O fetiche de Jair Bolsonaro por inscrever o Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) vai causar sérios prejuízos à economia e à soberania do País. O alerta é do economista e ex-diretor-executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Paulo Nogueira Batista.
“O Brasil não terá vantagem alguma ao se submeter a normas da OCDE, que não ajudou a formular e que são ditadas por países em outros estágios de desenvolvimento. Entrar na OCDE é como repetir o recebimento de espelhos e miçangas em troca de terras e riquezas”, comparou Batista.
Imposição dos EUA
Para o economista, as participações do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) e na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sequer deveriam ser tratadas como um mesmo tema em um mesmo debate. “Só se coloca as duas discussões juntas por uma imposição espúria feita pelo governo dos Estados Unidos”.
Além de a participação na OCDE ser desinteressante ao Brasil, Trump exige troque o certo pelo indesejável: abrir mão do Tratamento Especial Diferenciado (TED) no âmbito da OMC — da qual o Brasil faz parte — para começar a pleitear o ingresso na OCDE.
Cacoete ideológico
Paulo Nogueira Batista participou, na manhã desta quinta-feira (13) da audiência pública convocada pelo senador Jaques Wagner (PT-Ba) para debater as consequências da renúncia ao Tratamento Especial e Diferenciado previsto para países em desenvolvimento na Organização Mundial do Comércio (OMC).
O senador entende que essa renúncia—imposta por Donald Trump para apoiar a pretensão brasileira de ingresso OCDE é prejudicial ao País e estranha a aceitação desses termos pelo governo Bolsonaro. “Esse atual governo tem um forte cacoete ideológico”, aponta o senador, lembrando o alinhamento automático aos EUA.
“Negociação estranha”
“É querer que o Brasil e apresenta como um pedinte que quer entrar para um clube onde será um sócio de segunda classe”, Paulo Nogueira Batista.
Para piorar o quadro, o ex-diretor do FMI lembra que nenhum dos países em desenvolvimento que pleiteiam a entrada na OCDE teve que abrir mão do TED para entrar na fila de candidatos — condição draconiana alegremente aceita por Bolsonaro diante da imposição do presidente norte-americano Donald Trump.
“Não há como dourar essa pílula: essa é uma negociação muito estranha”, detona Batista. “Não chega nem perto de ser uma proposição equilibrada”, aponta o economista, para quem Trump conseguiu, com impressionante facilidade, uma “capitulação inesperada” de Bolsonaro.
Imprudência
Além de Paulo Nogueira Batista, foram ouvidos na audiência pública da CRE representantes do governo nas áreas de Relações Internacionais, Economia e Agricultura.
Uma das alegações dos três representantes do governo para justificar a entrada na OCDE é que já não interessam tanto ao Brasil as vantagens conferidas pelo TED e de que abrir mão desse status diferenciado não tem efeito retroativo—as condições favoráveis conquistadas pelo Brasil no passado não seriam revertidas.
As condições acordadas na OCDE, porém, permanecem só até serem renegociadas. Se uma repactuação ocorrer, o Brasil já entra nesse processo sem a vantagem do TED. “É muita imprudência”, aponta Paulo Nogueira Batista.
Tratamento diferenciado
O TED é um conjunto de regras que reconhecem diferenças estruturais entre países, que distinguem os diferentes estágios de desenvolvimento e oferece condições especiais de tratamento a aos menos desenvolvidos nas relações de comércio.
A OCDE não tem nada disso. Não é uma organização de caráter universal, mas um clube de países ricos, fundado em 1961, que aceitam alguns sócios secundários entre economias menos pujantes.
O ex-diretor do FMI destaca o contraste entre a postura de Bolsonaro e a dos governos Lula e Dilma. “Naquele período, era a OCDE que corria atrás do Brasil, pedindo para ingressarmos na organização”.
Os governos petistas sempre recusaram esses convites da OCDE porque sabiam que a entrada na organização significaria abrir mão de soberania. Entrar na OCDE significa aceitar a imposição de uma série de políticas ditadas pela lógica dos países desenvolvidos—por exemplo, ficar impossibilitado de fomentar um determinado segmento da economia que seja estratégico para o Brasil.