Paulo Paim : “A população negra foi liberta. Mas a ela não foi dado o mínimo de cidadania”No dia em que o Brasil comemora a libertação dos escravos, o senador Paulo Paim (PT-RS) propõe um debate: o que aconteceu com a população liberta no dia 14 de maio de 1888 – um dia depois da assinatura da Lei Áurea? O parlamentar gaúcho se socorre da obra do sociólogo e político Florestan Fernandes para responder: “A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”.
Em artigo publicado nesta quarta-feira (13 de maio), Paim mostra que a população negra, embora majoritária no Brasil, ainda não tem a representação necessária na sociedade e muito menos no Legilsativo. “No Senado, entre os 27 parlamentares eleitos nas eleições de 2014, nenhum se declara negro. Atualmente os únicos senadores que se declaram negros somos, eu e o senador Magno Malta”, observa.
Leia a íntegra do artigo:
Sobre o 13 de Maio
O Brasil precisa sentir-se responsável pela perpetuação da condição de escravidão, que ainda hoje existe, em decorrência dos inúmeros obstáculos que o povo negro enfrenta no âmbito cultural, educacional, social, político e econômico.
É certo que a Lei Áurea acabou com a escravidão no dia 13 de Maio de 1888 no campo formal, mas o que aconteceu no dia 14 de Maio?
O sociólogo e político Florestan Fernandes em um de seus clássicos, “A integração do negro na sociedade de classes”, diz:
“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. (…) Essas facetas da situação (…) imprimiram à Abolição o caráter de uma espoliação extrema e cruel”.
A população negra foi liberta. Mas a ela não foi dado o mínimo de cidadania. Os negros foram largados à própria sorte, sem escolas, sem moradia, sem trabalho, sem o mínimo legal para poder sobreviver. Portanto, o Estado não foi capaz de criar uma política de inserção para essas pessoas.
Com a luta do movimento negro, o Estado começa a reconhecer esta dívida, e inicia um processo de implantação de ações afirmativas para inclusão em todos os espaços da sociedade.
No ano de 2003 é criada a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, uma ferramenta muito importante para o combate ao racismo e para promoção de políticas públicas de igualdade racial.
Sabemos que a educação é a base estruturante de qualquer sociedade desenvolvida socialmente e economicamente, e foi por isso, que eu ajudei a aprovar a lei 10.639/03. Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”.
Em 2008 a lei 10.639 sofre uma complementação positiva: a inclusão da história da população indígena nos currículos escolares.
No dia 20 de julho de 2010 é publicado o Estatuto da Igualdade Racial (12.288/10): lei federal originária de projeto de minha autoria. O estatuto é fruto de muitos debates e audiências públicas, debates nas praças, escolas, sindicatos, em todos os espaços de construção política.
Não foi fácil conseguir fazer com que o Estatuto da Igualdade Racial seja a legislação mais completa para a população negra. Ele é a ferramenta que norteia a maioria dos processos de implantação de políticas públicas para promoção da igualdade racial.
Em 2012 depois de um árduo embate e sensibilização é sancionada a lei número 12.711, mais conhecida como lei de cotas. Ela dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.
Esta é uma vitória do movimento negro e toda a sociedade comprometida com o desenvolvimento do Brasil.
Temos um grande caminho a trilhar para que todas as pessoas sejam tratadas com igualdade, mas não iremos desistir jamais, enquanto o povo negro não estiver amparado em nossa sociedade, com plenas condições de oportunidades.
Mas afinal, onde estão hoje os negros em nosso país? Infelizmente quando olho para os lados não enxergo. É fundamental que eles se apoderem dos espaços de decisões deste país e principalmente da política brasileira.
Somos mais de 51% da população brasileira, mas ainda não nos encontramos no legislativo e no executivo. Conforme dados da Revista Congresso em Foco e do TSE, nesta última eleição, dos 27 governadores eleitos, 20 são brancos. Nenhum dos parlamentares declarou-se preto ou indígena.
No Congresso Nacional, de cada 100 cadeiras, 80 foram ocupadas por políticos que se declararam como brancos. Dos 540 congressistas eleitos, 81 deputados e cinco senadores se declaram pardos e apenas 22 eleitos para Câmara Federal se identificam como pretos.
No Senado, entre os 27 parlamentares eleitos nas eleições de 2014, nenhum se declara negro. Atualmente os únicos senadores que se declaram negros somos, eu e o senador Magno Malta.
É importante lutar para que juntos possamos combater medidas devastadoras, que reduzem os direitos do povo brasileiro, do pobre, dos negros, dos trabalhadores e trabalhadoras.
O PL 4.330/04 está aí. Ele amplia as possibilidades de terceirização para todos os setores, inclusive nas vagas relacionadas à atividade fim das empresas contratantes. A sua aprovação é a revogação da Lei Áurea. Sou favorável à regulamentação, mas não do jeito que estão querendo fazer, temos que ter limites. Quem serão os penalizados se esta proposta for aprovada? Será o nosso povo pobre, será o nosso povo negro, que ainda hoje se encontra nos cargos de mais baixo calão. Porque será?
Para que retrocessos como esse não aconteçam, clamo a juventude, clamo os movimentos sociais, clamo a todos os cidadãos e cidadãs conscientes, clamo as trabalhadoras e trabalhadores, clamo a todos: venham participar da política, venham construir, lutar, discutir pelos seus direitos, pois vivemos em um país democrático e a força da participação faz a diferença.
O Mapa da Violência de 2014 informa que os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil, e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.
Dados do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 56.337 mortos por homicídios, em 2012 no Brasil, eram jovens (30.072), equivalente a 53,37%, dos quais 77% eram negros (pretos e pardos).
Além de reais, esses dados são absurdos, pois o Brasil está determinando quem morre e em que faixa etária isto irá acontecer.
Diante deste genocídio foi instalada no Senado Federal uma CPI para investigar o assassinato de jovens. Sou o vice-presidente. A senadora Lídice da Mata é a presidente e o senador Lindbergh Faria, o relator. A CPI seria especificamente para tratar da morte dos jovens negros, porém outros parlamentares propuseram que a mesma tratasse de todos os jovens.
Estamos passando por um momento político delicado. Precisamos de mentes brilhantes, desbravadoras, com jovialidade para transformar, com imaginação para criar, e transformar este Brasil de muitos Brasis, em uma pátria mais igualitária.
Paulo Paim é senador pelo PT do Rio Grande do Sul e presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH)