Paulo Rocha reconhece erro na falta de diálogo do governo com trabalhadores

Paulo Rocha, relator da MP 665: qualquer mudança não pode ser em cima das conquistas dos trabalhadoresUma das medidas provisórias (MP 665/2014) que altera direitos dos trabalhadores foi discutida em audiência pública, nesta terça-feira (7), promovida pela comissão mista que analisa a matéria. Na opinião dos debatedores, a má interpretação das medidas decorreu do diálogo do governo com os setores trabalhistas antes de sua publicação no começo de março, início de sua validade. O senador Paulo Rocha (PT-PA), relator da MP 665, admitiu que falta de uma explanação detalhada levou à falsa interpretação de que elas estavam sendo impostas – o que, para ele, foi um erro.

“Queremos fazer aquilo que o governo não fez, por isso me propus a ser o relator desta medida. É claro que foi um erro o governo, o nosso governo, antes de mandar essas medidas, não dialogar com os setores [representantes dos trabalhadores]”, afirmou Rocha.

Uma das medidas alteradas pela MP 665, é o seguro-defeso, que é pago ao pescador artesanal como uma compensação pelos meses em que ele é impedido de trabalhar para respeitar o período de reprodução dos peixes. A medida afeta diretamente os cerca de 1 milhão de pescadores artesanais no Brasil, segundo dados do Ministério da Pesca e da Aquicultura de 2014. Hoje, para receber o benefício, já de acordo com o que estabelece a MP, o pescador precisa comprovar ter três anos de atuação (antes era apenas um) e um ano de contribuição à previdência (antes, bastava um ano, pelo menos).

Paulo Rocha foi um dos parlamentares envolvidos na legislação que criou o seguro-defeso. Ele afirmou que a audiência serviu para lhe dar argumentos para buscar uma mediação junto ao Governo Federal, com o intuito de garantir os ajustes fiscais sem prejudicar direitos adquiridos pelos trabalhadores.

“Como parlamentar da chamada base do governo, tenho responsabilidade para ajudar a continuar construindo uma economia que gere renda, emprega e assegure que os avanços de inclusão social ao longo desses 12 anos ocorram mais e mais. No entanto, qualquer mudança não pode ser em cima das conquistas dos trabalhadores”, afirmou.

Combate à fraude

Representantes das entidades ligadas aos trabalhadores reconheceram que são necessários ajustes em distorções. Entre elas, o recebimento de benefícios por pessoas que sequer tem direito a eles, como pessoas que não são pescadores.

O diretor financeiro da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo, lembrou que medidas adotadas pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) reduziram o número de beneficiários ilícitos. Segundo ele, no ano passado, 250 mil pessoas deixaram de receber o benefício por estarem em situação irregular.

O representante da CUT, no entanto, critica o motivo das MPs terem sido editadas, que seria o combate à fraude. Ele alega que, para reduzir esses índices – que segundo Quintino são “ínfimos”, é preciso contratar mais auditores fiscais do Trabalho.

A opinião é compartilhada pelo Presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), Antônio Fernandes dos Santos Neto. “Falta condições ao Ministério do Trabalho para fazer a fiscalização. Há déficit de mil auditores no órgão que poderiam ajudar a combater às irregularidades”, disse.

Neto também é favorável a punições para empresas com alto grau de rotatividade de funcionários por meio da regulamentação do Artigo 239 da Constituição Federal, que trata do tema. Segundo ele, do total de desempregados do Brasil, cerca de 64% foram demitidos por apenas 6,2% das empresas do País.

A medida provisória também altera as regras do seguro-desemprego. Antes, o trabalhador tinha direito ao benefício após seis meses de trabalho. Agora, a primeira solicitação só pode ser feita após 18 meses. De acordo com o governo, as mudanças visam evitar fraudes, como o conluio entre trabalhador e empregador em relação ao seguro. Em alguns casos, o funcionário é demitido para receber o benefício, mas continua trabalhando e recebendo, ainda, um valor “extra” da empresa.

O presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, é favorável que haja punição nesses casos tanto para trabalhadores quanto para empresários. No entanto, defende a necessidade de critério e melhorias na gestão na esfera governamental para evitar que situações fraudulentas ocorram.

Projeto de Lei

Os representantes das centrais sindicais afirmaram quererem manter um diálogo com o governo para que se chegue a um consenso. Porém, destacaram que as medidas foram promulgadas sem haver um diálogo prévio.

De acordo com o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, a proposta das entidades que as medidas sejam substituídas pelo governo por Projetos de Lei (PL), para que haja tempo de debater as proposições. A diferença entre os dois meios é que o primeiro tem efeito imediato após 90 dias da sua publicação, enquanto o PL só entra em vigor após aprovado pelo Congresso.

“Topamos a discussão, concordamos que temos propostas a fazer. Agora não dá que, antes da discussão, já se retire direitos dos trabalhadores”, disse Torres.

O representante sindical afirmou que foram entregues aos representantes do Executivo propostas com ajustes fiscais sem mexer nos direitos trabalhistas. Entre elas, a taxação de grandes fortunas – segundo estudos apresentados por Torres, a arrecadação seria de R$ 3,5 bilhões por ano – e a tributação sobre remessa de lucros das empresas no Brasil para suas matrizes no exterior, o que geraria para R$ 10,7 bilhões para os cofres do governo. Outra proposição é o combate ao fluxo de capitais e dados ilícitos, garantindo R$ 49 bilhões ao governo.

Trabalhadores rurais

Um dos segmentos mais prejudicados pelas mudanças na legislação, segundo o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Carlos Eduardo da Silva, são os trabalhadores rurais. Ele explicou que está entre os segmentos com o maior índice de informalidade.

“Se na área urbana a informalidade é de 40%, no campo é de 60%, chegando a 90 e 95% em estados como Sergipe e Piauí”, disse, acrescentando que a rotatividade no setor é tão alta quanto na construção civil – onde os contratos com trabalhadores dificilmente duram mais do que um ano.

De acordo com Silva, 24% dos empregados rurais são contratados por três meses, 19,5% por três a seis meses e 26,7% de seis meses a menos de um ano. “Então, 43% dos contratos têm menos de seis meses. Isso vai ter impacto no seguro”, explicou.

No meio agrícola, os contratos entre empresários e empregados dura, em média, o tempo da colheita de determinada cultura – geralmente de três meses. “Quando encerra colheita, não há mais atividade naquele município. Aí o trabalhador precisa migrar de estado para outro porque não tem qualquer tipo de proteção social”, disse.

SINE

As novas regras no seguro-desemprego afetam, segundo os palestrantes, os trabalhadores mais jovens e os empregados em setores como a agropecuária e a construção civil.

A solução, segundo o vice-presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Joilson Cardoso, seria o fortalecimento do Sistema Nacional de Emprego (Sine), órgão do governo que, entre outros, controla o pagamento do seguro-desemprego.

“Temos, no Brasil, um sistema público de emprego desintegrado. Esse sistema, no entender das centrais sindicais, deveria versar sobre seguro, orientação profissional, intermediação da mão-de-obra, qualificação e certificação profissional”, explicou Cardoso.

A necessidade de orientação aos trabalhadores em relação ao mercado foi um dos aspectos citados pelo dirigente sindical que precisam ser revistos. Segundo ele, não adianta serem criadas boas oportunidades de emprego sem mão-de-obra qualificada, o que obriga empresas a importarem força de trabalho de outros países. “Isso resulta na exclusão social”, afirmou.

De acordo com Cardoso, o Sine só consegue realocar cerca de 5% dos trabalhadores no País. Além disso, os investimentos do governo federal seriam baixos (de apenas 20%), ante o que é repassado pelos estados e municípios (80%).

“Se esse sistema estivesse integrado para a finalidade que existe, o trabalhador que sai do emprego teria condições de rapidamente ser realocado. Que o governo ouse fortalecer o sistema público de emprego”, disse.

Audiências

Além da MP 665, outra audiência nesta terça discutiu com especialistas, como representantes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os aspectos da medida provisória 664/2014. Os debatedores alternam entre as comissões nesta quarta-feira (8).

Já na quinta-feira (9), uma audiência conjunta receberá os ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Carlos Gabas (Previdência Social), Manoel Dias (Trabalho e Emprego), Miguel Rossetto (Secretaria Geral da Presidência da República) e Helder Barbalho (Pesca).

As MPs 664 e 665 já receberam mais de 700 emendas de parlamentares, ao todo.

Carlos Mota

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