A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) apresentaram o relatório “COVID-19 e Desenvolvimento Sustentável: avaliando a crise de olho na recuperação”, em um evento online nesta quarta-feira (29). Considerado um “chamado para ação e resposta à pior crise sistêmica vivida no planeta desde a criação das Nações Unidas”, o documento sugere 55 ações para o Brasil se recuperar dos prejuízos com a pandemia.
A força tarefa foi formada por especialistas da Opas e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). O documento propõe o cumprimento de metas que já fazem parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, instituídos pela ONU (acesse a íntegra aqui).
Os objetivos abrangem setores da economia e distribuição de renda, combate à fome, sustentabilidade e preservação do meio ambiente, educação, igualdade de gênero e saúde. O cenário atual, avaliam os especialistas, levará a um recuo global (-0,018) no Índice de Desenvolvimento Humano 2020 (IDH), no que será a primeira tendência de queda esperada para o indicador desde 1990.
Segundo o documento, apesar de todos os países terem sido afetados pela pandemia, sociedades mais desiguais – como o Brasil – são as que mais sofrem com suas consequências. “O cenário, já complicado (como efeito da crise econômica de 2008), tornou-se ainda mais crítico, já que muitos recursos precisarão ser mobilizados para socorrer as vítimas diretas e indiretas da doença”, afirmam os autores do relatório.
Quando a Covid atingiu o Brasil, avaliam os pesquisadores, o país apresentava diversas fragilidades estruturais que influenciaram nas crises sanitária, econômica e social, mesmo que o país tenha conquistado bons resultados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) nas últimas décadas. O relatório mostra como os grupos em situação de vulnerabilidade social são os mais afetados.
A partir da sistematização de dados obtidos em diferentes fontes de informações, o relatório traça uma radiografia do Brasil em 94 indicadores. Eles foram divididos em dois painéis – um que trata do grau de preparação do Brasil e dos estados para enfrentar os desafios da pandemia e outro que mostra o perfil de vulnerabilidades em várias dimensões do desenvolvimento humano e sustentável.
Ao fim, o documento apresenta um apanhado de dados que registra as desigualdades existentes e evidencia que um conjunto de novas desigualdades deverá emergir com força a partir da pandemia.
“Embora o Brasil tenha registrado importantes progressos no desenvolvimento humano nas últimas décadas, a pandemia se sobrepôs às tensões não resolvidas entre os que têm acesso à oportunidade e aos que não têm”, disse Katyna Argueta, representante residente do Pnud no Brasil, durante o evento.
“Isso tornou mais evidente as diferenças de acesso dos brasileiros a importantes recursos como serviços de saúde, educação, proteção social, emprego digno e renda, assim como redes de tecnologia”, completou.
Oportunidades para todos
O objetivo do conjunto de propostas é garantir oportunidades de recuperação econômica, direito à educação, saúde, proteção contra a violência e proteção social na infância, na adolescência, vida adulta e para pessoas idosas, além da universalização do acesso à internet, para reduzir o abismo tecnológico entre pessoas e regiões. Entre as medidas, estão políticas de transferência de renda e inclusão financeira, estímulos fiscais e investimentos em saneamento universal.
“A proteção social pode ser uma ferramenta crucial não apenas para ajudar as famílias a se manterem à tona no curto prazo, mas também para combater a desigualdade de forma mais ampla”, dizem os pesquisadores, sugerindo foco para eliminar as desigualdades.
“O Brasil precisa criar uma recuperação que ‘reconstrua melhor’, o que significa não só recuperar de imediato as economias e os meios de subsistência, mas também salvaguardar a prosperidade a longo prazo”, afirma o relatório.
“Para isso é necessária uma nova geração de políticas públicas e transformações sociais que facilitem a transição para uma sociedade menos desigual, mais resiliente e com impactos controlados sobre a natureza”, prosseguem os autores.
Os pesquisadores ressaltam que a busca por um pacto federativo efetivo deve ser uma prioridade. O material destaca ainda a necessidade de mecanismos mais eficientes de governança e de cooperação entre o setor público e o setor privado.
“Uma recuperação eficaz dependerá de esforços conjuntos para fortalecer os sistemas de saúde, reforçar a proteção social, criar oportunidades econômicas, ampliar a colaboração multilateral e promover a coesão social”, elencam os autores do estudo. “Além disso, a recuperação representa uma oportunidade histórica para se reimaginar as sociedades a partir de uma lente de direitos humanos e implementar as mudanças necessárias para se alcançar um futuro melhor para todas e todos.”
Em paralelo, a recuperação e a resposta ao coronavírus devem estar em consonância com questões climáticas e proteção ao meio ambiente. Matriz energética limpa, incentivos à agricultura familiar e investimentos em projetos sustentáveis são iniciativas defendidas pelo relatório. “Muitas dessas soluções têm efeitos em cascata, com benefícios para a saúde e a economia, ao mesmo tempo que criam resiliência a desastres futuros”, defendem os especialistas.
Em documento divulgado na página da ONU na terça-feira (28), a alta comissária de Direitos Humanos da organização, Michelle Bachelet, ressaltou as desigualdades sociais expostas pela pandemia em todo o mundo. Ela pontuou que a incapacidade dos países de manter liberdades fundamentais, como justiça, educação de qualidade, moradia e trabalho, “minou a resiliência das pessoas e dos Estados”.
“Devemos garantir que os planos de recuperação econômica dos estados sejam construídos sobre alicerces dos direitos humanos e em consulta significativa com a sociedade civil. Deve haver passos para defender a saúde universal, as proteções sociais universais e outros direitos fundamentais para proteger a sociedade de danos”, concluiu Bachelet.