Para Lindbergh, a juventude precisa de políticas públicas, não de cárcere

Para Lindbergh, a juventude precisa de políticas públicas, não de cárcere

Lindbergh: CPI precisa mobilizar os diversos segmentos em favor da construção de políticas que ofereçam perspectivas à juventude marginalizadaO principal desafio da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura os assassinatos de jovens no Brasil é contribuir ara uma concertação política que leve à formulação e implantação de políticas públicas para juventude, contemplando as diversas dimensões das demandas e necessidades desse grupo social. A avaliação é do relator da CPI, senador Lindbergh Farias, para quem o debate sobre o tema precisa ultrapassar o atual cabo-de-guerra  em torno da punição de delitos, como na discussão sobre a redução da maioridade penal.

Para Lindbergh, a principal tarefa da CPI é ir além da proposição de instrumentos legislativos pontuais para enfrentar a violência que vitima os jovens brasileiros — quase 50% das vítimas de homicídio no Brasil. Lançar as bases para o futuro, garantir a formação profissional e a perspectiva de uma vida plena aos adolescentes, especialmente aos meninos pobres das periferias do País.

Plano de redução de homicídios
“Outro ponto importante é fortalecer a discussão de um plano de redução de homicídios”, defende o senador, para quem a CPI pode mobilizar outros segmentos para pressionar o Governo Federal a priorizar a construção de um programa com esse objetivo. “O desafio desta CPI, mais do que apenas apresentar projetos legislativos, é tentar forçar uma negociação política para que a gente consiga avançar em algumas áreas e diminuir esses números que são vergonhosos para o Brasil”.

Segundo o Mapa da Violência, estudo que reúne dados dos registros oficiais de óbitos, em 2013 foram registrados 56 mil assassinatos no País. Metade das vítimas tinha menos de 19 anos e, entre esses, 77% dos mortos eram negros ou pardos. “São jovens que morrem vitimado pelo tráfico, pela milícia, pela polícia. E agora vamos querer encarcerar também esses jovens?”, questiona o senador petista.

“Onda Conservadora”
Na noite da última segunda-feira (6), a CPI sobre o assassinato de jovens realizou mais uma audiência pública, desta vez para ouvir o representante do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) Antônio Teixeira de Lima Junior e o delegado do Rio de Janeiro Orlando Zacone. Além de Lindbergh, acompanharam o s depoimentos a presidente do colegiado, senadora Lídice da Mata (PSB-BA) e o senador Telmário Mota (PDT-RR).

Lindbergh voltou a manifestar sua preocupação com a “onda conservadora” que tem seu principal foco na Câmara dos Deputados, onde pautas cada vez mais obscurantistas, como a redução da maioridade penal e a flexibilização do estatuto do desarmamento, vêm ganhando força. Ele considera que, à luz dos números e fatos revelados pela CPI, até agora, está evidente que o País deveria estar mobilizado para a busca de soluções que estanquem o extermínio da juventude negra e pobre da periferia.

Busca ativa
Ele defende que o Estado tenha a capacidade de se antecipar aos primeiros sinais de que um jovem está se aproximando da criminalidade. E esses sinais são claros, geralmente, ao abandono da escola é o primeiro deles. “Sabemos que hoje há instrumentos de busca ativa, podemos fazer um conjunto de estratégias de políticas públicas dirigidas a esses setores mais vulneráveis, tentar aproximá-los novamente da escola”, propõe Lindbergh. “Mas tem que haver discussão sobre formação profissional, que tem que estar ligada à alta tecnologia, à cultura, tem que ser algo atrativo”.

TeixeiraTeixeira, do Ipea, alerta que o País precisa reconhecer e superar a inspiração racista de suas políticas de segurança públicaRacismo e segurança pública
Para Antônio Teixeira, do Ipea, nenhuma política de segurança pública no Brasil poderá ser realmente efetiva se não partir do reconhecimento de que essa área sempre foi dominada por pressupostos racistas, que precisam ser abandonados. Ele citou o estudioso do Século 19, Nina Rodrigues, que defendia a adoção de dois códigos penais no País, um para os brancos e outros para os negros, para os quais a maioridade penal começaria aos nove anos de idade, sob a justificativa de que, se as crianças negras começavam a trabalhar por volta dessa faixa etária, já teriam discernimento para distinguir o certo do errado — o trabalho infantil, segundo Rodrigues, seria uma decorrência da mera “precocidade”.

Historicamente, aponta Teixeira, o crime e a violência sempre foram encarados como “condutas desviantes” da mitológica “cordialidade” da sociedade brasileira, com o negro identificado sempre como o elemento que se afasta desse padrão. Um estudo do aparato policial constituído no Brasil do Século 19 permite identificar que foi exatamente nos períodos em que se intensificaram as rebeliões de negros escravizados que surgiram as legislações mais repressivas. “Era uma legislação construída para regular a força de trabalho negra, que estava, paulatinamente, conquistando liberdade e se aglutinando nos centros urbanos que cresciam”, diz o pesquisador.

Zaccone 001Zaccone: “O grande problema no Brasil não é a violência praticada pelo adolescente, mas a que é praticada contra ele”Autos de resistência
O delegado Orlando Zaccone apresentou à CPI um estudo sobre os chamados “autos de resistência”, nomenclatura dada às mortes decorrentes da ação policial — quando as vítimas alegadamente teriam reagido ao trabalho da policia. Observando as ocorrências desse tipo registradas no ano de 2005, no Rio de Janeiro, foi constatado que 99% dos autos de resistência foram arquivados em menos de três anos.

“Isso significa que todos os autos de resistência do Rio de Janeiro instaurados no ano de 2005 até dezembro de 2008 estavam arquivados por uma decisão do Ministério Público. Ou seja, o titular do direito de ação, órgão do Ministério Público, diz que essas mortes não são contrárias à lei, elas são mortes conforme a lei”, explica o delegado.

Para Zaccone, quando se fala de assassinatos de jovens, é preciso levar em conta a violência letal produzida pelo Estado brasileiro contra a juventude brasileira. “O grande problema no Brasil não é a violência praticada pelo adolescente, mas a que é praticada contra ele”. O delegado cita pesquisas que apontam que essa faixa etária seria responsável por menos de 8% de todos os atos infracionais com violência registrados no País e por menos de 1% dos homicídios. “É importante ter isso em conta quando o Parlamento está votando a redução da maioridade penal”, defendeu.  “Quando olhamos para a violência praticada contra o jovem, veremos que o Brasil encabeça os piores índices do mundo”.

O Brasil, segundo a Unicef, está em sexto lugar entre os piores índices de violência contra a criança e o adolescente.  Em números absolutos de homicídios cometidos contra essa faixa etária, o País é o segundo, atrás apenas da Nigéria.

Analisando os 308 pedidos de arquivamento dos inquéritos referentes a autos de resistência feitos pelo Ministério Público, Zaccone apurou que a idade média das 368 vítimas era de 22 anos—a vítima mais jovem entre esses  casos, tinha 11 anos de idade e 21% do total eram 18 anos. Apesar de não considerar o estudo conclusivo, devido ao tamanho do universo pesquisado, o delegado acredita que é possível tratar esses números como indícios de que essa violência do Estado, a partir das agências policiais, tem como alvo a juventude. Além disso, 75% desses autos de resistência ocorreram dentro de comunidades consideradas favelas, Entre as vítimas, 61% eram pardas e 17% negros.

Citando dados da Anistia Internacional, Zaccone destacou que os 20 países que ainda adotam a pena de morte no mundo executaram 676 pessoas em 2011 — contagem que exclui informações sobre a China, que não divulga seus dados. Nesse mesmo período, somente as polícias do Rio de Janeiro e São Paulo 961 pessoas, número 42% maior. O delegado rejeita a justificativa que as mortes resultantes da ação policial sejam explicáveis pela sofisticação do aparato bélico usado pelos criminosos, lembrando que na última guerra registrada em nosso continente, a das Malvinas, em 1982, morreram 649 argentinos e 258 ingleses, ou 907 pessoas. Só em 2007, o estado do Rio de Janeiro produziu 1.330 mortes a partir de auto de resistência.

Entre os motivos para os pedidos de arquivamento dos autos de resistência—que equivale ao reconhecimento de que aquela morte não foi ilegal—o delegado encontrou dados que permitem concluir que “há categorias no ambiente social que estão desprovidas de proteção à vida”, como o traficante de drogas.  Outro aspecto que justificaria o assassinato é o território onde ela ocorre, como a “comunidade favelada”, considerada local perigoso. “A folha de antecedentes criminais [da vítima] também é fundamental nos pedidos de arquivamento”.

Assim como o senador Lindbergh Farias, Zaccone também considera equivocado comolocar no centro estratégico do modelo de segurança pública o combate às drogas. Ele integra a organização internacional Law Inforcement Against Prohibition (“agentes da lei contra a proibição”) e defende que a legalização da produção, do comércio e do consumo de todas as drogas como um marco de redução da violência. “A violência não é produto das drogas, a violência é produto da proibição. Se fizermos uma pesquisa de quantos jovens morreram pelo consumo das drogas proibidas, como maconha e cocaína, e quantas morreram na guerra contra o comércio dessas substâncias, vamos concluir que o combate às drogas é muito mais letal que o uso delas”.

Cyntia Campos

Confira a íntegra das exposições e do debate na audiência pública da CPI que investiga o assasinato de jovens no brasil 

To top