, racial e de gênero. É um expoente contra os avanços da civilidade e a consolidação dos direitos da mulher e dos negros –foi contra a ampliação da licença maternidade e das cotas.

A sociedade brasileira, os movimentos sociais, homens e, sobretudo, as mulheres não podem se calar. É preciso agir contra o crime e a incitação a ele. O estupro é, para Bolsonaro, um direito exercido pelo “macho” quando elege a mulher-alvo como merecedora.

O Congresso e a sociedade compactuam com isso? Os eleitores do Rio, que elegeram Bolsonaro, concordam com isso? Não cassar esse deputado é dar sinal verde ao crime. Mesmo depois das declarações de congressistas em repúdio à atitude de Bolsonaro, não abrir um processo de cassação contra ele é institucionalizar o ódio que se pretendeu instalar no país ao longo dos últimos meses.

PT, PCdoB, PSB e PSOL ingressaram com pedido de cassação do mandato de Bolsonaro. Para esses partidos, o deputado ameaça veladamente a deputada, incorre em crime e atenta diretamente contra a humanidade. A gravidade do episódio caracteriza uma situação de perseguição, discriminação odiosa, incompatível com as responsabilidades e atribuições parlamentares.

Não basta o pedido de cassação. É preciso responsabilizar Bolsonaro criminalmente. Em qualquer país democrático, as leis e os limites garantem a liberdade e a vida em grupo. Não se constrói uma nação se nos submetermos ao horror, à barbárie e ao ódio.

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo

To top