No derradeiro dia do prazo, Jair Bolsonaro sanciona a Lei que estabelece os crimes contra o Estado Democrático de Direito e revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN) apondo ao projeto cinco vetos: a) à criação do tipo penal de comunicação enganosa em massa, para coibir a prática de Fake News; b) ao tipo penal de atentado ao direito de manifestação; c) ao consequente aumento de pena no mesmo dispositivo quando praticado por militar; d) à possibilidade de ação privada subsidiária de iniciativa de partido político com representação no Congresso Nacional, se o Ministério Público não atuar no prazo estabelecido em lei para os crimes contra o Estado Democrático de Direito; e) ao aumento de pena genérico se os crimes são cometidos com violência ou grave ameaça, exercidos com emprego de arma de fogo, por funcionário público ou por militar.
Causando nenhuma surpresa, os vetos correspondem ao pensamento bolsonarista sobre democracia e Estado de Direito. Todos os trechos retirados da nova lei correspondem a condutas praticadas pelo próprio presidente ou por seus apoiadores ao longo de seu governo.
A Lei de Segurança Nacional era um dos últimos diplomas normativos de cunho autoritário ainda vigentes após a redemocratização do país, fruto da famigerada doutrina de segurança nacional utilizada para perseguir críticos e opositores ao regime de exceção da ditadura civil-militar com a figura do “inimigo interno”.
Tendo permanecido quase esquecida nas primeiras décadas de vigência da nova Carta constitucional, com sua aplicação limitada a casos como os que envolviam a introdução ilegal, em território nacional, de armamento privativo das Forças Armadas, a Lei de Segurança Nacional passou, nos últimos anos, a ser invocada com o objetivo de punir manifestações críticas ao governo federal, com a estratégia clara de intimidar e impor o silêncio a jornalistas, políticos e demais cidadãos, contrariando frontalmente a Constituição Federal de 1988 em seus princípios de liberdades de expressão, de informação e de imprensa (art. 5º, IV, IX e XIV, e 220).
A lei agora sancionada, que entrará em vigor em 90 dias, além de revogar a LSN, insere no Código Penal crimes divididos em cinco grupos: contra a soberania nacional; contra as instituições democráticas; contra o funcionamento das instituições democráticas no processo eleitoral; contra o funcionamento dos serviços essenciais, contra a cidadania.
O veto ao artigo que trata da prática de Fake News, chamado de comunicação enganosa em massa, pode ser considerado como “ato falho”, tendo em conta que o próprio Jair Bolsonaro é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) acusado de promovê-las. O veto à punição a quem impeça o livre e pacífico exercício de manifestação – o mais esperado – sob o pífio argumento de que haveria dificuldade para definir o que é manifestação pacífica, corresponde à relação do presidente com a violência contra movimentos sociais, sobretudo oriunda das polícias. O veto à ação subsidiária dos partidos teme que se busque o Judiciário quando, por inércia e desídia, o Ministério Público deixe de agir quando haja a prática de crimes. A atual atuação de Augusto Aras à frente da PGR é o melhor dos sintomas. Por fim, os dois vetos aos aumentos de penas apenas reforçam que o principal é proteger o braço armado do Estado quando pratica ilegalidades e violência contra cidadãos.
O projeto de lei que deu origem ao texto, agora sancionado com vetos, foi objeto de debate nas duas Casas Legislativas, aprovado em ambas com ampla maioria, após debates e participação da sociedade civil organizada.
O Estado Democrático de Direito, que deve se pautar pela efetivação dos direitos humanos, pela redução das desigualdades sociais, pela justiça social e contra qualquer tipo de discriminação, precisa garantir instrumentos jurídico-legais que coíbam ataques à democracia em suas várias dimensões e âmbitos, seja por meio da distorção de fatos e ações, seja pela criminalização de movimentos sociais em luta, com repressão e violência. Motivos suficientes para que o Congresso Nacional derrube os vetos de Bolsonaro ao projeto.
Artigo originalmente publicado no Brasil 247