Bolsonaro tem um conceito sui generis de soberania.
Bate continência para a bandeira norte-americana, segue a Trump como um pequeno e submisso vira-lata, deseja entregar a Amazônia para a exploração de empresas mineradoras estrangeiras, vende a Petrobras e o pré-sal, aceita a venda da Embraer à Boeing, submete nossas Forças Armadas ao Comando Sul dos EUA, entrega a Base de Alcântara para os norte-americanos, mas se insurge contra as perigosas ONGs ambientalistas e os índios, que “não falam nosso idioma”.
Bom, a maior parte dos nossos índios fala português. Talvez não fale inglês. Talvez seja esse seu pecado. Fossem nossos povos originários louros de olhos azuis que citassem Shakespeare, não haveria problema em que controlassem cerca de 14% do território. Se usassem o dólar, melhor ainda.
Fossem as ONGs ambientalistas igrejas evangélicas que ensinassem aos índios as delícias do capitalismo predatório, também não haveria quaisquer interferências em nossa soberania, sob sua ótica.
E, fosse o civilizado Macron o grosseiro Trump, o vira-lata estaria há muito com o rabo ente as pernas.
O problema principal de Bolsonaro é que ele é mais atrasado que o atraso brasileiro.
Setores atrasados do agronegócio, mesmo desejando mais terras e certa impunidade ambiental, sabem que não podem extrapolar certos limites, por medo de perder mercado para suas exportações. Querem continuar a faturar em dólares e euros.
Mas Bolsonaro ultrapassou todos os limites.
Já durante a campanha afirmou que não demarcaria um centímetro de terra para índios e quilombolas. Disse que a Amazônia só teria sua soberania assegurada através da exploração comercial. Disparou suas baterias contra a “indústria de multas” do Ibama.
Junto com seu chanceler pré-iluminista, e emulando Trump, colocou em dúvida o aquecimento global, taxando-o de ideologia associada ao “marxismo cultural”. Ameaçou retirar o Brasil do Acordo de Paris. No governo, tentou acabar com o Ministério do Meio Ambiente. Não conseguiu, mas o enfraqueceu bastante. E fez muitas otras cositas más.
Com efeito, em poucos meses, o governo Bolsonaro:
a) enfraqueceu o Ministério do Meio Ambiente, deslocando a Agência Nacional de Águas para o Ministério do
Desenvolvimento Regional e o Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura;
b) anunciou a revisão de todas 334 Unidades de Conservação brasileiras, ameaçando-as de redução ou extinção
c) colocou um freio na fiscalização ambiental, o que provocou uma queda de 34% no número de multas aplicadas pelo Ibama;
d) iniciou o desmantelamento da Política Climática, com seguidas declarações contra essa política global, inclusive do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que define o tema como “acadêmico” e “não prioritário”;
e) atacou o Fundo Amazônia e seus principais financiadores, como Alemanha e Noruega, recorrendo, inclusive, a acusações falsas;
f) atacou e enfraqueceu os órgãos de controle ambiental, em especial o Ibama e o ICMBio, bem como questionou os dados de monitoramento do INPE, o que resultou na demissão de seu responsável;
g) tentou esvaziar a Funai, deslocando a função de demarcar terras indígenas para o Ministério da Agricultura;
h) recusou-se a sediar a COP-25.
Tudo isso foi a senha para o “liberou geral” piromaníaco que acontece na Amazônia. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 1º de janeiro e 24 de agosto deste ano, teriam ocorrido 79.513 focos de incêndio na Amazônia Legal. Tal cifra é 82% superior aos focos registrados no mesmo período do ano passado e a mais alta dos últimos sete anos. A tendência é que a situação piore, nos próximos meses, pois muitas áreas que já foram derrubadas ainda não foram incendiadas.
Esse antiambientalismo pré-científico, irracional e entreguista do governo Bolsonaro contrapõe-se aos grandes avanços civilizatórios feitos nessa área em governos anteriores, particularmente os do PT.
Entre 1995 e 2004, a média anual de desmatamento na Amazônia Legal foi de 20,7 mil quilômetros quadrados. Entretanto, após a implantação, em 2004, da Política Nacional sobre Mudança de Clima e do consequente Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), ocorreu redução sistemática e intensa das taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal.
Dessa forma, em 2012, no governo Dilma, o Brasil teve o menor índice de desmatamento de sua história documentada. A redução do desmatamento no Brasil chegou a espantosos 76,27%, em relação aos níveis praticados até o início deste século.
Em consequência, as emissões de CO² despencaram de 3,453 bilhões de toneladas, em 2004, para 1,368 bilhão de toneladas, em 2015, último ano do governo do Partido dos Trabalhadores.
Mesmo com essa queda brutal nas taxas de desmatamento, a safra de grãos brasileira aumentou de 112,7 milhões de toneladas, em 2005, para 209,5 milhões de toneladas, em 2014, o que significa que o Brasil não precisa desmatar para produzir alimentos e outros bens. Basta investir em tecnologias sustentáveis.
Os retrocessos, portanto, não se justificam
No período 2012-2014, a média anual de desmatamento na Amazônia Legal foi de apenas 5,1 mil quilômetros quadrados, um pouco menos de ¼ da média do decênio 1995-2004 (20,7 mil). Um feito notável.
Já no período 2016-2018, após o golpe e com a recessão econômica definitivamente instalada, a média anual subiu para 7,6 mil quilômetros quadrados, o que acendeu o sinal amarelo, na questão do desmatamento da Amazônia.
O que se viu, agora, porém, no governo Bolsonaro, é um gritante sinal vermelho de que o desmatamento volta a ficar em total descontrole.
Estimativas realizadas por pesquisadores do INPE demonstram que, no governo Bolsonaro, caso o descontrole prossiga, o desmatamento na região amazônica poderia subir para 25,6 mil km²/ano. Ou seja, com Bolsonaro, o desmatamento na Amazônia poderia até ultrapassar a média histórica do decênio 1995-2004, que, como vimos, foi de 20,6 mil km².
Caso esse descontrole se mantenha, em uma década isso seria o equivalente a área do Reino Unido inteira em desmatamento. Mais: 18% desse impacto ocorreria dentro de áreas protegidas, como reservas indígenas e parques nacionais. A taxa prevista seria cerca de 8 vezes maior do que a meta proposta pelo próprio governo, em 2009, de chegar a 3,5 mil km² em 2020.
Em outras palavras: com Bolsonaro estamos ameaçados de perder o avanço histórico realizado nos governos do PT na área ambiental e de descumprir todas as nossas metas e compromissos internacionais relativos ao combate ao efeito–estufa.
Ao contrário do que Bolsonaro e sua turma de piromaníacos microcefálicos dizem, esses compromissos não foram impostos ao Brasil. O Brasil os adotou de forma livre e espontânea porque chegou à conclusão de que isso convinha aos seus interesses.
Segundo o primeiro Relatório de Avaliação Nacional (RAN1) do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), divulgado em 2014, o Brasil, como boa parte dos países tropicais, será gravemente afetado pelas mudanças do clima, caso nada for feito.
No caso específico do Brasil, verificou-se que o prosseguimento do aquecimento global alteraria fortemente o regime pluviométrico, com aumento das inundações na região Sul-Sudeste e intensificação dos períodos de seca no semiárido nordestino, no cerrado e na região amazônica. A Amazônia, fundamental para o equilíbrio do clima continental, poderia passar por um processo de savanização, provocado pelo aumento da evapotranspiração. Com isso, vastas regiões de cerrado e perderiam sua preciosa fonte de água, com fortíssimos prejuízos para a atividade agropecuária brasileira.
O Relatório destaca também que “estudos observacionais e de modelagem numérica sugerem que, caso o desmatamento alcance 40% na região amazônica, esperam-se mudanças drásticas no ciclo hidrológico, com redução de 40% na pluviometria durante os meses de julho a novembro, prolongando a duração da estação seca, bem como provocando aquecimento superficial em até 4ºC”. Ou seja, mesmo sem mudanças climáticas globais, o desmatamento, por si só, já seria suficiente para alterar todo o ciclo hidrológico do país.
Evidencia-se, assim, que o investimento no meio ambiente equilibrado e no desenvolvimento sustentável, em vez de ser concessão a outros países, é, na verdade, diretriz imposta pelo mais alto interesse nacional.
Para o Brasil, a inexorável transição para uma economia de baixo carbono representa muito mais oportunidades do que riscos e custos, ao contrário do que ocorre na maior parte dos países, especialmente dos países já desenvolvidos, que têm, em geral, matriz energética mais suja, baixa biodiversidade e um histórico passivo ambiental que supera em muito o nosso.
Nosso país, que tem 20% da biodiversidade internacional e 13% da água doce do planeta, a maior potência ambiental do mundo, poderá ampliar suas vantagens comparativas na economia internacional, se nos próximos anos continuar a incorporar a sustentabilidade ambiental como parte fundamental da estratégia de consolidação do seu desenvolvimento.
Observe-se que o custo da inação diante das mudanças climáticas, por afetar mais intensamente a produção de alimentos, recairia mais fortemente sobre a população mais pobre, com consequências sociais desastrosas.
Portanto, a melhor forma de assegurar nossa soberania, especialmente na região amazônica, é promover a exploração sustentável da biodiversidade e dos recursos naturais. Nossa geração e a as futuras gerações auferirão de muito mais renda e poderão contar com mais e melhores empregos, mediante essa estratégia sensata e moderna.
Só que Bolsonaro não acredita em ciência e não sabe identificar o interesse nacional. Por isso, propõe o descaminho piromaníaco que significará isolamento diplomático, retaliações comerciais, pobreza, escassez, sofrimento para os povos originários e para a população mais pobre, bem como erosão da nossa soberania sobre a Amazônia e nossos recursos naturais. Um descaminho que nos envergonha perante o mundo.
Aliás, o capitão, que não parece acreditar na ciência, esmera-se na triste arte de nos fazer passar vergonha.
Ultimamente, dedica-se a xingar Macron e a ofender a primeira dama francesa. Confunde soberania com total falta de compostura. Todo mundo percebe que, como Chefe de Estado, é um pequeno deputado do baixo clero. É motivo de chacota planetária e torna o Brasil pária mundial.
Provavelmente, segue instruções de Trump, que tem interesse em bombardear o acordo Mercosul e UE e o programa do submarino nuclear que o Brasil tem com a França.
Bolsonaro não está apenas colocando fogo na Amazônia, está queimando nossa soberania, nossa imagem e nosso futuro.
O lema de seu governo deveria ser Pátria Queimada, Brasil.