Enquanto protela como pode o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais – apenas nesta segunda-feira, 6 de abril, a Caixa Econômica deve anunciar o cronograma de pagamento –, o governo prepara no Congresso um grande ovo de Páscoa para a parcela mais rica da população: a compra direta, pelo Banco Central, de títulos públicos e privados em mercados secundários nacional e internacional. Também poderá negociar direitos creditórios privados, sem nenhuma regra sobre garantia de emprego, renda ou mesmo a renegociação de dívida das famílias.
Aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados semana passada, a Proposta de Emenda Constitucional 010/2020, conhecida como a PEC do Orçamento de Guerra, começa a ser apreciada no Senado. Se o texto for aprovado como está, na prática será dada autorização ao Tesouro Nacional assumir os riscos de um calote de qualquer empresa brasileira, a exemplo de medida adotada em março pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central norte-americano) nos Estados Unidos.
Os bancos, que vem se mostrando relutantes a liberar crédito, poderão aproveitar a ocasião para empurrar toneladas de papéis podres ao BC, a título de manutenção da liquidez no mercado, mas sem nenhuma contrapartida, como a manutenção dos empregos. Essa poderá se tornar a maior transferência de dinheiro público para bancos e grandes investidores da história do Brasil, a um custo ainda não revelado pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes.
A bancada do PT votou contra esta autorização. A presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PT-PR), criticou a iniciativa. Ela diz que a proposta equivale a um cheque em branco ao Banco Central. “Vai poder fazer operações de crédito sem qualquer contrapartida. Isso não gera emprego, não estimula a economia, não protege as pessoas”, alertou. Gleisi espera que a medida seja derrotada no Senado.
Em plenário virtual durante as votações, os parlamentares do PT se posicionaram contra a medida. “Agora era hora de discutirmos taxar grandes fortunas, retomar a ideia de cobrar lucros e dividendos. Esta PEC é inoportuna e só tem efeito simbólico”, afirmou Paulo Teixeira (PT-SP).
O professor Paulo Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, questiona a medida. “De onde sairá esse dinheiro e os de gastos futuros? Vamos ter que fazer uma mudança na reforma tributária do país, em discussão no Congresso, sendo necessário ter imposto nas grandes riquezas. É a única forma de tapar esse buraco lá na frente: chegou a hora de os ricos contribuírem”, indaga. Para Feldmann, “o que deveria estar acontecendo – e não está – é que os bancos privados não estão contribuindo. Pelo contrário, ouve-se falar que está havendo uma diminuição do crédito”.