A relatora da matéria e autora do pedido da audiência, senadora Gleisi Hoffmann, pediu, ao final do debate, que as contribuições para o texto sejam apresentadas até a próxima segunda-feira. Ainda de acordo com a parlamentar, o relatório prévio deve ser entregue aos parlamentares da comissão mista que analisa o tema até o dia 10, quando haverá reunião, às 14h30. Caso haja pedido de análise por algum parlamentar, o texto será apreciado no dia seguinte.
A nova lei exige que as ONGs participem de processo seletivo (chamada pública) e cumpram uma série de exigências para celebrar convênios com os governos. Entre os requisitos estão, por exemplo, a comprovada experiência no serviço a ser prestado, a “ficha limpa” e, pelo menos, três anos de criação. As regras pretendem evitar o favorecimento de grupos específicos e a escolha de entidades sem preparo técnico ou estrutura para o cumprimento dos projetos.
As chamadas públicas, no entanto, exigem regras rígidas que podem, na verdade, encarecer o processo de contrato com organizações da sociedade civil. Segundo o secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, Diogo de Sant’Ana, a dispensa desse chamamento não seria uma diminuição da transparência. “Pelo contrário. Na verdade, o chamamento até perde o sentido de economicidade na medida em que essas políticas são executadas muito mais num ambiente de escassez de serviços”, explicou, exemplificando com os serviços de saúde prestados pelas Santas Casas.
Segundo o diretor-executivo da Confederação Nacional de Municípios, Gustavo Cezário, a complexidade que a MP apresenta em relação a projetos básicos chega a ser tão amplo quanto as licitações abertas pelas administrações públicas, que são regidas pela Lei 8.666/1993. “Num primeiro momento, o que a gente escuta dos nossos prefeitos é que vai haver dois lados: o lado ruim, porque não teremos como enviar recursos às entidades que auxiliam nos serviços de saúde, como a Santa Casa; e por outro lado vai ser bom, porque para aquelas que a gente já não tem recursos para nada, a gente vai chegar e dizer que com essa lei a gente não consegue”, disse.
Em relação à prestação de contas, o secretário-Executivo da Controladoria-Geral da União (CGU), Carlos Higino, afirmou que é preciso adotar um modelo simplificado. Segundo ele, cerca de 80% das parcerias entre ONG e governos correspondem a valores inferiores a R$ 600 mil. “Hoje, o Poder Público muitas vezes demora demais para analisar prestação de contas e, às vezes, quando pede esclarecimentos, já se torna extremamente difícil que a organização consiga prestar adequadamente esses esclarecimentos”, disse.
Para o senador José Pimentel (PT-CE), é preciso discutir também a forma como será feita inspeção das contas das ONGS. “Uma coisa é nós pegarmos uma entidade que movimenta R$40 milhões por ano em convênio, outra é uma entidade que movimenta R$ 200 mil”, disse. Pimentel afirmou ainda que é preciso haver um sistema de fiscalização que não seja caro ao governo, exemplificando que a criação de um sistema simples de acompanhamento de nota fiscal neste setor “zera toda e qualquer fraude”. “Porque você tem uma tabela de preços já automatizada, um conjunto de mecanismos que você rapidamente identifica quem está tendo ações que não são razoáveis”, explicou.
Ainda relativo ao tema, a diretora de Ação Educativa da Associação Brasileira de Organizações não Governamentais (Abong), Vera Masagão, mostrou preocupação quanto à prescritibilidade na prestação de contas. As organizações propõem que a exigência para provar os gastos com recursos públicos sejam cobrados em até cinco anos. De acordo com Masagão, atualmente, entidades são chamadas a devolver recursos que foram gastos de forma correta, “mas ela não tem mais em 10, 11 anos depois, como provar que aquilo foi adequado”.
Também está previsto na MP que os órgãos públicos tenham regras mais rígidas para repassar recursos para as entidades. Por exemplo, eles não poderão firmar parcerias com entidades que tiveram as contas rejeitadas nos últimos cinco anos, punição relacionada a parcerias anteriores ou dirigentes cujas contas tenham sido rejeitadas em decisão irrecorrível.
Para Gleisi, a preocupação com a formulação de uma boa proposta vai além do controle e da boa execução dos recursos públicos. Ela lembrou que o debate sobre o tema começou quando ainda era ministra da Casa Civil, com o objetivo de coibir desvios de recursos públicos. “Quando se começa a fazer essa discussão e aprofundar, são feitas muitas exigências [às entidades]”, explicou. No entanto, ela acrescenta que deve haver razoabilidade de não querer transformar entidades em órgãos públicos, ou seja, com a mesma forma de execução.
A comissão que analisa a MP 658/2014, que já recebeu 59 emendas, é presidida pelo deputado Marcelo Castro (PMDB-PI). A medida foi editada a pedido das ONGs e de órgãos governamentais, que queriam mais tempo para se adequar à nova legislação – de acordo com a lei original, as novas regras valeriam a partir do fim de outubro. De acordo com a Abong, em 2010, havia no Brasil 290,7 mil dessas entidades em funcionamento, e 18,6% delas atuavam em áreas de políticas públicas de saúde, educação, pesquisa e assistência social.
Carlos Mota