Dentre tantas notícias inacreditáveis do Brasil desses nebulosos tempos, em que a sequência de absurdos é tão intensa que parece não mais chocar, um fato teve grande destaque na imprensa nos últimos dias. Foi a revelação de que parlamentares brasileiros, ministros e o próprio presidente da República abriram espaço em suas agendas para receber uma deputada neonazista, expoente da ultradireita alemã.
O encontro no Palácio do Planalto, que não constou na agenda oficial e nem foi divulgado nas redes do presidente – logo ele, tão ativo nessas plataformas! – é mais um insulto aos preceitos democráticos e de respeito às diferenças, que este senhor jurou respeitar ao tomar posse, diante do Congresso Nacional, mas que vive afrontando com suas declarações e atos cotidianos.
Não creio que a omissão na divulgação tenha sido por constrangimento, pois, se assim fosse, sequer teria a recebido. Até porque, como diz o ditado, quem anda com porcos, come farelo. E quem com nazista confraterniza, nazista é. Acredito que a postura de esconder tal recepção diz muito mais sobre os planos macabros desse governo para com os diferentes e com a democracia. Assim como sua predileção em apoiar e buscar apoio de representantes de um pensamento que, felizmente, não encontra mais espaço no mundo contemporâneo, para além dessa bolha negacionista em que insistem inserir o Brasil, o que nos isola e apequena cada vez mais diante de todo o mundo. Uma vergonha!
Vice-líder do partido populista Alternativa para Alemanha (AfD), a referida deputada é neta do ministro das Finanças da Alemanha nazista de Hitler. Isso, no entanto, não é o mais grave, pois ninguém escolhe seus antepassados. O problema está justamente no que esta senhora e seu partido representam agora. Fundada em 2013, a jovem sigla se firmou justamente a partir da crise migratória de refugiados que se intensificou na Europa ao longo da última década. Isso porque a legenda atua abertamente com um discurso de violência contra imigrantes e com um histórico de posturas xenófobas. Não à toa, esta é a primeira vez que uma sigla com representação no Parlamento está sendo investigada por suspeita de extremismo e por colocar a democracia em risco.
A AfD ainda é reconhecida por adotar discursos que relativizam o histórico nazista no país. Em 2020, eles tiveram que demitir um dos seus porta-vozes, após o vazamento de uma gravação na qual ele sugeria que imigrantes deveriam ser mortos “a tiros” ou “por gás”. Episódios inaceitáveis como este, que fazem com que a legenda não seja reconhecida pela comunidade internacional, parecem não ter intimidado o gabinete do presidente da República no Brasil a abrir suas portas para receber uma das suas lideranças mais proeminentes.
O posicionamento deste partido é tão abominável que, segundo Jamil Chade, a foto do encontro foi recebida no meio diplomático alemão com consternação e decepção em relação ao Brasil. Como destacou o jornalista, a sigla só é recebida por países considerados párias, como ditaduras e violadores de direitos humanos. Os jornais das principais cidades do país europeu também noticiaram o encontro, num tom de incredulidade.
É a esse lugar que o atual governo rebaixa o Brasil. Embora seja uma postura repugnante, que merece o meu repúdio, não surpreende. Lembremos que o presidente brasileiro jamais escondeu seu horror a quem pensa diferente dele, às mulheres, aos negros, aos refugiados, à população LGBTQIA+. Ele já defendeu atos como a tortura de opositores, o estupro de mulheres, o fuzilamento de adversários políticos. Foi com um discurso de extremo ódio e preconceito que chegou ao poder, contando, infelizmente, com o voto de muitos desses que ele defende que sejam dizimados, assim como a deputada alemã prega e seus antepassados executaram com os meus ancestrais judeus. Posturas que os levam a avançar na política a partir da segregação, da supremacia branca, da intolerância, do poder exercido por milícias, da propagação de armas, do ataque às instituições e ao que a democracia tem de mais valioso, que é o voto popular.
O episódio revela que, cada vez mais, todas as máscaras estão caindo, especialmente para aqueles que preferiram enxergar a realidade pelas lentes do preconceito. Muitos votaram com uma espécie de venda, diante do ódio que se apresentou na nossa frente em 2018. Aos que se iludiram, que mais esse acontecimento deplorável sirva de alerta. Ainda é tempo de recuperarmos o que resta de bom senso e mudarmos a história, mostrando o nosso repúdio inequívoco a esse período nebuloso que o país da diversidade vive. Que estes que insistem em crescer a partir da política do horror tenham o mesmo destino dos nazistas: o lixo da história.
Artigo originalmente publicado na revista Carta Capital