Foi a primeira vez que a Força Aérea Brasileira (FAB) realizou um lançamento múltiplo na região Yanomami. A operação, nesta terça (24), resultou na chegada de 9.874 quilos de cestas básicas e mais de 3 toneladas de medicamentos e materiais hospitalares nas aldeias yanomami. Essa é uma das ações integradas dos ministérios para enfrentar o caos nas terras Indígenas (TI) Yanomami, em Roraima, sobre as quais foi decretado estado de emergência pelo governo federal no último final de semana.
Sob a coordenação do Ministério da Defesa, um avião C 105 da Aeronáutica, operado pelo Esquadrão Onça, em sobrevoo baixo, fez o lançamento dos produtos, suportados por paraquedas. Foi na região de Surucucu, de difícil acesso. Todo o material – caixas com soro, gases, seringas e outros suprimentos médicos, assim como as cestas básicas – foi resgatado por helicópteros e transportado para as diversas aldeias.
“Com o lançamento múltiplo, conseguimos levar uma maior quantidade de carga e, principalmente, de forma célere, uma vez que diversos procedimentos são reduzidos. Hoje, conseguimos, de uma só vez, transportar 5 cargas às tribos necessitadas. Um feito inédito para o nosso Esquadrão”, relataram, orgulhosos, os pilotos responsáveis, capitães Vitor Graeff e Renê Luiz Pereira Da Costa. Eles também transportaram o combustível necessário para o deslocamento contínuo dos helicópteros pela região, onde médicos da Aeronáutica e de outros órgãos de governo atendem a população indígena.
Ação conjunta
Vários ministérios fazem parte da força-tarefa. Os profissionais da Força Nacional do SUS (Sistema Único de Saúde) classificaram por prioridade as doenças que precisam ser debeladas. A pneumonia, responsável por um terço das mortes de crianças yanomami nos últimos anos, a diarreia, a febre da malária e a insuficiência respiratória são cuidadas em primeiro lugar, enquanto as equipes reduzem o grau de desnutrição, principalmente no público infantil. Já são 44 mil casos de malária em menos de dois anos numa área habitada por pouco menos de 30 mil indígenas. Levantamento do Ministério Público Federal (MPF) aponta que mais da metade das crianças yanomami está desnutrida.
O socorro acontece num hospital de campanha, montado na Casa de Saúde Indígena (Casai). Cerca de 800 yanomami estão ali, num espaço originalmente projetado para abrigar 200. Equipes que chegam ao local percebem que, além dos pacientes, seus acompanhantes demonstram sintomas como fome e fraqueza. E atestam que a falta de profissionais nas unidades de saúde, até o início do ano, agravou o quadro geral de doenças e o número de óbitos na região.
Genocídio investigado
Em outra frente, a Polícia Federal (PF) abriu investigação para apurar o que levou à crise humanitária entre os yanomami e à explosão do garimpo ilegal na região, com mais de 20 mil invasores, fator decisivo para a profusão de doenças e mortes. O objetivo do inquérito, requisitado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, é encontrar os responsáveis pela omissão e pela desassistência aos indígenas. São dois eixos: apurar quais gestores foram omissos e saber quem são os patrocinadores do garimpo ilegal na região, o que também pode levar à participação de agentes públicos.
Um exemplo da omissão é a falta de convocação anterior da Força Nacional do SUS, que existe desde 2011 e serve exatamente para atuar em casos graves como esse. É responsabilidade do ministro da Saúde convocar essas equipes. E, como já foi provado desde o final de semana, não faltaram alertas, denúncias, desde 2019, da situação de calamidade vivida pelos yanomami.
Há mais exemplos. Sabe-se que nos últimos anos não se providenciou a quantidade necessária de medicamentos contra verminoses. Para piorar, várias unidades de saúde indígena tiveram que ser fechadas por causa dos garimpeiros ilegais, que inclusive atacaram essas casas. Isso sem contar a negativa da Funai, em 2021, ao pedido da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para levar assistência aos yanomami, após denúncias de entidades de defesa dos direitos indígenas sobre doenças e falta de remédios na região.
Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Humberto Costa (PE) visitou aldeias, realizou audiências públicas, denunciou algumas vezes o abandono dos yanomami no governo anterior. Ainda assim, ficou chocado com a revelação recente de que a dupla Damares e Bolsonaro, ex-ministra e presidente, vetou o envio de água potável aos yanomami em meio à tragédia do envenenamento dos rios.
“Um visitou um garimpo ilegal em Roraima, vetou água e leitos de UTI a indígenas em plena pandemia e trabalhou contra a demarcação de terras. O outro criou um ministério específico dos povos originários, visitou as terras yanomami e levou ajuda humanitária. Você sabe quem é quem”, publicou nas redes sociais, comparando Bolsonaro e Lula.
A propósito, a gestão bolsonarista do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) também será investigada. De acordo com o MPF, havia um plano para acabar, em 6 meses, com o garimpo ilegal nas TI Yanomami. Só que esse plano, que envolvia logística e fiscalização do órgão nas aldeias, nunca foi colocado em prática, atestam os membros do MPF em Roraima.
Sob nova direção
Enquanto a PF toca a investigação, o Ibama, sob nova direção e política, promete dar cabo do garimpo ilegal. Assim como a assistência emergencial aos yanomami, essa operação será conjunta, anunciou a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. Para acabar com a ação criminosa que polui rios, espanta animais de caça e ameaça, vicia e alicia indígenas, a ministra conta com a ajuda da PF e dos ministérios do Meio Ambiente e da Defesa. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Sonia Guajajara afirmou que o plano é “retirar invasores e manter uma base permanente de fiscalização para evitar a volta dos garimpeiros ao território”.
Antes de executar o plano, a ministra faz uma limpeza no principal órgão que cuida dos povos indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas.
“Começamos a desfazer a militarização da Funai feita na gestão passada. Hoje [terça-feira, 24] foram demitidos 43 militares que vinham tomando ações contrárias à missão de assegurar os direitos dos povos indígenas. Uma equipe comprometida é essencial para a proteção dos nossos povos e territórios”, justificou. Ao todo, já são 54 afastamentos na Funai, publicados no Diário Oficial da União.