O lamurioso voto do ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do dia 22 de abril, em que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para manter a decisão da 2ª Turma da Corte, que declarou a suspeição do ex-juiz Sergio Moro, foi, antes de tudo, lamentável.
Que o ministro fizesse um discurso político pseudomoralista, nominando a operação Lava Jato como a grande obra de combate à corrupção no país, já era esperado. Que falasse dos valores devolvidos aos cofres públicos como motes justificadores de todos os atos praticados também estava no escopo. Afinal, essa tem sido a trajetória de suas posições dentro do STF quando se trata dos questionamentos aos métodos da investigação.
Espantosas foram as criatividades jurídicas formuladas pelo ministro, a despeito da redação expressa do art. 96, do Código de Processo Penal, da jurisprudência firmada e do regimento interno do próprio Tribunal, em uma interpretação segundo a qual a exceção de incompetência deveria ser analisada antes da suspeição, e de que cabe autonomamente ao relator decidir sobre a perda do objeto de um processo cujo julgamento estava em andamento.
Criou, ainda, um fictício conflito de competência entre o relator e a Turma, quando se sabe, sem sobra de dúvida, que aquele colegiado era o juiz natural do julgamento do HC de suspeição.
Contudo, a parte mais estarrecedora do discurso político do ministro Barroso foi a naturalização de tudo que foi e vem sendo revelado pelos áudios divulgados desde 2019, reduzindo o relacionamento estabelecido entre os integrantes do Ministério Público Federal no Paraná que faziam parte da força-tarefa da Operação Lava Jato e o juiz Moro à ocorrência de “meros pecadilhos” e “fragilidades humanas”.
Deixar de enxergar a elementar seletividade e o evidente interesse do juiz no resultado do processo foi uma opção pessoal pela miopia. A afirmação de que quando o juiz orientava procuradores sobre momentos e etapas da operação, opinava sobre as peças produzidas, indicava testemunhas e combinava resultados é um procedimento normal do sistema deveria exigir uma resposta oficial do Conselho Nacional de Justiça, porque compromete todo o Poder Judiciário.
A Lava Jato termina tristemente. Custou milhares de empregos de cidadãos com a destruição da indústria naval, tirando mais de 100 bilhões do Produto Interno Bruto. A defesa de interesses políticos, particulares e corporativos, busca de promoção pessoal, inclusive com ganhos financeiros com palestras e atividades fora da função pública afastou qualquer, porventura existente em princípio, intenção de desestimular práticas de corrupção sistêmica que afirmava existir no Brasil.
O que fica agora é a expectativa sobre os próximos passos do debate jurídico após a publicação dos acórdãos no STF. A toda evidência, a declaração de que todo o processo ocorrera de forma irregular e, portanto, ilegal, gera o dever do Estado de reparar os prejuízos materiais e morais decorrentes de comportamentos de seus agentes no exercício de suas funções, nos termos que dispõe o art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
Sabe-se que para configurar o dever de indenizar da responsabilidade objetiva basta a presença do nexo causal ligando a conduta do agente público ao dano sofrido pela vítima, no caso o ex-presidente Lula, que permaneceu indevidamente encarcerado por 580 dias, sofrendo ofensa a um bem de valor inestimável e inalienável do indivíduo, que é a liberdade, dentre outras perdas.
Para além da questão que a ele diga respeito individualmente, contudo, mostra-se necessária a readequação da responsabilidade para fazer frente às demandas por reparação de danos no âmbito da sociedade em geral, decorrentes das consequências nefastas derivadas dos riscos secundários pelas práticas dos desvios pelos membros da operação Lava Jato. O prejuízo foi ao próprio Estado Democrático de Direito.
E não há que se falar que para isso necessita-se usar provas ilegais. A investigação sobre a atuação de agentes estrangeiros nos acordos de leniência, por exemplo, que não dependem do debate de validade de áudios obtido por hackers, sobre o que, a propósito, a Corregedora-geral do Ministério Público Federal já determinou a abertura de uma sindicância para apurar irregularidades nas tratativas mantidas para troca de informações e comprometidos.
Em nome do princípio da legalidade e das garantias democráticas, asseguradas pelo pacto constitucional de 1988, é necessário que se investiguem e se punam os atos praticados por Sérgio Moro e os membros da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba. Aquilo a que o ministro Barroso chamou, em sua extensa pregação travestida de debate jurídico, de “vingança da corrupção contra quem ousou enfrentá-la”. Que, na verdade, corretamente se coloca como o dever do Estado de punir quem pratica crimes.
Não é possível falar em verdadeira democracia se não houver respeito a direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos. A Lava Jato, portanto, ainda tem uma tarefa para o futuro: que seja assegurado ao país que nada parecido será tolerado em repetição.
Artigo originalmente publicado no Brasil de Fato