“É difícil entender o que vocês [brasileiros e brasileiras] querem resolver com essa proposta”. A perplexidade da jurista norte-americana Rebecca Shaeffer, da organização Fair Trials (“Julgamentos Justos” resume o estranhamento causado pelas propostas do atual ministro da Justiça, Sergio Moro, para “resolver” a criminalidade no Brasil.
Para a jurista, a proposta que tenta colocar no mesmo embrulho ações de combate à corrupção, crime organizado e de segurança pública é “completamente desconexo”. O único elo que liga as propostas “é a negação da humanidade das pessoas que eventualmente se vejam diante das forças da lei e da justiça”, afirma Shaeffer. “E o projeto trata essas pessoas como descartáveis”.
“Infelizmente, o senso comum está imperando na discussão sobre segurança e combate à criminalidade”, avalia o senador Humberto Costa (PE), Líder do PT.
Licença para matar
O senador manifestou especial preocupação com o chamado “excludente de ilicitude”, uma espécie de licença para matar concedida pelo pacote Moro a integrantes de forças policiais, já que situações de “surpresa, medo e violenta emoção” passariam a justifica “legítima defesa” de agentes da lei cujas ações resultem em mortes de cidadãos ou cidadãs.
Juristas condenam
A advogada Rebecca Shaeffer foi uma dos 13 juristas participantes da audiência pública da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado que, nesta terça-feira (6) debateu o chamado “projeto anticrime” em tramitação no colegiado, inspirado no pacote que Moro apresentou ao Congresso.
Entre os expositores na audiência pública, apenas o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Edvandir Felix de Paiva, manifestou apoio ao “pacote anticrime”, embora ressalte que a proposta “não é uma bala de prata que resolverá todos os problemas” de segurança pública do País.
Todos os demais foram duros nas críticas à ineficácia da proposta e os riscos que as medidas propostas por Sergio Moro acarretam a direitos e garantias assegurados na Constituição.
A audiência da CCJ, convocada por iniciativa do senador Humberto Costa (PE), líder do PT, ouviu juristas como a desembargadora Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região e representante da Associação Juízes para a Democracia), o juiz de execuções penais Luis Carlos Valois, o juiz de direito Paulo Afonso Correia Lima Siqueira, representante da Associação dos Magistrados Brasileiros, o procurador da República Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da associação nacional de sua categoria, o delegado de polícia Rodolfo Queiroz Laterza, falando em nome de sua associação nacional, e o representante do Colégio Nacional dos Defensores Públicos Gerais, Fabrício Silva de Lima.
Também foram ouvidos os professores e pesquisadores Douglas Elias Belchior, do Movimento UneAfro, o norte-americano Lucian Dervan, professor de Direito Criminal Nacional e Internacional em Nova York (EUA), a advogada Rebecca Shaeffer, do grupo Fair Trials, Carol Proner, especialista em professora de Direito Internacional e professora da UFRJ, Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, da Universidade Gama Filho, Nathalie Fragoso e Felipe Freitas, pesquisador em Criminologia na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Direito à vida
“Este debate não é sobre um projeto de lei, mas sobre a vida de gente cujo direito à existência é colocado em dúvida por alguns setores”, denunciou o pesquisador Felipe Freitas, da UEFS, para quem a quebra de garantias básicas asseguradas pela Constituição só vai fragilizar ainda mais a parcela mais vulnerável dos brasileiros e brasileiras, especialmente a população negra. O pacote de Moro é inócuo para enfrentar os problemas e também “perigoso e inconstitucional”, alerta Freitas.
Entre as medidas do pacote anticrime também está a facilitação da delação premiada. A proposta é vista com ceticismo por Lucian Dervan e Rebecca Shaeffer, os dois juristas dos Estados Unidos—país onde esse tipo de acordo é disseminado. “Há o risco do falso testemunho de pessoas que querem obter penas menores ou mesmo imunidade”, apontou Dervan.