Durante o interrogatório do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, que é réu em um dos processos da operação Lava Jato, o juiz federal de primeira instância Sérgio Moro não apresentou nenhuma prova cabal contra o ex-presidente. Essa é a conclusão de juristas entrevistados pelo Brasil de Fato que analisaram o conteúdo dos vídeos do depoimento.
Lula depôs nesta quarta (10) em Curitiba. Das 14h20 às 19h10, ele respondeu a uma série de perguntas do juiz Sérgio Moro sobre a suposta propriedade de um imóvel triplex no Guarujá, litoral paulista. O Ministério Público acusa o petista de ter recebido o apartamento em uma negociação de propina com a empreiteira OAS, que tinha contratos com a Petrobras.
A sessão não pôde ser filmada pela defesa do petista, mas os vídeos foram divulgados na íntegra pela Justiça Federal uma hora depois.
Para o advogado e professor de Direito Constitucional, Eduardo Faria Silva, não há materialidade suficiente que comprove que o imóvel é de Lula.
“Em relação ao processo do triplex, pelo menos observando os vídeos, não há uma apresentação de prova direta que relacione o ex-presidente Lula com o imóvel, como registro de imóvel, transferência bancária entre as partes, caracterizando a aquisição de um bem, um email que registrasse que aquele imóvel, mesmo não registrado, era do ex-presidente”, apontou Faria.
O ex-presidente afirmou que visitou o imóvel, mas que não era dono dele. “Doutor Moro, o senhor já deve ter ido com sua esposa numa loja de sapatos e ela fez o vendedor baixar 30 ou 40 caixas de sapatos, experimentou vários e no final, vocês foram embora e não compraram nenhum. Sua esposa é dona de algum sapato, só porque olhou e provou os sapatos? Cadê uma única prova de que eu sou dono de algum tríplex? Apresente provas doutor Moro?”, disse Lula.
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Segundo o mestre em Direito pela UnB e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Patrick Mariano, o que é dito no interrogatório não pode ser usado juridicamente contra o acusado.
“O interrogatório é um instrumento de defesa do acusado. Então, o principal ato processual é o ato de defesa, em que há a possibilidade de falar abertamente sobre a acusação em sua defesa. Ele pode inclusive mentir no interrogatório”, explicou Mariano, relativizando a importância de possíveis contradições.
“Pelo que aconteceu ontem, eles não têm provas. É lógico que eles queriam pegar o ex-presidente numa contradição, ainda mais sabendo que isso ia ser transmitido pro mundo inteiro (…) Pelo que lembro do depoimento em São Paulo, foi algo muito estabanado que eles fizeram. As autoridades nem tinham o que perguntar naquele momento. Passou mais de um ano e eles estão no mesmo estágio de quando o ouviram”, comentou o advogado.
Espetáculo midiático
“O caldo que se criou na mídia sobre ele, sobre esse processo, deixa o juiz de mãos atadas. Falou-se tanto desse processo, pra ter uma condenação, pra ele ser preso e agora, diante da ausência de provas, como é que o juiz vai tomar uma decisão inocentando-o? Com toda essa pressão?”, ressalta o advogado da Renap.
Ele julga contraproducente todo o espetáculo criado pela mídia, que afirmava que o triplex era de Lula, sem provas e muito antes do inquérito ser instaurado.
Além disso, Moro questionou Lula utilizando notícias de grandes veículos da mídia, que o ex-presidente disse que não seria julgado por notícias, mas por provas.
Solidariedade à Lula
Mesmo com o interdito proibitório da decisão judicial da 5ª Vara da Fazenda Pública da Justiça em Curitiba, sob a tutela da juíza Diele Denardin Zydek, mais de 50 mil pessoas receberam o ex-presidente Lula na praça Santos Andrade, para o encerramento da Jornada pela Democracia, chamado pela Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular.
“Nunca tive tanta vontade de mudar as coisas. Se a elite não consegue consertar o Brasil, o metalúrgico vai provar que pode”, declarou Lula. Dos 20 minutos de pronunciamento, quase a metade foi dedicada aos agradecimentos: “Nada é tão gratificante quanto saber que vocês confiam em alguém que está sendo massacrado. Sem vocês, eu não suportaria o que estão fazendo comigo”, enfatizou Lula, ovacionado.
Faria julga inconstitucional a postura da juíza Zydek, que, com o interdito proibitório, não permitiu que as manifestações de solidariedade ocorressem no entorno do Fórum.
“Ela afronta a Constituição Federal em seus direitos fundamentais, princípios básicos no tocante das liberdades”, pontua.
Mariano fala sobre o autoritarismo jurídico e a permissividade do juiz Moro em outras ocasiões. “Ao mesmo tempo que você vê aquela quantidade enorme de policiais quando as manifestações era do MBL, quando eles queriam colocar aquelas coisas patéticas de bonecos infláveis, o Moro deixava eles ficarem na frente do fórum. Por que que, quando é trabalhador, não pode? Isso é o quê? Retrato de uma justiça que é de classe, que tem viés discriminatório”, conclui.
O depoimento do ex-presidente encerra a fase instrutória do processo, quando são produzidas as provas. Durante os próximos meses, defesa e acusação devem apresentar as alegações finais e, em seguida, os autos do processo voltam às mãos de Sérgio Moro, que é o responsável pela sentença.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Fonte: https://www.brasildefato.com.br/2017/05/11/acusacao-contra-lula-e-fragil-afirmam-juristas/