Golpes em série

Os golpes de Estado são para “recolonizar” a América Latina

“Há um sistema muito forte que combina o grande capital com os interesses de inteligência, militares e estratégicos”, afirmou o embaixador Celso Amorim
Os golpes de Estado são para “recolonizar” a América Latina

Foto: Divulgação

O golpe jurídico-parlamentar que está completando dois anos neste agosto não foi inédito nem uma criação 100% made in Brazil. Numa espécie de revival manso da Guerra Fria — tempo em que os golpes militares sangrentos se reproduziam às pencas na América latina —, a interferência internacional movida por interesses geopolíticos e do grande capital  vem deixando suas digitais na cena política dos diversos países da Região.

Essa intervenção é claramente identificável nos “golpes suaves” consumados em Honduras (2009) e Paraguai (2012), na perseguição a presidentes e ex-presidentes populares na Argentina, Equador e Bolívia e nas francas manobras de desestabilização movidas contra a Venezuela e a Nicarágua.

Dependência e subordinação
Em sociedades marcadas por desigualdades, tentativas de governos de esquerda para modificar a estrutura social sempre vão gerar reações, explica o ex-chanceler Celso Amorim, que durante os dois governos de Lula comandou a política externa brasileira.

Na América Latina, o apego aos privilégios sempre pode contar com o apoio de grandes potências, para quem governos populares representam uma ameaça à lógica da dependência e subordinação.

Amorim não tem dúvidas de que o golpe de 2016 recebeu auxílio externo — situação nada incomum na região que os EUA sempre consideraram seu “quintal”.

Dois anos depois da consolidação da deposição de Dilma Rousseff, os interesses internacionais envolvidos na trama estão explícitos, basta ver os negócios “de mãe para filho” que o governo Temer tem realizado com as petroleiras estrangeiras, entregando as reservas do pré-sal.

Honduras e Paraguai
Os processos de desestabilização dos governos que contrariam os interesses do “grande irmão do Norte” não são idênticos — e nem exigem dos golpeados uma adesão explícita a um programa de esquerda, como prova a deposição do presidente de Honduras Manuel Zelaya, um latifundiário que engatinhava em tímidas reformas no país que ocupa a 28ª posição em índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os 33 países da América Latina.

“Em Honduras os setores mais poderosos são alérgicos a mudanças sociais”, relatou o sociólogo e pesquisador da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Eugenio Sosa à revista Carta Capital. Para ele, o golpe em 2009 foi diretamente articulado pelos EUA.

Depois da deposição de Zelaya em Honduras, foi a vez do Paraguai, onde o presidente legitimamente eleito Fernando Lugo foi deposto em um velocíssimo impeachment — um processo instaurado e julgado em 48 horas — em 2012.

O golpe suave contra Lugo, a pretexto de um “fraco desempenho de suas funções”, foi supervisionada por Liliana Ayalde, na época embaixadora dos Estados Unidos no Paraguai e que acabaria nomeada para a Embaixada Americana no Brasil em 2013, quando começaram as manifestações contra Dilma Rousseff.

Ayalde só deixaria o cargo em Brasília em janeiro de 2017, meses após a consolidação do impeachment de Dilma.

Lawfare e chumbo grosso
Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi definitivamente deposta pela maioria do Senado acusada de “pedaladas fiscais”, irregularidades das quais acabaria inocentada pela Justiça.

O golpe, porém, prossegue ainda, explícito na transformação do sistema judicial brasileiro em artilharia apontada contra qualquer tentativa de retomada do projeto de esquerda no País, como fica claro na perseguição e prisão do mais forte candidato à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva.

O uso da Justiça como arma de disputa política, chamado de lawfare, não é exclusividade do Brasil. O emprego bélico das instituições também caracteriza os processos de criminalização e neutralização de lideranças do campo popular como Cristina Kirshner, ex-presidente da Argentina, Rafael Correa, ex-presidente do Equador, e Evo Morales, presidente da Bolívia, a quem são imputados delitos de todos os matizes como forma de inviabilização política.

Cristina e Correa enfrentam risco de prisão e Evo vem se sustentando no governo graças ao amplo apoio popular, apesar das tentativas de desestabilização.

Mais incisivas e escancaradas são as manobras enfrentadas pelos governos da Venezuela e da Nicarágua, onde as tentativas de golpe nada têm de suaves. No país vizinho, a cena política trepida desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, em 1999—em 2002, um golpe de Estado contra o governo bolivariano durou apenas 47 horas — e prossegue até hoje.

Na Nicarágua, o chumbo grosso parece ter aprendido com o escândalo Irã-Contras dos anos 80—quando a Central de Inteligência dos EUA (CIA) usou infraestrutura dos cartéis de drogas da Colômbia para contrabandear armas para paramilitares de direita que tentavam derrubar o governo sandinista.

No retorno da Frente Sandinista ao poder, em 2007, a aposta agora é em caminhos mais domésticos, com protestos violentos e permanentes, uma espécie de manifestações de 2013 anabolizadas.

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