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PEC das Drogas: combate à violência ou criminalização da pobreza?

Em artigo no jornal O Globo, senador Fabiano Contarato afirma que proposta continuará jogando usuários pretos e pobres indiscriminadamente no sistema penitenciário

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PEC das Drogas: combate à violência ou criminalização da pobreza?

Fabiano Contarato: "Precisamos cuidar de quem precisa, em uma atuação conjunta entre os Poderes e a sociedade, e punir de forma dura o traficante e toda a cadeia de ilícitos envolvidos neste crime"

É preciso ser honesto: a Proposta de Emenda à Constituição 45/2023, conhecida como PEC das Drogas, não resolve o problema das drogas, da segurança pública e do avanço das organizações criminosas no Brasil. Ela não inova e não estabelece critérios para diferenciar usuários de traficantes. A PEC nos dá uma certeza: pobres e pretos, ainda que usuários de drogas, continuarão sendo jogados indiscriminadamente ao sistema penitenciário e tratados como traficantes.

Sem definições objetivas e subjetivas estabelecidas expressamente na lei, caberá ao delegado de polícia definir quem vai ser enquadrado por tráfico e quem vai ser usuário, independentemente da quantidade de entorpecente encontrada com cada um. O destino de dois jovens de classes e cores distintas será bem diferente. Sabemos disso. Caso ainda restem dúvidas, vou relembrar: quase 70% da população carcerária no Brasil é composta de negros, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O ministro Alexandre de Moraes, ao votar sobre a descriminalização do porte de drogas, destacou dados expressivos sobre características dos indiciamentos no Brasil: pessoas brancas precisam portar 80% a mais de entorpecentes do que uma pessoa preta para serem indiciadas por tráfico de drogas. É razoável que nós, legisladores, incentivemos a perpetuação da criminalização da pobreza e da cor da pele?

Em 2006, o Congresso Nacional aprovou a Lei 11.343, conhecida como Lei de Drogas, e despenalizou o usuário de drogas, conforme o artigo 28 da legislação. Ao ser flagrado transportando ou portando entorpecentes, não é autuado em flagrante, não é registrado como criminoso e não paga fiança. O legislador optou por não aplicar a pena restritiva de liberdade ao usuário, mas medidas para alertar sobre os riscos e evitar o vício, aplicando tratamento diferenciado em relação ao traficante. Com a PEC, essa mesma pessoa, ainda que usuária, pode ser indiciada por tráfico.

Por óbvio, não se trata de defender traficante. Pelo contrário: defendo ainda mais rigor na punição nesse caso. Hoje, temos uma pena para o tráfico que varia de 5 a 15 anos de prisão. Por que não endurecer essa punição? Estamos vendendo para a população que simplesmente aprovar a PEC das Drogas vai resolver o problema. E isso não é verdade.

O que o Senado Federal deveria fazer para dar um passo à frente era estabelecer, com critérios objetivos e subjetivos, quais condutas serão tipificadas para tráfico e quais serão adequadas na conduta de porte de substância para uso próprio, sem deixar dúvidas ou margem para a criminalização exacerbada de usuário de drogas, especialmente os que vivem em bolsões de pobreza e são, em sua maioria, pretos e pardos.

Termino o texto com um exemplo muito simbólico para mim. Quando eu era delegado da Polícia Civil do Espírito Santo, um pai levou o filho amarrado dentro do porta-malas do carro, pedindo que eu o prendesse, porque o menino era usuário de drogas. Esse pai, em total desespero e abandono do Estado, queria mesmo o filho preso ou queria salvá-lo do vício?

Esse pai queria suporte, caminho e tratamento para o filho. Queria o fim do sofrimento da família. É isso que precisamos: cuidar de quem precisa, em uma atuação conjunta entre os Poderes e a sociedade, e punir de forma dura o traficante e toda a cadeia de ilícitos envolvidos neste crime, como lavagem de dinheiro, organizações criminosas e assassinatos. A PEC não soluciona o problema concreto dos mais vulneráveis, tanto do ponto de vista da saúde quanto da segurança pública. Esses mecanismos, infelizmente, ainda não estão sendo discutidos pelo Legislativo Brasileiro.

Artigo originalmente publicado no jornal O Globo do dia 3 de abril de 2024

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