A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) alertou, no plenário do Senado, que o pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff capitaneado pela oposição baseia-se numa conjectura. A de que, no ano de 2015 o governo utilizou-se do instrumento contábil conhecido como “pedaladas fiscais” para fechar o caixa. “Acontece que as contas de 2015 sequer foram analisadas pelo Tribunal de Contas da União”, disse ela, lembrando que a argumentação para a solicitação do impedimento é baseada numa decisão de 2014 que ainda não foi votada pelo Senado.
“É uma conjectura jurídica de quem está apresentando”, reforçou a senadora. Ela disse ainda que os decretos de créditos suplementares – também contestados pela oposição – foram regularizados quando foi votado e aprovado pelo projeto de Lei (PLN 5/2015), que alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015 e revisou a meta de economia para pagar os juros da dívida (o chamado superávit primário). Dessa forma, segundo a senadora, não cabe ao Congresso questionar a legalidade dos decretos depois de ter aprovado um projeto de Lei do Congresso Nacional regularizando todos os créditos suplementares e complementares extraordinários.
“Que contradição é essa? Nós regularizamos os créditos, e, depois, a oposição, que, aliás, votou no PLN 5, diga-se de passagem – votou no PLN 5, não votou de forma contrária; a oposição votou no PLN 5 –, atesta que isso é base para que se faça o processo de impeachment”, estranhou Gleisi. A senadora lembrou que a oposição votou favoravelmente á proposta. “É importante dizer isso”, assegurou.
Ela enfatizou que, por tudo isso, há que se falar em golpe. “Por isso não ter base legal e por considerarmos isso ilegal e inconstitucional, que se está dizendo que é uma postura de golpe. E não somos nós que estamos dizendo que é uma postura de golpe., são as manifestações não só de brasileiros, mas de instituições”, destacou, lembrando que ,entre os que se manifestaram contra a deposição da presidenta Dilma estão o o Diretor-Geral da OEA, Luis Almagro; Susana Malcorra, Chanceler da Argentina; Ernesto Samper, Secretário-Geral da Unasul; Alicia Bárcena, da Cepal; o ex-Presidente Mujica; a ex-Presidente Cristina Kirchner; o ex-Presidente Felipe González; o ex-Presidente Massimo D’Alema; José Miguel Insulza, da OEA; Ricardo Lagos; Evo Morales; Nicolás Maduro; Rafael Correa; Adolfo Pérez Esquivel. Além disso, recordou, há editoriais em jornais, como Der Spiegel, Le Monde, El País e o próprio New York Times. “Não somos nós que estamos dizendo isso. Esses meios de comunicação usam exatamente esta palavra: golpe”, insistiu.
Carta de Curitiba
Gleisi Hoffmann também registrou a Segunda Carta de Curitiba, divulgada nessa terça-feira (22) durante evento na Universidade Federal do Paraná. Foi da mesma universidade que saiu a primeira carta, em 1972, em que a OAB divulgou fez uma espécie de mea culpa por ter dado apoio ao Golpe de 64.
No evento de ontem, mais de 200 assinaturas foram apostas ao documento. A senadora fez questão de ler o documento em plenário:
Carta de Curitiba em Defesa da Democracia
Juristas, cidadãs e cidadãos brasileiros, reunidos na cidade de Curitiba no dia 22 de março de 2016, manifestam-se em defesa dos direitos humanos, das garantias e dos princípios democráticos e republicanos que orientam a Constituição Federal de 1988.
O atual momento de ameaça à democracia exige a reafirmação das instituições constitucionalmente estabelecidas e a necessidade de diálogo. O ódio, a intolerância, a violência e o arbítrio devem ser refutados veementemente. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem buscar a harmonia e a independência necessárias para garantir a democracia. Cumpre, também, à imprensa divulgar os fatos com imprescindível isenção. As concessões dos serviços públicos de rádio e televisão não devem ser utilizadas como instrumento de ação política de grupos, instituições e organizações com o objetivo de desestabilizar o regime democrático.
Diante da manifestação pública da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, favorável à abertura de processo de impeachment contra a Presidenta da República Dilma Rousseff, expressamos nosso inconformismo republicano.
No Estado democrático de direito, o mandato do Presidente da República somente pode ser interrompido se ficar demonstrada a ocorrência de infração político-administrativa que configure crime de responsabilidade, tipificado no art. 85 da Constituição Federal, com remissão à lei especial que também estabelece normas de processo e julgamento, no caso a Lei nº 1.070, de 10.04.1950. que configure crime de responsabilidade, tipificado no art. 85 da Constituição Federa, com remissão à lei especial que também estabelece normas de processo e julgamento, no caso a Lei 1.079, de […] 1950. As manifestações populares ou o inconformismo da oposição com a derrota sofrida nas urnas não são motivos suficientes para que medida tão drástica seja adotada. Na democracia presidencialista, o descontentamento de parte do povo, ainda que significativa, há de se revelar pelo voto em regulares eleições, ficando assegurada a integridade do mandato.
Somente no regime parlamentarista, no qual o voto de desconfiança, que retira o Primeiro-Ministro do cargo, está sujeito a simples avaliação de conveniência e oportunidade, caracterizando verdadeira e livre opção do Parlamento, no jogo das forças políticas contrapostas.
Os fatos até agora noticiados pela imprensa, em especial aqueles constantes do pedido de impeachment que tramita perante a Câmara Federal, não configuram crime de responsabilidade. Nesta situação, a tentativa de impeachment da Presidenta não pode ser apoiada por aqueles que defendem a ordem jurídica constitucional. Assim, repudiamos a decisão tomada pela OAB em apoio ao impeachment da Presidenta da República e manifestamos veementemente nossa defesa do Estado Democrático de Direito, que não se compraz com soluções arbitrárias.
O devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório são direitos e garantias fundamentais, de que não se pode abrir mão, sob pena de prevalecer o terror e a barbárie. O sistema de justiça brasileiro e seus órgãos auxiliares, em hipótese alguma e sob nenhum pretexto, pode agir fora dos marcos constitucionais e legais. Não há moral ou valor especial que permita a utilização de técnicas e procedimentos ilícitos no país, com o uso de tecnologia virtual e ação midiática. Estas medidas são típicas do estado policial, que a Constituição Federal refuta.
As provas produzidas ilicitamente no âmbito da chamada operação lava jato, a condução coercitiva de pessoas que não foram previamente intimadas para comparecer perante órgãos do Estado, a divulgação de diálogos gravados por meio de grampo telefônico, as decisões proferidas por juízes manifestamente parciais, que são antecipadamente divulgadas na imprensa e, primordialmente, a escolha mediante critérios não republicanos dos que serão e dos que não serão acusados constituem fatos absolutamente incompatíveis com as garantias do Estado Democrático de Direito, acolhidas na Constituição Federal.
Nesse conturbado momento por que passa a sociedade brasileira, evocamos a Declaração de Curitiba, de 1972, do Conselho Federal da OAB e das Seccionais: ‘Não há a mínima razão em que se tenha como necessário o sacrifício dos princípios jurídicos no altar do desenvolvimento, pois o legítimo progresso econômico e social só se fará em conformidade com os princípios do Estado de Direito e o respeito aos direitos fundamentais do homem.’
Não é hora de se curvar. O momento exige contundente defesa do Estado Democrático de Direito e da soberania popular, que se manifestou pelo voto legítimo em regular eleição, das garantias constitucionais do devido processo legal, especialmente da ampla defesa, do contraditório, da presunção de inocência, da imparcialidade e do afastamento das provas ilegítimas. Ao contrário, é preciso ter coragem para denunciar o obscurantismo que insiste em se instalar no País. Somente assim construiremos uma ‘sociedade livre, justa e solidária’.
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