Os indícios apontam para um polpudo esquema de corrupção com verbas federais. O Raio-X publicado pela revista Piauí levou parlamentares do PT, Rede e Pros a entrarem com pedido de investigação no Tribunal de Contas da União (TCU). Os partidos querem uma auditoria financeira e operacional nesses repasses.
De forma sintética, o esquema seria movido a fraudes. A primeira delas, feita pelas prefeituras, que informavam execução orçamentária anual na área de saúde maior que a real. Um dos exemplos trazidos pela revista é o da pequena São Raimundo das Mangabeiras, no sul do Maranhão, que apresentou faturamento de R$ 213,6 mil em assistência ambulatorial em 2019. Um ano depois, esse teto subiu para R$ 4 milhões.
Para mostrar aumento tão grande em investimentos, as prefeituras apresentam números fictícios. Algumas chegaram a listar quatro consultas por habitante num ano, o que supera, e muito, a média nacional. Num dos municípios, o poder público jura que realizou 52,8 mil exames para identificar lesões no fígado, o que dá mais de dois procedimentos por habitante. Já em Pedreiras (MA), o prefeito informou que houve 540,6 mil extrações de dente em 2021. Como a população não passa de 39 mil habitantes, cada munícipe teria perdido 14 dentes no ano passado.
Com essas planilhas inventadas, as prefeituras superdimensionam seus investimentos e, assim, abrem a porta para receber emendas parlamentares mais generosas no ano seguinte. Aí vem segunda parte do esquema, tocada por deputados e senadores aliados do governo, que centram nessas prefeituras escolhidas o envio de recursos.
Das 30 cidades mais beneficiadas com essas verbas, 23 são maranhenses. É o caso de Bela Vista, com pouco mais de 11 mil pessoas, que no ano passado recebeu R$ 5,5 milhões em emendas para o pagamento de exames e consultas. Daria R$ 490 por habitante, enquanto a média nacional de investimento em saúde é de R$ 20 per capita. Igarapé Grande, a 100 quilômetros de Bela Vista, é a campeã nacional de emendas parlamentares para o setor: R$ 590 por habitante. Só que não há qualquer sinal de melhora nos serviços de saúde desses municípios que, aparentemente, ganharam uma espécie de “loteria da saúde”.
Na peça encaminhada ao TCU, os partidos reclamam equidade na distribuição dos recursos e questionam sobre o que foi feito do dinheiro dessas emendas. “É sabido que os recursos para a saúde são escassos. Portanto, é inadmissível que sejam utilizados de forma inadequada, prejudicando outros municípios que fazem uma boa gestão”, justificam.
A suspeita é de que uma parte da verba do orçamento secreto — algo como 30% — volte na forma de propina a senadores e deputados envolvidos. Mas o cenário precário na saúde dos municípios alvos das emendas não ajuda a identificar o que foi feito do restante do dinheiro. Essas prefeituras “sortudas” do Maranhão somam mais de R$ 918 milhões em repasses do orçamento secreto desde 2020 na área da saúde, transformando o estado no segundo maior destino dessas emendas, atrás apenas de Minas Gerais.
Como registra a reportagem, na opinião do delegado da Polícia Federal Roberto Santos Costa, que investiga o caso, o que está por trás disso é “uma verdadeira organização criminosa voltada para a compra de emendas parlamentares destinadas às ações de saúde dos municípios maranhenses”.
De acordo com o deputado Jorge Solla (PT-BA), um dos proponentes de pedido de investigação no TCU, a área federal de saúde deixou de ser auditada nos últimos anos. “Até 2017, o DenaSUS realizava em torno de 1,3 mil auditorias e atividades de controle por ano. Em 2019, foram apenas 351. Em 2020, só 208. No ano passado, 151”, denuncia o deputado, que completa: “Sobram evidências de que o maior esquema de corrupção do governo Bolsonaro acontece na Saúde, pra onde estão sendo drenadas 90% das emendas secretas”.